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Os Diários de Sylvia Plath: a arte próxima da vida

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Por Fernanda Fatureto Sylvia Plath não é a Marilyn Monroe da literatura moderna, como afirmou certa vez um de seus biógrafos. O estereótipo de femme fatale aliado à ingenuidade construído por Marilyn não condiz com a força intelectual de Sylvia – fato que se confirmou em sua produção acadêmica e literária. Os Diários de Sylvia Plath: 1950-1962 reeditados em 2017 pela Biblioteca Azul e organizado pela pesquisadora Karen V. Kukil, vem confirmar o que leitores mais atentos já sabiam: Sylvia Plath foi muito mais que uma devoradora de homens, como escreveu em seu poema “Lady Lazarus” (“I eat men like air”). Também foi muito mais do que a escritora em profundo descompasso emocional que cometeu suicídio aos 30 anos. A poeta norte-americana escrevia diários que relataram seu desejo em ser reconhecida intelectualmente. Seus diários mostram a profundidade de seu pensamento e a maturidade da escrita que a alçou como uma das principais escritoras do século XX. Os registros ...

Dez vozes da poesia feminina que desafiaram o panteão dos poetas

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Em todas as dimensões estende-se o império dominador do homem. Mesmo na poesia – esse território cujo nome se reveste do elã feminino e cujas bases de realização, fruto seja do imperativo das musas ou da inspiração, são igualmente femininas –, às mulheres sempre foram, por pura ânsia ambiciosa do mando sectarista, este espírito que caracteriza tal império do macho, reduzidas. Traços negativos disso estão em toda parte. A começar pelo vocábulo que designa a mulher que trabalha no ofício da tessitura de palavras em poemas. As primeiras delas começaram por se designar poetisas, impondo uma ruptura com o poder simbólico imposto pela gramática da língua. E não tardou para que esta palavra logo se tornasse, apesar de aceita gramaticalmente em designação pejorativa indicando o destreinado com o exercício poético. Desde então, instalou-se um impasse nominativo que ainda contemporaneamente reverbera. A umas, por oposição ao tom pejorativo do poetisa , preferem que sejam reconhecidas...

Boletim Letras 360º #263

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Estas foram as notícias que publicamos durante a semana na página do Letras in.verso e re.verso no Facebook. Por aqui, a novidade é que, na última sexta-feira, estreou Luiz Mendes, que trouxe-nos também uma nova coluna, "Direito à literatura"; o título faz alusão à conferência de mesmo título proferida por Antonio Candido. As crônicas do nosso novo colunista quer conversar com os leitores mais vividos sobre a necessidade de formação de novos leitores. Hilda Machado. Pela primeira vez um livro da poeta ganha edição.  Segunda-feira, 26/02 >>> França: Uma edição que traz novos capítulos para Os miseráveis , de Victor Hugo Trata-se do novo volume da prestigiada coleção Plêiade, da Editora Gallimard. Coordenada por Henri Scepi, a edição revela várias curiosidades sobre Victor Hugo e sua obra-prima: que hesitou por muito tempo até se decidir pelo título da saga, no início, entre Les misères  ("As misérias" ou "As penúrias", em...

Os outros e eu

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Por Luiz Mendes Xuan Ioc Xuan Sobre a transferência de sensações proporcionada pela literatura A literatura, definitivamente, é uma experiência demasiado intimista. E é justamente essa a razão que torna dura a tarefa de levar outros a terem as mesmas sensações suas quando leem obras de ficção, ou mesmo a terem sensações distintas a partir do compartilhamento de suas sensações. Entretanto, é certo que chega um momento em que essa experiência intimista precisa eclodir, ser ouvida por outros, o que me faz crer que a ficção, em um momento posterior a sua interiorização, clama por ser transferida (não é o termo suficiente, mas não me veio um melhor que esse apropriado da psicanálise). Portanto, é, sem dúvida, árdua a tarefa de escolha do texto literário a ser lido e compartilhado com outros leitores, especialmente os jovens, ouvintes sempre atentos, como que esperando um pouco de cais no meio do caos (efeitos da literatura!). Morando em Brasília, e lidando com jov...

Aqui de dentro, de Sam Shepard

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Por Pedro Fernandes Um catálogo de elucubrações. Assim poderíamos compreender o único romance de Sam Shepard e seu último livro. Não há na afirmativa qualquer noção de rebaixamento da obra, como poderá parecer aos olhos mais incautos. Do contrário, é este um título que se filia à longa tradição daqueles que nutrem outra percepção acerca do mundo, isto é, apreendem-no por sua dimensão descontínua, caótica e fragmentária. Essa percepção da realidade enquanto complexo em formação é assinalada desde quando a descoberta de que seus limites não são determinados e sim constituídos pela atuação eu-mundo. Veja que se desfaz o distanciamento há muito forjado de uma relação entre o eu e o mundo. É tarefa contínua, esgotável apenas depois da morte, a de criação de nosso universo. O real é modelável tal como o ator modela a personagem ou o escritor a cosmovisão do mundo figurado no romance e nesse processo o que antes conjugava duas extensões – eu e o mundo – são recriados mutuamente. ...

Trama fantasma, de Paul Thomas Anderson

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Por Pedro Fernandes O primeiro impulso do espectador ante esta narrativa é o de classificá-la como uma história de amor – e ao estilo romântico. Mas, se à primeira vista essa visão pode se estabelecer e mesmo se confirmar, é porque descuidou-se de reparar na estrutura profunda do narrado. O princípio romântico ronda o encontro de Reynolds Woodcock, um conceituado estilista da alta costura inglesa, com a jovem Alma, uma simples atendente de lanchonete – mas só ronda. Que o desenvolvimento dessa relação não confirma em nada a ilusão barata das histórias de amor entre príncipes e plebeias e o que Paul Thomas Anderson propõe é uma inteira desconstrução desse enredo cor-de-rosa e enfrenta de maneira enérgica um potentado que foi colocado em xeque desde o desvanecimento das cores mais vivas do epílogo do foram-felizes-para-sempre. A realidade só está para conto de fadas quando não se é personagem de conto de fadas; nele, algumas verdades, sempre cruéis, porque cruel é a realida...