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Mães de tinta e papel: onze livros

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Arshile Gorki. Dizem que todas as mães são iguais, só mudam de endereço. Mas, bem sabemos que, quando o assunto é livro, é muito redutor permanecer entregue a essa certeza. Como também dizer quais são os recomendados para elas é outra redução. Tal como a querela sobre os livros infanto-juvenis, não somos ingênuos de apostar que existam grupos assim tão segmentados, entre eles, o de mães que só leem determinadas obras. Os mistérios que envolvem o gosto estão longe de ser aclarados. Por isso, esta lista agora apresentada gostaria de ser uma lista de livros para o Dia das Mães, mas não ser uma lista de livros para mães. Em parte, são livros que trazem algumas das personagens mães que já se assumem como figuras icônicas no universo literário, noutra parte atentam por investigar a complexa relação entre elas e filhos ou sobre esse sentimento que só elas podem sentir, o que é ser mãe, ou como se porta esse amor materno, tantas vezes sempre definido como desmedido e logo capaz de q...

Cara a cara com Juan Rulfo

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Por Juan Villoro “Estou sentado junto ao esgoto esperando que as rãs saiam”, assim começa o primeiro conto de Chão em chamas (1953), de Juan Rulfo. De maneira simbólica, um virtuoso do estilo se serviu de uma voz incerta para esse primeiro conto. Um rapaz com uma deficiência metal olha o mundo com inocente surpresa. Macario, o protagonista, bebe leite de uma mulher e ela lhe assegura que isso o converteria num demônio. Nos sons da natureza, ele busca uma chave para os enigmas do bem e do mal; decide que, quando os grilos se calam, fogem as almas. Essa profecia antecipa o romance Pedro Páramo (1955), onde todas as personagens estão mortas. “Na madrugada”, outro conto de Chão em chamas , anuncia isso: num lugar onde os despossuídos não intervêm nas situações, as notícias saem das tumbas: “Vozes de mulheres cantavam no semissono da noite: ‘Saiam, saiam, saiam, animas de penas’ com voz de falsete”. A ronda dos fantasmas rulfianos não deixou de acontecer. Sua longa sombra...

Boletim Letras 360º #220

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Duas novidades aos leitores sempre atentos ao Letras: (1) em poucos dias iremos disponibilizar o sorteio do exemplar de Contos reunidos , de Dostoiévski. Esta promoção é exclusiva para os leitores que estão reunidos no Grupo do Letras no Facebook . E a promoção depois desta (todas no âmbito das celebrações dos 10 anos do blog) será um kit com os quatro livros da série napolitana, da Elena Ferrante (Globo Livros / Biblioteca Azul). Então, a recomendação: esperar, que vem coisa boa! Enquanto isso, a seguir estão as notícias publicadas em mais uma semana de atividades em nossa página no Facebook. Ernest Hemingway: dois conjuntos de cartas revelam outras facetas do escritor. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 01/05 >>> Portugal: Mais próximos de um Mário de Sá-Carneiro total? Chegou às livrarias Poesia completa , uma edição crítica de Ricardo Vasconcelos pela editora Tinta-da-China O livro surge dois anos depois de ter sido publicada um...

A teologia de Tony Soprano e o discurso estereotipado do cidadão de bem

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Por Rafael Kafka Num episódio da grande série The Sopranos , Tony Soprano está preocupado, pois seu filho AJ começou a ter contato com o pensamento existencialista e passa a exibir em seu semblante e em suas palavras o comportamento melancólico de quem sente a náusea, amplificado pela obrigação absurda – e qual não é? – de cumprir o ritual católico da crisma em poucos dias. Mesmo marcado pela violência diariamente infligida a outros, Tony se irrita em ver o garoto descrente dos valores católicos defendidos pela família e se mostra transtornado com a postura revoltosa do jovem com a condição humana. Há um paradoxo nessa cena e nesse episódio que se mostra presente em toda a série de forma implícita: a ética cruel da máfia com seu rastro de sangue coexiste com uma profunda crença no Deus cristão típica do povo italiano católico, de onde é oriunda a família Soprano. São dois discursos e práticas antagônicos entre si, ao menos no plano escrito, mas que existem lado a lado e ...

A genial arte de escrever em pé

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Em Caminhar (ou a arte de viver uma vida natural e poética) , tradução livre para o ensaio escrito pelo autor norueguês Tomas Espedal, conta que dois dos fundadores do Romantismo, os poetas ingleses William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge, ventilavam melhor as virtudes da escrita enquanto caminhavam. O primeiro confessava que, sempre que podia, compunha seus versos durante seus passeios por estradas livres de cascalho ou por qualquer terreno sem obstáculos; o segundo, que se inspirava para os poemas “enquanto abria piquetes entre a densa floresta dos bosques”. Embora possa parecer estranho, são muitos os escritores que preferiram, e os que preferem, a posição vertical para trabalhar. Virginia Woolf tinha um púlpito e dele se utilizava quando estava criando para ver o mundo em perspectiva; Nabokov confessou ao jornalista Bernard Pivot, numa das célebres entrevistas do programa da televisão francesa Apostrophes , que gostava de escrever “com um lápis afiado, de pé, ante ...

A hora da transparência na literatura

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Por Jesús Ruiz Mantilla Ilustração: Eulogia Merle A era da transparência não é válida apenas para a política, a economia, o jornalismo ou a ação social. Também a literatura transita por essa senda. Alguns autores a colocaram em prática muito antes de tudo, antes mesmo de que os leitores pedissem. É, talvez, um audacioso signo para afrontar os tempos ou uma maneira experimental; pode ser as duas coisas de uma vez. De maneira consciente e inconsciente mas efetiva e arriscada são vários os que desenvolveram a estas alturas com o que poderíamos qualificar de transparência literária: mostrar ao leitor, na própria obra, como foi o processo de criação do romance que ele tem em mãos. Há alguns anos, autores franceses como Laurent Binet ou Emmanuel Carrère em suas obras HHhH ou Limonov e O reino , respectivamente, assim como Antonio Muñoz Molina ( Como la sombra que se va ), Kirmen Uribe em vários romances e, sobretudo, Javier Cercas, que reincide em sua última ...