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Três possibilidades sobre a Literatura Gay

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Por Luisgé Martín Francisco Hurtz Em 1897, Oscar Wilde escreveu na prisão de Reading uma extensa carta para seu amor Lord Alfred Douglas, Bosie , reconstruindo a atormentada relação que haviam mantido e que findou com o célebre julgamento no qual o escritor foi condenado a trabalhos forçados por “conduta indecente e sodomia”. Essa carta, publicada em partes pelos herdeiros pela primeira vez em 1905 com o título de De profundis , constitui de algum modo a pedra fundamental da literatura gay moderna, essa literatura que fala sobre “o amor que não se atreve a dizer seu nome”, como proclamava um verso do próprio Bosie. Esse amor continuou sem atrever-se a dizer seu nome durante muito tempo. Thomas Mann ocultou o amor carnal entre Gustav von Aschenbach por Tadzio através de uma sublimação estética e espiritual. Konstantinos Kaváfis apenas permitiu que circulassem alguns de seus poemas em vida. E. M. Forster terminou de escrever Maurice , em 1914, mas não deixou publicá...

Inventário, de Heleno Godoy

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Por Pedro Fernandes Duas coisas chamam atenção sobre a caprichada edição agora publicada pela Martelo Casa Editorial: a primeira delas é a celebração de um nome da nossa poesia contemporânea antes do ponto final de sua obra só colocado se duas tristes circunstâncias se imprimem, a morte do poeta ou sua desistência da lide com a palavra; a outra é a demonstração de que um projeto literário de grande envergadura estético-formal é sempre possível no âmbito de uma literatura que já nos deu tantos nomes de inegável talento para a criação e logo de contribuição indispensável à formação de um universo multissignificativo para a consolidação de um cânone nacional capaz de interpor fronteiras com outros de maior durabilidade e seara na qual todas as obras que vieram depois não terão deixado de dela se aproximar. As duas coisas são de grande valia. Que a obra ainda é uma possibilidade de tocar a eternidade, esse lugar onde nunca nenhum de nós e nem mesmo os de presença assegurad...

Boletim Letras 360º #226

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Aqui está mais uma edição do Boletim Letras 360º. Há 223 semanas que mapeamos notícias diversas sobre o universo literário e de interesse do blog e divulgamos em nossa página no Facebook , que agora respira com mais de 65 mil amigos. Antes de passarmos às novidades, deixamos impresso nossos agradecimentos pela companhia e, por levar o nome do Letras  adiante. Federico García Lorca na Residência de Estudantes. As novas cartas agora reveladas apontam como foram os anos do escritor no ambiente de efervescência das vanguardas na Espanha. Segunda-feira, 12/06 >>> Brasil: O livro pouco conhecido de Julio Verne que a Editora Carambaia trará ao país ganha data de publicação O testamento do excêntrico , anunciado por aqui noutras duas ocasiões, chega às livrarias em agosto. De 1899 e um dos últimos títulos publicados pelo autor, a obra apresenta os Estados Unidos como um jogo de tabuleiro. Um milionário excêntrico e solitário de Chica...

Entrelugar

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Por Rafael Kafka Li On The Road quando tinha uns 19 anos de idade. Na época, o livro me serviu de mote para ampliar meu modo de ser e começar a querer viver em um ritmo frenético ligado à arte e à cultura em geral. Como não tinha dinheiro, nem coragem, assumi uma postura beat improvisada: fazia de cada passeio um convite a olhar a realidade com olhos diferentes e a fazer do movimento constante o alimento de minha alma. Naquele momento, fã de Álvaro de Campos e outros heterônimos sensacionistas de Fernando Pessoa, decidi que o caminho não dava em lugar algum e o maior prazer da vida era curtir as impressões, intelectuais e sensoriais, que ela nos oferecia. O tempo passou e eu, leitor assíduo, fui convidado a uma postura de engajamento. Na verdade, o engajamento sempre existiu em mim de forma depurada, convivendo com um estranho sentimento de niilismo que creio ter pegado de minhas leituras irracionalistas e assumido mais por uma moda neoliberal, com alguma cultura, a qual...

O homem sem doença, de Arnon Grunberg

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Por Pedro Fernandes A reinserção de Arnon Grunberg entre as obras mais recentes publicadas no Brasil corrige um grave desvio que colocava leitores em condição distanciada de uma das melhores prosas da literatura contemporânea. Desvio porque, depois dois primeiros títulos editados por aqui – Dor fantasma e Amsterdã Blues – já passara uma década que a obra do escritor holandês não era traduzida. Nessa correção, O homem sem doença veio depois de Tirza . E, argumentos não faltam para justificar a grandiosidade da obra de Grunberg, mas um é suficiente: trata-se de uma literatura que dialoga proximamente com universos como os de Franz Kafka, Samuel Beckett ou os de Herman Broch, que são atmosferas envoltas pela mesmidade da instituição burocrática, do onírico, do homem preso na tessitura de suas próprias ambições e incapaz de romper com o acaso e seus desdobramentos. Isto é, o homem nos seus piores pesadelos e condenado a neles permanecer porque, queira ou não, a vida não é...

Milena Jesenská, muito além de namoradinha de Franz Kafka

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Por Juan Bonilla Milena Jesenská e Staši Jílovská, em 1925. Eis um livro maravilhoso: emocionante, perturbador, difícil de esquecer. Foi escrito por Margarete Buber-Neumann e a edição mais recente publicada no Brasil data de 1987. Intitula-se Milena ; nome, portanto, mais adequado que o Milena, a amiga da Kafka , com que foi publicado noutras traduções ao redor do mundo. Aliás, não haveria título mais injusto para uma obra em que Kafka aparece apenas num capítulo – comovedor, sem dúvida – apesar de Milena ser correspondente do escritor, de quem traduziu sua obra para o tcheco e com quem manteve uma relação sentimental que ele, por temer a vida, por sentir-se “perdido no abismo de Milena”, tratou de não levar adiante. Os leitores, entretanto, desprovidos do nome famoso justaposto ao de Milena, construirão uma imagem melhor elaborada dessa personagem, sobre sua vida, sua garra, sua escrita, por si só significativos ao ponto de Buber-Neumann ter-lhe dedicado este ...