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Observando fotografias: J.R.R. Tolkien: uma biografia, de Humphrey Carpenter

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Por Guilherme Mazzafera Sob o risco do autoplágio, que evito com uma sutil permuta, afirmo: nada é mais ficcional do que uma biografia, exceto a biografia oficial. O exercício biográfico é perigoso por sua ânsia explicativa, em especial pelo desejo muitas vezes obtuso de construir os liames causais entre vida e obra. Um poeta sagaz como W.H. Auden adverte com clareza sobre os riscos de tal empresa: “Um escritor é um criador, não um homem de ação. Em verdade, algumas e, em certo sentido, todas as suas obras são transmutações de experiências pessoais, mas nenhum conhecimento dos ingredientes crus explicará o sabor peculiar dos pratos verbais que ele convida o público a provar: sua vida privada não diz, nem deveria dizer respeito a ninguém a não ser ele mesmo, sua família e seus amigos.” 1   A opinião de Auden era tão inflamada que ele dizia ser melhor que os autores publicassem suas obras anonimamente, o que obrigaria os leitores a se concentrarem no que interessa:...

Por que “Frankenstein” é mais relevante hoje que há 200 anos

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Por Michael Harris Num gelado dia de 1803, no Colégio Real dos Cirurgiões, em Londres, um grupo de pessoas viu como Giovanni Aldini aplicava uma descarga elétrica na cabeça de um condenado que havia sido executado antes. Os músculos da mandíbula tremeram. Depois, Aldini deu outra descarga, desta vez nas costas e o cadáver pareceu como que se sentasse. Havia nascido o que se conhece como vitalismo. Qual era o limite das invenções da humanidade? Poderíamos animar o inanimado? Brincar de ser Deus? Enquanto as mentes pensantes do século XIX debatiam sobre estas questões, a jovem Mary Shelley, que passava uma noite numa mansão alugada a Lord Byron, teve um sonho inspirador que serviu de ponto de partida para um romance chamado Frankenstein . Nele, pulsava um emergente terror pela tecnologia, até um furor pelo progresso. E agora, justamente dois séculos depois, ainda estamos tomados por esse estranho sonho de Shelley. O termo “ficção científica” não foi cunh...

Ring Lardner e a arte de perder sem deixar de sorrir

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Por Cristian Vázquez 1 Ring Lardner (1885-1933) foi um fenômeno no jornalismo esportivo de seu lugar e de seu tempo: Estados Unidos na década de 1910. Ao longo de sua vida escreveu mais de 4.500 artigos, que chegaram a ser se publicar em 115 jornais de seu país. Depois do fim da Primeira Guerra Mundial “deu início a grande época dos esportes nos Estados Unidos e o escritor que cobria este tema se tornou uma figura principal”, escreveu o jornalista Pete Hamill. Numa época em que ainda não havia sido inventado o rádio, o sportswriter “era tão conhecido como alguns boxeadores e jogadores de beisebol”. Lardner foi talvez o mais importante de todos: há quem o chame de o pai da coluna jornalística moderna. Uma das características mais destacadas de seu estilo foi o uso slang , o jargão vernáculo e coloquial dos estadunidenses. Por meio dessa ferramenta, que até então só havia sido utilizada para livrar-se dos falantes ou como recurso cômico, Lardner retrat...

Boletim Letras 360º #293

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Estas são as notí cias que passaram durante a semana em nossa página do Facebook. Boas leituras! Uma antologia com poemas de T. S. Eliot a sair no Brasil em novembro. Mais detalhes ao longo deste Boletim Segunda-feira, 24/09 >>> Brasil: O hino de Machado de Assis para o Imperador do Brasil O pesquisador Felipe Rissato encontrou, em um jornal antigo de Florianópolis, Santa Catarina um hino escrito por Machado de Assis como “Hino Nacional”. A letra faz uma homenagem ao imperador Dom Pedro II. Na época em que escreveu os versos, o escritor tinha 28 anos e ainda não era tão conhecido. Era aniversário de 42 anos do monarca e em 2 de dezembro daquele ano o hino seria apresentado no teatro da cidade de Desterro, antigo nome da capital catarinense. Segundo a Folha de São Paulo, Rissato sabia desde 2016 da existência desse hino, porque o jornal O Mercantil , guardado no acervo da Biblioteca Nacional, anunciava na véspera um “esplêndido espetáculo”. O jornal não pu...

Truman Capote: a borboleta entre as flores

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Por Manuel Vicent Truman Capote. Foto: Slim Aarons “Tenho mais ou menos a altura de uma escopeta e sou da mesma maneira estrepitoso”, assim se descreveu Truman Capote e não acredito que exista uma definição mais certeira. Em todo caso, tratava-se de uma escopeta que só disparava cartuchos de sal no traseiro das celebridades nas festas loucas de Manhattan, onde a inteligência frívola e mordaz era um dom muito apreciado. “Sou alcoólatra. Sou drogado. Sou homossexual. Sou um gênio”. Vinha socialmente de muito baixo e talvez pensou que chegaria ao topo seduzindo gente famosa com o gênio vingativo que brotava com muita naturalidade de sua língua venenosa, mas houve um momento que descobriu o rosto da verdadeira maldade e esta borboleta deu por terminado seu bailado entre as flores. Nasceu em Nova Orleans em 1923 e a mãe, recém-divorciada e já um pouco metida no alcoolismo, cedeu o menino aos cuidados dos avós e depois de uns primos de Monroeville, no Alabama, até o marid...

Nenhum mistério, de Paulo Henriques Britto

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Por Pedro Fernandes Paulo Henriques Britto. Foto: Lucas Seixas. Apesar da celebrada entrada da humanidade em um novo tempo como quando aconteceu na viragem para este século, há, dentre muitas, uma coisa que é derivada de um impasse e que precisa de ser pensada sem o grau do entusiasmo, se algum ainda resta. Aliás, esta coisa é produzida no interior do paradoxo desse tempo, que sempre nos diz, por um lado, sobre uma melhor posição nossa ante nossos desafios e por outro reafirma-nos no mesmo escuro no qual tateamos desde nossa origem. Quer dizer parece não existir certezas que tragam consigo as dúvidas. Para agora, o individualismo e o positivismo tornados em linhas de determinação única pelo Ocidente atravessam sua pior fase, se por ela entendemos o reaparecimento das verdades unilaterais quando à consciência da humanidade, se se mantém sã, já há muito haveria de desprezar essa maneira de nos compreendermos. A verdade se é agora múltipla continua a ser potência inquestio...