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Gabriel García Márquez, o romance do poder

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Por Enrique Krauze Os funerais de Gabriel García Márquez no México pareceram saídos de um de seus contos mais famosos: “Os funerais da Mamãe Grande”. Ao longo de várias horas, debaixo de chuva, milhares de pessoas passaram ante a urna que continha as cinzas do mais famoso, lido e querido de seus escritores. Do Palácio de Belas Artes ouviam-se de danças de Béla Bartók até alegres cumbias e vallenatos . Fora, nuvem de trezentas e oitenta mil mariposas amarelas de papel da China trazidas da Colômbia revoavam nos ares. Gritos, cantigas, cantos. Um ancião carregava um letreiro: “Gabo, te verei no céu”. Um menino comentou: “Venho ver o rei de Macondo”. É verdade. Era o rei de Macondo. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, seus principais romances foram justamente celebrados em seu momento por V. S. Pritchett, John Leonard e Thomas Pynchon, entre muitos outros. No longo e largo do mundo circulam profusamente suas ficções, com seu extraordinário poder fabulador, seu...

Os sonetos de Walter Benjamin

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De todos os ensaístas não resta dúvida que nenhum é mais influente nas últimas décadas do século XX e ainda em nossos dias que Walter Benjamin; não apenas porque sua inteligência seja adorável mas pela dificuldade de saber exatamente quem foi esse homem. Cronista da Paris de Baudelaire, de sua própria Berlim e autor de um conceito fluido sobre a modernidade no qual centenas de professores têm bebido, teórico da reprodução da obra de arte na era técnica, tema que logo o fez tornar-se aprendiz de bruxo ao qual confiam todos os que buscam salvar o marxismo de sua morte apesar de seu angelismo ser mais uma poética que uma política. Benjamin, judeu integrado e por isso europeu capitalista, se converteu, graças à bendição de mãos impolutas como as de Gershom Scholem, em judeu absoluto. Teólogo sem ter religião, herói marcado por uma morte em fuga que fez do lugar, a fronteira de Portbou onde se suicidou em 1940 entre a França e a Catalunha, uma romaria, incluindo uma tumba falsa...

Boletim Letras 360º #196

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Falta uma semana para os 10 anos do Letras e 10 dias para finalizarmos as inscrições para o sorteio que dará, além de outros livros, a edição Obra completa , de Raduan Nassar, exclusividade da Companhia das Letras no aniversário de 30 anos da editora e as edições publicadas em 2016 da obra do português Valter Hugo Mãe editadas pela Globo Livros / Biblioteca Azul. Agora, para trazer uma nota de boa-nova, não esqueceremos de lembrar o leitor de participar de nossa promoção de 10 anos do Letras. Saiba mais  aqui . "Autorretrato com chapéu de palha". Arlés (1888) desenho atribuído a Van Gogh. Livro com supostos trabalhos inéditos do pintor holandês abre um debate entre estudiosos da sua obra. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 14/11 >>> Brasil: Dois títulos abrem a Coleção ¡Nosotros! da Editora Mundaréu Há alguns meses noticiamos que uma série de diversos livros da literatura de l...

A morte como revelação do ser, em A hora da estrela

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Por Rafael Kafka Talvez A hora da estrela seja um diálogo de Clarice consigo mesma, como que prevendo a iminência da morte. Digo “talvez”, pois não procurei outras referências para escrever este breve texto crítico e apenas teço aqui as impressões de quem já leu vários textos da autora e gostou de praticamente todos. Tal diálogo teria uma estrutura diferente, mas uma temática muito similar à de Sopro de vida , livro escrito quase na mesma época. Curiosamente, em uma das passagens finais de A hora da estrela , temos a referência clara a este outro romance. Nos dois diálogos, o autor tem diante de si sua obra de arte e sobre ela se debruça, porém sem conseguir obter dela qualquer retorno concreto. Afinal, esse retorno só será obtido a partir do momento em que a obra for lida, escanhoada, devorada pelo leitor. O escritor escreve como quem quer se salvar, mas vê o objeto de sua salvação agir conforme sua vontade própria, dominando-o por inteiro, estando aquém e além da expr...

A tradutora, de Cristovão Tezza

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Por Pedro Fernandes A literatura brasileira contemporânea está repleta de romances bem escritos, mas vazia de narrativas capazes de produzir no leitor um encantamento por uma personagem. A afirmativa leva em consideração uma literatura que tem a presença de figuras como Macabéa, Dom Casmurro, Riobaldo, Policarpo Quaresma, figuras que, depois de a encontramos, incorporam-se à nossa existência e passam a conviver conosco, como se alguém muito próximo ou que conhecemos em vida numa ocasião qualquer. E delas falamos quando precisamos explicar determinadas situações que se passam ao nosso redor ou proximamente. Isso ocorre, em parte, porque de algum tempo para cá os escritores têm estado preocupados em construir bem determinados temas (modismo que se reflete também entre os leitores, que querem, antes de tudo tratar sobre recorrências temáticas e não sobre o labor estético, isto é, os modos de composição da narrativa e seus elementos estruturais). Isso tudo serve para dizer a...

José Saramago, tão ou mais necessário

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Por Pedro Fernandes Os seres humanos não podem aceitar as coisas como elas são, porque isso leva-nos directamente ao suicídio. Temos que acreditar nalguma coisa e, sobretudo, temos de ter um sentimento de responsabilidade colectiva, segundo o qual cada um de nós será responsável por todos os outros. José Saramago * O livro é só um espaço habitado por palavras. E essa não é uma concepção que tenha adeptos apenas entre os que lhe atribuem uma dimensão participativa na vida das pessoas e concordam que a obra nasce toda vez que o leitor torne a vibrar as palavras que aí habitam; entre aqueles adeptos do livro-objeto também essa ideia faz algum sentido. Mas não é entre esses últimos que encontraremos José Saramago. Porque a necessidade do leitor enquanto figura participativa se imprime logo na liberdade a ele concedida no ato de construção da narrativa. É bem verdade que há muito a literatura busca romper com a condição do leitor mero receptor – exemplo disso são os c...