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Entre facas, algodão, de João Almino

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Por Pedro Fernandes O passado é uma ilusão que não volta mais. Tivéssemos esta certeza e não persistiríamos em remoê-lo com a melhor das intenções – a de encontrarmo-nos outra vez ante alguma felicidade que no presente não possuímos e por isso a imaginação e a memória, suspeitamente, fabulam o vivido com a mais envolvente das atmosferas. Tivesse esta certeza e o narrador das histórias de Entre  facas,   algodão  não empreenderia o projeto de sua obsessão: deixar Taguatinga, onde já criou raízes e voltar para a fazenda onde viveu sua infância. Ainda assim não podemos condená-lo por uma ideia gorada desde sua concepção. Não fosse a atitude cética do narrador e uma certeza de que a decisão projetada realmente possa significar outra possibilidade para sua vida este romance não existiria. A dúvida e a ação são não apenas condutoras da narrativa, são pedras de sua fundação. E, claro, não podemos acusar este narrador de apenas se deixar conduzir pelo fals...

Corpo elétrico, de Marcelo Caetano

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Por Pedro Fernandes Uma narrativa que a um só tempo trate do Brasil e seja universal. A lista de obras cinematográficas que conseguem esta façanha é um bocado extensa, embora possamos perceber pelos filmes capazes de chegar aos circuitos maiores que essa possibilidade se apresente toldada por uma influência castradora e problemática para a criação brasileira, a importação dos modelos vazios e bestiais do cinema folhetim estadunidense. Pelos elementos recorrentes na cena, Corpo elétrico assume ainda outra frente nas produções brasileiras, a dos filmes que abordam o universo operário, vertente marcada por títulos como Os libertários , documentário de Lauro Escorel ou Chapeleiros , de Adrian Cooper. Esses dois filmes, importantes para o contexto de sua produção e agora para a história do cinema no país, adquirem dois papéis fundamentais na filmografia sobre o trabalhador e o trabalho: aquele constrói um retrato acerca dos movimentos de defesa dos direitos trabalhistas e...

Uma biblioteca do Boom Latino-Americano: vinte e um romances essenciais

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Quando apareceu, o Boom já existia. E quando acabou, o Boom continuou a existir. Qualquer inventário sobre os melhores romances latino-americanos do século XX  não pode deixar de fora o famoso Boom . Veja: é mesmo possível numa lista deixar de fora nomes como Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes ou Julio Cortázar? Certamente não. Porque sem A cidade e os cachorros , Cem anos de solidão , A morte de Artemio Cruz ou O jogo da amarelinha não se pode explicar nem a literatura do século XX nem a seguinte neste continente. Se é impossível deixar de citar determinadas obras, também o é deixar de fora outras que naquela ocasião podem não ter, de imediato, passado à memória literária do movimento. Como o grandiosíssimo Jorge Ibargüengoitia e As mortas , sem o  qual não falaríamos sobre Carrère nem sobre isso que agora chama-se romance de não-ficção. E mais: se sempre se fala em Truman Capote, por que não nesta investigação também sobre um crime escrita pe...

Guimarães Rosa, observador literário

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Por Guilherme Mazzafera Em uma importante carta para seu tio Vicente Guimarães, datada de 11 maio de 1947, Guimarães Rosa traça um detalhado e combativo diagnóstico da literatura brasileira de então, identificando uma série de problemas graves – sobretudo de ordem técnica – e esboçando soluções possíveis que adquirem, no teor de sua escrita, a dimensão de um posicionamento estético-político. Em seu contexto específico, a carta responde às críticas do tio à recém-publicada “crônica-fantasia” de Rosa, “Histórias de fadas”, mas seu interesse se espraia na formulação de uma tese, considerada vital, sobre a literatura e cultura brasileiras. Elaborada por “dever de artista” e como resposta a um estado de coisas determinado, a carta alterna proposições teóricas e comprovações empíricas de sua eficácia a partir de uma seleção de excertos críticos sobre Sagarana . De modo muito diverso de outras manifestações do escritor sobre o próprio ofício, a linguagem da carta não as...

Boletim Letras 360º #260

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Amigos leitores, estas são as notícias que correram durante a semana em nossa página no Facebook. Boas leituras e bom descanso de Carnaval! Tarsila do Amaral. Uma exposição nos Estados Unidos e um filme sublinham sua figura nas artes Segunda-feira, 05/02 >>> Brasil: João Cabral de Melo Neto ganhará biografia Segundo nota divulgada no jornal Folha de São Paulo , a editora Todavia fechou contrato com o professor de literatura brasileira da Universidade de São Paulo, Ivan Marques para uma biografia de João Cabral, a ser publicada em 2020, quando do centenário do poeta brasileiro. Com pesquisas sobre o modernismo, Marques também foi jornalista e a ideia da editora é que o livro misture um viés de reportagem com o ensaio crítico. As entrevistas e viagens para locais como o Rio, Recife e Sevilha têm início ainda neste ano. >>> Brasil: O livro que deu o Prêmio Goncourt, o mais prestigiado do cenário francês, a uma escritora marroquina, ganha edição...

Reflexões políticas sobre a estética do romance

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Por Rafael Kafka Milan Kundera escreveu dois livros nos quais se dedica a falar com ardor e argúcia sobre a arte do romance. Penso que muitas de suas observações podem e devem ser lidas como observações válidas na realidade para a arte literária em si. Hoje em dia, percebo que a principal diferença entre um texto literário e um texto não literário é algo que aprendi com as leituras de Paul Ricoeur. Nelas fui apresentado ao conceito de referencialidade metafórica. Até então, eu acreditava que literatura era ficção, basicamente. Tudo aquilo que era criado pela imaginação criadora do poeta era digno de ser considerado literário. Havia em mim já uma clara noção de escritores os quais se utilizam de suas experiências pessoais para produzir suas obras, mas não com maturidade suficiente para lidar com textos como os Carlos Heitor Cony e Marcel Proust, os quais me levaram a cogitar se memórias em si, sem os subterfúgios da “ficcionalização” seriam literatura. O conceito ap...