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A vida de uma mulher, de Stéphane Brizé

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Por Pedro Fernandes O cinema de Brizé é capaz de prodígios. Embora, se tomarmos como exemplo este A vida de uma mulher , não demora percebermos que esteja muito distante dos modelos convencionais para filmes do gênero. Isto porque, alheio aos dramas-clichês das produções contemporâneas, o diretor francês decide pela boa narrativa de dicção realista. O espectador de A vida... se um leitor acostumado às narrativas marcadas pelo acúmulo de situações e muitos plot precisa renunciar à rapidez da ação e ao elemento surpresa para deixar se levar pelo peso do traço descritivo. Mas, nada é à toa. A desautomatização é proposta porque o tom da narrativa assim o é. A vida de uma mulher é a adaptação de uma das mais de trezentas histórias compostas pelo francês Guy de Maupassant, reconhecidamente um dos mais importantes nomes da chamada literatura realista / naturalista, ao lado de Émile Zola e Gustave Flaubert. E qual é a grande característica das narrativas dessa geração?...

Quando Borges era Giorgie

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Por Jesús Ruiz Mantilla Borges e sua mãe, 1920. Toda noite, até morrer e apesar de seu agnosticismo, Jorge Luis Borges rezava uma Ave-maria. Há promessas que podem mais que a fé. E essa fez à sua mãe, dona Leonor Acevedo. Mas, além do laço filial, o escritor manteve com esta mulher um vínculo que deu pé a todo tipo de interpretações. Viveram juntos até a morte dela, em 1975. Ela foi que transcreveu para ele parte de sua obra, liam juntos e iam ao cinema, dividiam os gastos da casa, conversas triviais e teológicas, viagens, manias e paixões que volta e meia rondam as teorias dos especialistas. Um cartão-postal do arquivo José María Lafuente, em Cantabria, dá ideia de sua relação íntima e poética: “O meio-dia me entrega as melhores possibilidades de um pensamento que não se deixa traduzir”, escrevia Borges de Punta del Este (Uruguai) para sua mãe nos anos trinta. “By the way, cheguei à claridade de uma janela, só para conversar com você. Georgie”. O By the way é her...

Jane Austen: casamento e dinheiro

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Por Aloma Rodríguez Os romances de Jane Austen falam de amor e dinheiro. Essa é uma das razões de que esteja na lista dos autores do século XIX mais lidos. Desde sua morte aos 41 anos, o culto à escritora não tem deixado de crescer. “Seu lugar e significado na cultura também tem mudado à medida que a sociedade tem mudado”, explicou num artigo recente The Economist . Henry James a situava à mesma altura de Shakespeare, Cervantes e Henry Fielding (precisamente, Fielding e Samuel Richardson eram dois dos romancistas que mais admirava). Mas as obras de Austen não servem apenas para explicar uma época, seus costumes, mais ou menos satirizados graças à fina ironia da voz narradora; não são só indagações em torno da alma humana com personagens que trocam diálogos cheios de humor e duplas intenções, nem retratos dos sentimentos. Têm suscitado discussões sobre o pensamento político, filosófico e econômico que encerram. Segundo The Economist , seus romances contém uma parte da...

Boletim Letras 360º #234

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Amigo leitor que acompanha sempre ou casualmente as publicações de Letras in.verso e re.verso, bem-vindo! Olha mais uma edição de um canal criado há 231 semanas para reunir todas as notícias que circulam em nosso Facebook .  Segunda-feira, 07/08 >>> Brasil: A nova edição de História do olho , de Georges Bataille Esta obra é uma narrativa erótica que mescla as reminiscências mais dolorosas a uma fabulação livre de peias, armada de tal modo que o jogo da ficção retire às circunstâncias pessoais o seu peso opressivo - sem contudo falseá-las. A novela acompanha as descobertas, feitos e extravagâncias sexuais do narrador e de sua amiga Simone, dois jovens que vivem magicamente à margem da censura adulta, percorrendo um cenário de sonho que faz pensar num conto de fadas noir. A cada novo lance, os dois entregam-se aos vários objetos do desejo que se oferecem ou se impõem a ele, num círculo completo de metamorfoses. Nesta narrativa surpreendente de um apre...

Pablo Neruda: o que não dá mais para ocultar

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Que umas memórias publicadas postumamente recebam por título  Confesso que vivi  pode soar uma brincadeira involuntária; a declaração íntima de um fantasma. Mas, a autobiografia em que o Prêmio Nobel chileno Pablo Neruda reviu, com a respiração de sua prosa poética, seus quase setenta anos, volta novamente às livrarias de maneira rejuvenescida. E traz muito do que ficou por dizer. Falamos sobre a reedição publicada entre os leitores de língua espanhola muito recentemente que apresenta dezoito textos inéditos, fotografias, manuscritos e um apêndice com três conferências ministradas na Universidade do Chile. Tratam-se de passagens ausentes na primeira edição que veio a lume ainda sob a ditadura do sanguinolento Augusto Pinochet, seis meses depois da morte do autor de  Canto geral .  A obra ficou por longo tempo entre as listas dos mais vendidos desde sua aparição e logo se tornou um Best-Seller. Nas suas caudalosas páginas, m...

Instrumental, de James Rhodes

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Por Pedro Fernandes Por que escrevemos? Esta talvez seja a pergunta para a qual mais se ofereçam respostas e as quais menos consigam compreender uma resposta certeira, no sentido de única e convincente. Há duas respostas, entretanto, recuperáveis aqui que dialogam diretamente com esta autobiografia de James Rhodes. A primeira, do poeta português Fernando Pessoa, compreende o ato de escrever enquanto salvação da alma; a outra, da escritora brasileira Clarice Lispector, para quem o ato de escrever confunde-se ao de viver porque um e outro se mantêm pela mesma força – fazer fazendo-se. Essas duas acepções se relacionam com Instrumental porque é a vida em todas as suas contradições e dramas o que James Rhodes deseja fixar quando decide passar tudo a limpo. A vida, a escrita – e acresça, agora, a música – existem existindo. E, logo se vê claramente que, sem a escrita, este pianista inglês não teria encontrado uma via pela qual pudesse expiar uma parte do estar alheio ao mu...