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Não escrever: breve ensaio sobre a impossibilidade

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Por Matías Moscardi Em seu poema “Brisa marinha” Mallarmé condensa, numa imagem, o momento inaugural e vertiginoso da escrita moderna nesse “papel vazio com seu branco anseio”. Aí parece começar o ato criativo do poeta: no contraste entre o branco imaculado da folha e a gordurosa tinta negra que, num pequeno big-bang caligráfico, dá vida a um universo inteiro. Entende-se, então, que no imaginário romântico encontremos o mito da origem do famoso “bloqueio criativo do escritor”. Se o poeta é um “pequeno deus”, a folha em branco se converte no nada que enfrenta: um vórtice retangular de celulose que, de sua condição estática e impassível, ameaça em bloquear até mesmo o mínimo vislumbre de começo. César Vallejo começa um conhecido soneto com estes dois hendecassílabos: “Quero escrever, porém me sai espuma, / quero falar muitíssimo e me entalo”; no segundo quarteto, acrescenta: “Quero escrever, porém me sinto puma; / quero laurear-me, mas me cinjo de alho”. Algo nestes ver...

Jamais o fogo nunca, de Diamela Eltit

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Por Pedro Fernandes O título do romance mais conhecido de Diamela Eltit é retirado do poema “Os nove monstros”, de César Vallejo. A leitura integral do texto, que não está dissimulado na obra da escritora chilena porque os dois versos que formam sentido com o sintagma nominal aparecem logo à entrada como epígrafe, antecipa o conteúdo de Jamais o fogo nunca . Pode-se afirmar, inclusive, que o poema se constitui em chave de leitura indispensável porque entrar na narrativa do romance sem esse conhecimento pode significar um tempo maior para captar quais os seus sentidos. O poema em questão assinala o tema da dor e se constitui numa espécie de grito do poeta sobre a indignidade do seu tempo, quando homens se distanciam perigosamente da humanidade e se constituem em carrascos dos seus semelhantes, impondo sobre uns aos outros o opróbrio e o horror. Obviamente que este estágio de segregação aparece em Jamais o fogo nunca não se constitui de maneira íntegra a retoma...

“O famoso Flaubert. Eca!” e outras opiniões contundentes de Mario Levrero

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Por Sara Mesa É sabido que por trás de toda obra excêntrica se esconde uma personalidade excêntrica. Se não, caberia falar de hipocrisia. Mas, existem poucos autores com menos hipocrisia – e com mais autenticidade – como Mario Levrero (Montividéu, 1940-2004), cujo bem-nutrido clube de fãs continua crescendo ano após ano sem que sua aura de autor de culto – minoritário, incompreendido, raro – se ressinta a mínima. Desde então, é inegável que Levrero sempre foi livre e não vacilou em expressar suas opiniões por singulares que fossem; não deixou transparecer um desconhecimento do mundo literário – do mundinho, melhor dizendo – que é sempre revelador. Para ele, os gênios eram Santa Teresa, Franz Kafka, James Joyce e William Faulkner, mas o grosso de suas leituras estava formado pelos romances policiais de reduzida qualidade, dos quais era um viciado – tal como foi viciado por computador e pela observação de pombos, formigas ou qualquer outra mínima forma de vida. No que t...

Silvina Ocampo: o et cetera da família

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Por Aloma Rodríguez A mais nova de seis . Silvina Ocampo (Buenos Aires, 1903-1993) era a mais nova das seis irmãs Ocampo, uma das famílias “mais ricas da aristocracia na Argentina”. A mais velha das irmãs era Victoria, fundadora da revista e editora Sur , e uma das intelectuais mais influentes do país. Manuel Ocampo, o pai, era “um homem rigoroso e conservador”. Por ser a última, os pais já estavam cansados de criar as filhas, e as normas relaxaram um pouco mais para Silvina, que disse em certa ocasião que se sentia como “o et cetera da família”. Além disso – e talvez por isso, precisamente –, aprendeu a manter-se num segundo plano no qual parecia se sentir cômoda: “Silvina é secreta”. Uma biografia de biografias . A irmã mais nova é um livro de Mariana Enríquez (Buenos Aires, 1973) dedicado à mais nova das Ocampo. É em parte uma biografia, mas é mais que isso: há fontes bibliográficas e fragmentos de entrevistas com os que foram amigos ou conhecidos de Silvina...

Os últimos dias de Thomas Mann

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Por Rafael Narbona Catorze meses antes de Thomas Mann começar a sentir dores numa perna enquanto atravessava as dunas da praia holandesa de Noordwijk, sua filha Erika acordou sobressaltada no meio da noite no sanatório onde lutava contra uma insônia crônica e uma gastrite nervosa. Não sabia se era um sonho ou uma alucinação, mas havia visto seu pai agonizando na cama de um hospital, com o rosto lívido e os olhos moribundos. Os médicos que o atendiam se mostravam partidários de amputar as duas pernas. Horrorizada, Erika suplicava que não fizessem isso, pois seu pai sofrera um derrame e sua morte era iminente. Não seria necessário submetê-lo a uma cruel intervenção cirúrgica. Tomada por sua visão, Erika subia e descia as escadas do sanatório, gritando fervorosamente. “Aquela alucinação foi de um horror indescritível, de um terror denso e forte, desconhecido para uma vida de insone – escreveria mais tarde. Quem sonha, quem sofre um pesadelo está totalmente entregue ao hor...

Boletim Letras 360º #289

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Desde a terça-feira, 28 ago '18, até o dia 10 set estão abertas inscrições para a nova promoção do blog Letras in.verso e re.verso realizada em parceria com a HarperCollins Brasil. Neste dia, publicamos uma resenha do nosso colunista Guilherme Mazzafera sobre O dom da amizade , livro que reconta a amizade entre dois grandes mestres da literatura de fantasia, J. R. R. Tolkien, de quem saiu por esses dias o inédito A queda de Gondolin , e C. S Lewis. Este é, portanto um livro imperdível e os leitores do Letras têm a oportunidade de novamente tentar a sorte e ganhá-lo. Então, quer participar? Vá aqui . A contínua renovação da obra de Agatha Christie no Brasil. HarperCollins disponibiliza duas caixas com os principais romances que têm seus dois principais detetives como personagem. Foto:  Agatha Christie em sua casa de Wallingford, Inglaterra, 1956 Segunda-feira, 27/08 >>> Brasil: Machado de Assis vivíssimo. É publicada edição de luxo para...