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Romance de Kehinde, Cadernos de Kindzu

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Por Wagner Silva Gomes No livro Um defeito de cor  (2006), em que se discute muito a veracidade biográfica, se foi realmente uma mulher negra escravizada que escreveu, ou se é uma autoria fictícia, questão relatada por Ana Maria Gonçalves na introdução do livro, que também tem o relato de sua descoberta em uma igreja, nos papéis que seriam documentos guardados por um antigo padre, e que serviam na ocasião de rascunho para o filho da mulher que cuidava da limpeza da igreja pintar e desenhar, tem a seguinte passagem: “No meu sonho ele ia, não sei se para Aruanda, a terra do pai. E o mais interessante era que não usava embarcação nenhuma, mas sim aquelas folhas de papel que guardava com tanto cuidado.” (p. 393). Nesse trecho a protagonista fala sobre o negro Kuanza, que tem nome de rio e por isso acreditava que seu destino era viajar pelo mar e ir um dia pra África. Se a Ana Maria Gonçalves completou este trecho do romance com sua escrita, como tamb...

Debaixo de algum céu, de Nuno Camarneiro

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Por Pedro Fernandes   “O escuro serve-nos para esconder o que não queremos ver, esperamos o dia e depois lavamo-nos com água e luz na esperança de alguma coisa nova. Mas não somos diurnos como queremos ser, Manuela, fundeamos a noite, e do pescoço para baixo somos só mistério.” Este excerto é parte de um diálogo entre Daniel e sua vizinha, depois que ela toma a decisão de voltar ao apartamento do padre e reaver o tabuleiro deixado com restos de assado num dia anterior quando os dois se envolveram sexualmente. Esclarecido o contexto da fala, a expressão recobre por via indireta sobre os que dois têm vergonha de falar abertamente a fim de estabelecer uma compreensão ou justificativa que seja para o ato impensado ou guiado apenas pela força do desejo carnal. Mas, sua expressão pode de maneira bastante acertada oferecer uma compreensão sobre o romance de Nuno Camarneiro.  Debaixo de algum céu  se filia...

Nos vemos no paraíso, de Albert Dupontel

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Por Pedro Fernandes Pierre Lemaître é um romancista recém-descoberto entre os leitores brasileiros. Até o presente uma pequena parcela de seus livros ganhou tradução por aqui; seu romance premiado no Goncourt de 2013, Au revoir là-haut , é base para o roteiro do filme de Dupontel que no César de 2018 arrebatou cinco premiações, incluindo Melhor Adaptação. De forte traço romântico a Alexandre Dumas, a narrativa parece querer ressignificar o mito francês do Homme au Masque de Fer apresentado pelo romancista no último capítulo da saga Os três mosqueteiros . Preso sob o nome de Eustache Dauger, esteve por mais de três décadas em várias prisões francesas, incluindo a Bastilha e a Fortaleza de Pignerol. O dilema sobre sua identidade serviu na construção de todo o imaginário que lhe cerca; e terá sido Voltaire, antes de Dumas, quem melhor contribuiu para tanto ao registrar em 1771  na segunda edição de suas Questions sur l’Encyclopédie , que o tal prisioneiro era, na verd...

Apontamentos sobre inspiração, drogas e literatura

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Por Pilar R. Laguna Alguns dirão que a literatura é uma droga. E logo existirão muitas vozes contrárias, talvez mais que a favor desta afirmativa. Para estes, me justifico: a literatura pode viciar, consegui-la pode ser cara ou barata, entretem e logo nos abre mundos reais e imaginários como uma vivacidade que é difícil encontrar algum outro correspondente, mesmo se este for o cinema, seu grande competidor. Seja como for, a relação da literatura com a droga é muito mais que uma simples semelhança e está diretamente relacionada com a inspiração e a natureza de todas as ideias, porque abre de certo modo – e citando Aldous Huxley – as portas da percepção e nos dão acesso aos mistérios da mente, que não estão ao alcance de todas as pessoas. A inspiração é um conceito escorregadio. Poderia se dizer que sua definição é, em contrapartida, seu oposto, isto é, não ter nada a dizer. Ou seja, quando vem a inspiração é uma espécie de consciência recém adquirida de que temos algo a...

Wollstonecraft e Shelley: uma relação umbilical

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Por Alejandra M Zani É certo que a historiografia tem resgatado sua obra, sobretudo com o impulso do novo feminismo que tem levado a sério o trabalho de reescrita das biografias de mulheres que deram cor à tarefa de pensar sobre elas num mundo há muito marcado por seu esquecimento. Mas ainda assim, Mary Wollstonecraft continua sendo, para muitos, apenas a mãe de Mary Shelley (Godwin, seu tratamento de quando solteira); já esta é sempre a autora de Frankenstein . O nascimento de Mary Shelley é um dos mais famosos da literatura. Aconteceu em 30 de agosto de 1797. Enquanto o médico retirava o bebê, introduzia-se os germes de uma das enfermidades mais perigosas da época: a febre puerperal. Wollstonecraft morreu semanas depois do parto. Qual é a marca que pode deixar uma mãe na vida de sua filha em tão curto período de tempo? É essa relação entre ausências e presenças, uma relação de pegadas distantes mas certeiras, o que Charlotte Gordon tenta reconstruir na bio...

Boletim Letras 360º #279

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Amiga leitora, amigo leitor, eis a edição desta semana de uma post que foi criada há 276 semanas para contar a vocês as notícias ligadas às linhas de interesse do nosso blog publicadas em nossas redes sociais: Facebook e, por vezes, Twitter. Boas leituras! Outro arquivo digital sobre a obra de Fernando Pessoa; desta vez sobre Fausto . Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 18/06 >>> Brasil: Livro mais conhecido da escritora estadunidense Toni Morrison ganha nova edição Com Amada , Morrison ganhou o Pulitzer de 1988; dez anos depois, o romance foi adaptado para o cinema com Oprah Winfrey no papel principal. Em 2006 o livro foi eleito pelo New York Times  o mais importante dos últimos 25 anos nos Estados Unidos. A história se passa nos anos posteriores ao fim da Guerra Civil, quando a escravidão havia sido abolida nos Estados Unidos. Sethe é uma ex-escrava que, após fugir com os filhos da fazenda em que era mantida cativa, foi refu...