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O garoto do riquixá, de Lao She

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Por Pedro Fernandes Possivelmente este romance se integra na ampla lista das produções literárias no Oriente que receberam os refluxos das desse lado do globo. O tema e a escrita de Lao She em nada deixa a desejar do exercício de um Émile Zola, um Balzac ou mesmo um Charles Dickens, para citar três importantes nomes da literatura Ocidental que elegeram a periferia o reduto principal para os dramas de seus romances, descortinando a miséria e a luta do homem por driblá-la em oposição ao mundo mais ou menos fixo de uma elite burguesa. E com um feito: apesar de a narrativa de O garoto do riquixá se desenvolver na Beijing de início do século XX, os conflitos ajustam-se perfeitamente a qualquer contexto ou temporalidade, se observarmos que os quadros de exploração do homem sobre o homem só se mantiveram quando não se agravaram no decorrer da modernidade. Embora, é claro, o interesse do romancista é por estabelecer um retrato vivo e comovente sobre as transformações sociais e o...

Oito adaptações de Edgar Allan Poe realizadas por Roger Corman

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Corvos malditos, castelos mal-assombrados, noites de tormenta e névoa, instrumentos de tortura, gatos pretos, hipnoses, loucura... e sobretudo a morte em suas variantes: seja o desassossego que provoca sua aproximação, a nostalgia pelos seres queridos que nos arrebatou ou o terror que infunde a possibilidade de que se apague a linha entre a vida e o além, a terra de ninguém habitada pelos fantasmas. Esse foi o universo de um dos escritores mais enigmáticos da literatura e nele Roger Corman encontrou a pedra no seu sapato. De forma paralela ao que fazia a produtora Hammer no Reino Unido (e muitas vezes tomando-a como inspiração) em princípios dos anos sessenta este prolífico diretor rodou uma série de adaptações dos contos e poemas de Edgar Allan Poe. Às vezes relativamente fiéis e noutros casos leituras muito livres, mas sempre recriando uma característica atmosférica gótica que fez história para o cinema. Alguns dos títulos foram rodados quase consecutivamente, de maneira qu...

Dostoiévski: amor, patologia e desordem

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Por Andres Trapiello Se a vida de Cervantes é cervantina e a de Kafka kafkiana, a de Fiódor Dostoiévski não poderia ter sido mais dostoievskiana. Nasceu em Moscou em 1821 e se criou hospital, onde seu pai era médico, um homem despótico, casado com uma mulher enferma que morreu cedo. O pai desapareceu então num alcoolismo violento dificilmente compatível com a aproximação ao filho, de quem se livrou enviando para estudar em São Petersburgo. Quando tinha 18 anos, os trabalhadores da aldeia de propriedade da família, fartos da brutalidade de seu senhor, acabaram com a vida do médico depois de torturá-lo de modo selvagem. Seu primeiro conto escrito dois anos mais tarde, teve um sucesso considerável (sobre esse episódio se fala em Diário de um escritor ), mas o que se seguiu foi puro fracasso – e as pessoas logo o esqueceram. Participou numa conspiração liberal contra o czar Nicolau I e depois de oito meses na prisão, foi condenado à morte, pena da qual foi indultado minutos...

Golpes de versos afro-potiguares do poeta Antonio Eliano

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Por Ciro Leandro Costa da Fonsêca O escritor angolano Ondjaki tece em suas obras uma imagem da escuridão com um viés belo e positivo, pensamento presente, por exemplo, no título da sua obra Uma escuridão bonita (2013). A escuridão para esse autor revela um lugar na história, um espaço que permite o tempo narrativo. Nessa obra a escuridão está relacionada à proteção de um jovem garoto ao faltar nas ruas de Luanda capital de Angola, criando uma oportunidade para o diálogo com sua amiga. Essa discussão sobre o autor angolano se constrói como bastidor para que cheguemos aos poemas do jovem potiguar Antonio Eliano Juvêncio da Silva, um poeta e compositor que lançou no ano de 2015 o seu primeiro álbum intitulado Ecdemomania e que se assume negro versando sobre a sua identidade. Natural de Pau dos Ferros, no interior do Rio Grande do Norte, onde faz mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, é descendente dos povo...

Boletim Letras 360º #283

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Fechamos mais uma dezena de boletins e somamos quase três centenas de semanas desde quando passamos a organizar esta post fixa de sábado. E antes de passarmos às notícias que copiamos em nossa página no Fecebook, vamos lembrá-lo que nesta mesma rede se pode acessar a um conjunto de títulos que colocamos à venda; é o que carinhosamente chamamos de Sebinho do Letras . Em 2019,  Grande sertão: veredas  em nova casa editorial. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 16/07 >>> Brasil: Caixa reúne a versão original de 77 contos dos Irmãos Grimm Coletados há mais de duzentos anos, os contos e lendas dos irmãos Grimm vêm encantando geração após geração e chegaram aos dias de hoje incrivelmente populares. Eles já foram traduzidos para mais de 160 línguas e ganharam diversas versões ao longo dos anos, em livros ilustrados, desenhos animados, peças, filmes e histórias em quadrinhos. Muitos detalhes, porém, foram amenizados ness...

Félix Krull e o jogo de identidades

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Por Rafael Kafka Thomas Mann é um autor que muito agrada ao meu existencialismo. Há nele uma grande atenção às manifestações de ser mais elementares e minuciosas do ser humano. Para focar em tais manifestações, Mann se utiliza de uma narrativa focada no romance de formação e em elementos de contraposição entre escolhas do eu e do ambiente circundante. Nesse sentido, podemos dizer que em seus romances mais célebres o autor alemão coloca como protagonista a indefinição da condição humana e a consequente angústia daí oriunda. Em alguns textos como Sua Alteza Real , Mann mostra como elementos da liberdade humana são sacrificados aos poucos no sentido de construção da identidade de dado complexo existencial. Para a construção do ser-para-reinar é necessária a morte do ser-para-si com sua liberdade de escolha e projeção dentro da mundanidade cotidiana. A contraposição entre a subjetividade e a objetividade do indivíduo gera uma dimensão de existir puramente voltada para o mundo ...