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Antonio Di Benedetto, um escritor do anti-Boom

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Por Jimena Néspolo Pode uma ficção repetir nosso presente? Talvez as dobras do tempo aquela especulação científica que fabula sobre a existência de curvaturas espaciotemporais seja com os cachos dessa mulher abismal e fantasmática que aparece no coração de Zama só para mostrar no espelho todos os terrores que habitam o protagonista. Uma mulher de idade indefinida e sensualidade dominadora, capaz de cavar até deixá-lo no vazio ou levá-lo ali onde tudo “é um acolhedor e dilatado silêncio”. O tempo sem tempo da morte. De fato, a leitura deste romance de Antonio Di Benedetto, publicado em Buenos Aires em 1956 mas ambientado na América colonial, é como uma viagem no tempo do qual se regressa só para comprovar o engenho ou a clarividência da máquina. O elogioso artigo de dez páginas, “Um grande escritor que deveríamos conhecer”, escrito por J. M. Coetzee na The New York Review of Books e a resenha de Benjamin Kunker no The New Yorker , a inserção da obra entre as 20 melhores de ...

Onze livros para ler na estrada

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Reiteradas vezes, o Letras visitou o tema literatura e viagem para compor listas como estas (veja o final desta postagem). Mas, depois de nos concentrar tanto nos livros que nos situam em trajetórias, vividas fisicamente ou pela imaginação e sobretudo naqueles que dizem de um lugar e-ou de uma cultura, gostaríamos de dedicar atenção aos livros de itinerários, aos livros que foram escritos em viagem ou aqueles cuja narrativa se constitui itinerário por estradas diversas. Sim, o trânsito e as viagens por estradas têm sido fonte de inspiração para muitos escritores. Está na base de um segmento de obras literárias conhecidas como road trips ou road novel  e tem sua origem, adivinhem, nos Estados Unidos. Os dos títulos aqui citados oferece um panorama que atravessa desde a primeira geração das viagens em carros, aos do tempo de um sonho de singrar o país ou mesmo continentes numa boleia e aos itinerários de perdição dos sujeitos em perquirição na narrativa contemporânea. ...

O. Henry: um escritor de pena branca

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Por José M. Ramos O. Henry, pseudônimo de William Sydney Potter, foi um escritor estadunidense na transição do século XIX para XX que cultivou o gênero do conto com final surpreendente e inesperado. Como não chegou a escrever uma obra de amplo alcance narrativo que o incluísse no panteão dos escritores mais reputados, a crítica literária o relegou a um segundo plano, apesar da aceitação unânime do público. Como a maioria dos escritores de seu tempo, O. Henry se deu a conhecer nas páginas dos jornais, exercendo a profissão que seria um trampolim para muitos deles: o jornalismo. A imprensa, veículo de transmissão da narrativa curta e inclusive não tão breve como o folhetim ou a publicação em fascículos, lhe permitiu, posteriormente, a viver de seu trabalho como criador de fantasias ao gosto de um público que começava a forjar os destinos de uma grande nação. Original de Greenboro, um povoado da Carolina do Norte, passou os últimos anos de sua vida em Nova ...

Boletim Letras 360º #216

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No dia 3 de abril abrimos mais um sorteio no âmbito das celebrações dos 10 anos do blog Letras in.verso e re.verso. Depois de sortearmos dois exemplares de A montanha mágica , de Thomas Mann (Companhia das Letras), vamos presentar um leitor com a edição que reúne toda poesia de Hilda Hilst, Da poesia  (também editada pela Companhia). Ainda falta alguns dias para o sorteio, mas só restam, até a hora em que fechamos a edição deste Boletim, oito inscrições.   Se correr, ainda dá tempo .  Romance de Dalton Trumbo que se tornou um potente texto contra a guerra ganha nova tradução no Brasil. Segunda-feira, 03/04 >>> Brasil: Os dois novos lançamentos da Editora Rádio Londres O primeiro deles é Instrumental , um livro escrito pelo pianista inglês James Rhodes e que fez barulho no Reino Unido em 2015. Trata-se de uma autobiografia na qual ele repassa um histórico de violência sexual na infância, e como superou o trauma com ajuda da música clás...

João Gilberto Noll, voyeur de todos nós

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Por Pedro Fernandes João Gilberto Noll. Foto: Fernando Gomes Alguém escreveu que João Gilberto Noll foi um cronista da intimidade humana e revelou, com sua obra, os nossos recalques e o que, mesmo inconscientemente costumamos negar que somos. É uma definição muito apropriada. Se o mundo literário do escritor é o do que se esconde, esse mundo também chegou a ultrapassar as fronteiras da obra: Noll, ele próprio, não foi o escritor que, mesmo incensado pela crítica acadêmica, quis estar à frente dos holofotes. Se alguns podem atribuir esse interesse à timidez ou mesmo ao zelo da imagem, que esta seja sobreposta pela obra produzida, com a afirmativa sobre seu interesse literário, esse não-estar na impulsão da fama tem, logo, outra dimensão. É que, concordemos ou não, há entre o universo ficcional e o de fora da ficção, vasos comunicantes que inter-relacionam um e outro ao ponto de confundir-se fronteiras. Talvez porque essas fronteiras não existam, como é preferível acreditar num te...

A marca humana, de Philip Roth

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Por Pedro Fernandes Philip Roth. Foto: Bob Peterson. As informações sobre A marca humana colocam este romance ao lado de Pastoral americana e Casei com um comunista entre os livros de Philip Roth sobre a vida na América do pós-guerra – “um painel impressionante em que indivíduos de grande vigor moral e intelectual são assolados por forças históricas fora de controle”, diz a contracapa da edição publicada no Brasil com tradução de Paulo Henriques Brito pela Companhia das Letras. A citação desses termos aqui tem um interesse: o de repensá-los. Que este é um romance sobre as interpenetrações sócio-históricas no processo de constituição das identidades dos sujeitos não há dúvidas. Aliás, pode-se mesmo dizer que toda a obra do escritor circula essa perspectiva sobretudo quando são as identidades deslocadas do padrão defendido pelos estadunidenses mais radicais, como é o caso do negro e do judeu especificamente.  Mas que as personagens sejam meramente “assoladas por ...