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Quão livres devem ser os romancistas para imaginar vidas radicalmente diferentes?

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Por  Morgan Jones Meu novo romance [ The Good Sister , 2018] pode precisar de alguma justificação. Metade dele é narrada por Sofia, uma garota de 17 anos nascida no Cairo; eu sou um homem de 47 anos que nunca viveu fora do Reino Unido. Mais precisamente, a história começa com Sofia chegando à Síria para se juntar ao Estado Islâmico – uma vasta distância de qualquer experiência minha. No âmbito privado, perguntaram-me o que me dá o direito de contar esta história. Com o livro recém-lançado, espero ter de responder esta pergunta publicamente. É uma boa questão. É uma questão problemática, debatida com compreensível ardor nos últimos anos. Um lado enxerga nela um ato presunçoso ou, pior, exploratório: aqueles acostumados a ter um público para suas histórias usurpam a experiência, cultura e identidade daqueles que nunca são ouvidos. Opor-se a isso é correto. Controle o passado e você controla o futuro, como nos conta Orwell; as estórias ficcionais que contamos nos mold...

F. Scott Fitzgerald e o miserável dom da desilusão

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Por Luis Guillermo Ibarra F. Scott Fitzgerald (1896-1940) vislumbrou a desagregação do mundo dos sonhos e os pesadelos do futuro. O escritor estadunidense foi, no melhor dos sentidos, um profeta desses castelos edificados com os restos da primeira Grande Guerra; um vidente que, à maneira do poeta Arthur Rimbaud, teve a beleza em seu colo, para senti-la, no fim, efêmera e vazia. Para sua geração, batizada por Gertrude Stein como a “geração perdida”, a vida começou “com a guerra, e continuaria para sempre à sombra da violência e da morte”. 1 O mundo de seu tempo abriu caminho por entre instituições fenecidas. O grito de “Deus está morto” em Os irmãos Karamázov , de Dostoiévski e em A gaia da ciência , de Nietzsche, se encarnou com uma crueldade irrefreável depois da guerra. Morria Deus e junto com sua onipotência caíam também os homens exterminados em série. Ante isso, com justa razão, o companheiro de geração de Fitzgerald, Ernest Hemingway, proclamaria “o drama da desa...

O Estrangeiro, de Albert Camus

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Por Pedro Belo Clara O presente trabalho, publicado em 1942, é considerado uma das obras-primas da literatura francesa do século XX, e consequentemente aquela que consagrou o seu autor como um dos principais desse século. Saída dos prelos em plena Segunda Guerra Mundial, foi pela grande maioria da crítica daquele país considerado "o melhor livro desde o Armistício", numa clara alusão ao tratado pelo qual a Alemanha, no término na primeira grande guerra, assinou a sua humilhante rendição. E o facto de um dos maiores vultos de sempre do universo literário francófono, Jean-Paul Sartre, ter realizado sobre este autor uma magistral (e deveras extensa) análise crítica, contribuindo assim para a apresentação e divulgação do trabalho do mesmo junto do público americano, só sublinha o que se acabou de afirmar. Desprovido da intenção de revelar mais do que a este nível e com este propósito se pretende, pois o texto de hoje não terá maior ambição que introduzir e apresentar,...

Boletim Letras 360º #292

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Esta é a edição da semana 289 desde quando foi criado o Boletim Letras 360º. A publicação — sempre gostamos de lembrar aos leitores — foi criada para reunir as notícias que apresentamos durante a semana em nossa página no Facebook . Depois de relembrar isso, noticiamos que o livro  O dom da amizade  (Colin Duriez), o segundo sorteio desta obra, já foi entregue ao ganhador. Em breve, novas promoções em nossas redes. Boas leituras. De Vladímir Maiakóvski para Lília Brik. É publicado no Brasil livro do poeta russo dedicado ao seu grande amor. Mais detalhes ao longo deste Boletim.  Segunda-feira, 17/09 >>> Brasil: Sobre isto , de Maiakóvski Um dos maiores nomes da poesia do século XX, conhecido como “Poeta da Revolução” por seu engajamento na construção da nova sociedade soviética, Vladímir Maiakóvski foi também um grande poeta lírico. Publicado em 1923, Sobre isto  é fruto de sua relação amorosa com Lília Brik, interrompida ...

O Incêndio de This Is Us e Manchester à Beira-Mar na poesia brasileira

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Por Wagner Silva Gomes Emilio Tadini "Não, não perdi a mania, ainda durmo fumando Ainda queimo o colchão Claro que lembro do dia, em que quase morri E ninguém me acordava" Se esquecer de trocar as pilhas do aquecedor e ele não desligar sozinho causa o incêndio e a morte do pai dos três irmãos da família núcleo na série This Is Us , e esquecer de desligar a lareira em uma breve saída pra tomar "uma" causa a morte da família no filme Manchester à Beira-Mar ; em outra linha, a da música popular brasileira, "Perfume Siamês", de Altay Veloso, cantada por Emílio Santiago, trata as situações de descuido. Como algo  habitual, e por isso malandramente treinado para a possibilidade trágica (- cuidado, um dia você queima a cama!, imagino a esposa dizendo), tudo termina em um gracejo sobre o momento de amor do casal, cujo marido tinha a teimosa atitude falha, e a esposa por amar o chamava a atenção mas já sabendo que aquilo nunca ia mudar, ne...

O retorno, de Dulce Maria Cardoso

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Por Pedro Fernandes O retorno , de Dulce Maria Cardoso, chegou ao Brasil um ano depois da publicação em Portugal. Em 2012, o livro já estava marcado pela repercussão alcançada no país de origem – não só as várias resenhas elogiosas, os interesses acadêmicos, a obra havia sido premiada como o Livro do Ano / Prêmio Especial da Crítica. A história desse sucesso, apesar de o nosso país padecer de uma anomia quando o assunto é a recepção de uma obra literária (há casos escusos mas que não cabem na acepção do termo), se repetiu de alguma forma. Evidentemente, não com o mesmo vigor português, mas em nada podemos dizer que por aqui foi um acontecimento despercebido; basta citar o rápido tempo entre a primeira e a reedição da obra e então teremos um elemento corroborativo com o que vimos dizendo. No caso de Portugal, parte da maneira como livro chegou àqueles leitores se deveu ao fato de ser O retorno uma narrativa, apesar de integralmente ficcional , que toca pr...