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Paul Celan

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Por Carlos Ortega Do Holocausto ficaram vítimas mortais e vítimas moribundas. A quantidade de judeus exterminados pelo nazismo na Europa é conhecida, mas a verdadeira magnitude do Holocausto só é complemente visível se se tem em conta também os sobreviventes do crime. A tradição judaica criou um termo para referir-se a eles: sheerit , o remanescente, o que ficou. Essa carga residual vem de um termo hebraico, é uma matiz de orfandade: o que ficou, mas o que ficou sem nada nem ninguém. O núcleo deste remanescente constituiu-se de aproximadamente cinquenta mil judeus soltos dos campos de concentração espalhados pela Áustria e Alemanha entre abril e maio de 1945. A eles se somaria algumas centenas de milhares que antes haviam escapado por pouco dos tentáculos assassinos de Hitler, mas que se viram igualmente órfãos, vagando pelas frias estepes do Leste europeu ou por sórdidos ambientes das capitais onde se esconderam até alcançar um lugar mais seguro no mundo. O poeta Paul Ce...

Os clássicos nos fazem críticos

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Por Carlos García Gual   Ulisses e as sereias. Otto Greiner Como destaca Alfonso Berardinelli (em Ler é um risco ), os livros que qualificamos como “clássicos” não foram escritos para ser estudados e venerados, mas, antes de tudo, para ser lidos. O renovado e largo fervor de seus leitores tem sido o que deu prestígio a alguns livros e os mantém vivos ao longo dos séculos. Talvez por isso há quem acredita que esses escritos de outros tempos não são de fácil acesso, são desatualizados e distanciados de nós e mantidos única e exclusivamente por uma retórica acadêmica. Contra tão vulgar prejuízo parece-me excelente o conselho de Berardinelli: “Quem ler um clássico deveria ser tão ingênuo e presunçoso como pensar que esse livro foi escrito precisamente para ele, para que ele se decidisse a lê-lo”. Cada clássico convida a um diálogo direto, porque suas palavras não se perderam com o tempo, e podem ser tão atrativos hoje como quando foram escritos, para quem se arrisca a v...

Boletim Letras 360º #193

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As celebrações pelo Dia de Drummond começam hoje, 29, e seguem até o aniversário do poeta, o também Dia Nacional da Poesia, dia 31 de outubro. A data do Dia D faz parte da iniciativa do Instituto Moreira Salles em celebrar a obra do poeta. Falta exatamente um mês para entrarmos nos dez anos online. Uma maneira que encontramos de iniciar as celebrações entre nós leitores foi a realização desta promoção; entre os brindes oferecidos estão todos os livros do Valter Hugo Mãe publicados em 2016 pela Globo Livros / Biblioteca Azul (incluindo o novo romance anunciado neste Boletim) e a edição com a obra completa de Raduan Nassar publicada pela Companhia das Letras. Para saber sobre e como participar, basta acessar aqui . Segunda-feira, 24/10 >>> Brasil: A edição brasileira do livro O lagarto , de José Saramago sai em novembro No mês de setembro as livrarias portuguesas receberam o novo livro (cf. noticiamos por aqui). A crônica publicada há 40 anos...

E os tais inéditos de Roberto Bolaño?

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Roberto Bolaño nem sempre foi escritor; primeiro trabalhou como lavador de pratos, lixeiro, cozinheiro e até vigilante noturno. Nem sempre morou no mesmo lugar: passou pelo México, El Salvador e vários países europeus antes de ir viver na Espanha. Era janeiro de 1981, quando chegou a morar na casa do bairro Las Pedreras, em Girona; antes, havia deixado seu quarto na rua Tallers, em Barcelona, cinco anos depois de seu itinerário por parte da América Latina. Estava ainda na casa dos vinte anos e a instalação ao norte da Catalunha foi numa habitação alugada pela irmã Salomé que logo regressou ao México deixando o escritor só com sua cadela Laika. Foi aí que começou a se dedicar melhor à literatura; foi aí que construiu uma contínua recepção para velhos amigos. “Toda vez que eu o visitava estava sozinho e fazia um frio que carcomia os ossos”, recorda Bruno Montané. “Roberto se agarrou com a biblioteca de livros de ciência de ficção que o cunhado Narcís havia lhe emprestado”...

A aura dos livros perdidos

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Por Andrea Aguilar Ernest Hemingway, o trauma da perda dos primeiros escritos foi impulsão para sua obra? Os manuscritos perdidos tornaram-se um tema literário (ou metaliterário) recorrente, uma estrutura narrativa com a qual se tem construído um bom número de obras, e que escondem um número variado de escritores, como Cervantes. Como se um intricado jogo de espelhos que borra as fronteiras entre realidade e ficção ou como simples isca para impulsionar a trama de uma história, o capital criativo e as possibilidades de fabulação que se chama por desaparição (algo romântico, intuito desesperado, fruto do acaso, fato irremediável) de uma obra estão mais que provadas. Num plano mais terreno, encontra-se a erudita paixão acadêmica por incunábulos perdidos e demais peças impossíveis do grande puzzle literário. Também a ágil recuperação de livros “perdidos” em caixões ou sótãos empreendida por agentes, editores e parentes de insignes escritores tem se demonstrado como um ex...

É isto um Prêmio Nobel de Literatura?

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Por Pedro Fernandes Quando saiu o Prêmio Nobel de Literatura 2016 escrevi, ironicamente, no Twitter: “Quer dizer então que o clube de leitura da Academia Sueca não leu nada neste último ano? Só estiveram ouvindo Bob Dylan”. A frase, antes de encerrar uma posição contrária ou um lamento sobre o desperdício de um prêmio, possui duas questões: uma, a convenção cristalizada desde a invenção da escrita de que a literatura é um artefato construído pela escrita e, logo, exercício para leitores; outra, a não tão firme linha que, também com a invenção da escrita, separou poesia da música embora da música nunca tenham separado a poesia. Entre gostar ou não gostar de para quem o prêmio foi dado e compreender as questões que ele reinaugura para leitores e, sobretudo, o pequeno grupo estudantes da literatura – essa selva de egos – há uma distância muito grande. Recordo uma consulta realizada pelo jornal português Sábado ao escritor António Lobo Antunes sobre seu ponto de vista ac...