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Noites insones, a imprevisível obra-prima de Elizabeth Hardwick

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Por E. J . Rodríguez Quem se aproximava pela primeira vez de Harwick ficava surpreendido por seu sotaque; não esperava encontrar quase intacto, mesmo residindo várias décadas em Manhattan, aquele inconfundível tom sulista em sua voz. Conheciam-na como a cerebral paisagista da intelectualidade urbana; boêmia habitual dos clubes de jazz e fundadora do The New Yorker Times Book Review . Conheciam-na como a iconoclasta crítica literária que revolucionou seu ofício colocando sob o microscópio – ou poderia se dizer, no cadafalso – os demais críticos de seu tempo. Conheciam-na como a “escritora que escrevia sobre outros escritores”; como a ensaísta ganhadora da medalha de ouro da Academia Estadunidense de Artes e Ciências. Como uma mente prodigiosa – “afiada como uma espada” – capaz de impressionar as demais mentes prodigiosas na mais cosmopolita das cidades. Mas ela, todavia, falava com as ondulantes vocais e as ruinosas pronúncias arcaizantes de seu Kentucky natal. E essa ...

Jornais e romances: um caso aberto

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Por Juan Luis Cebrián Foi Nélia Piñon quem, durante um debate em Buenos Aires sobre a grande confusão entre ficção e realidade, confessou seu interesse por averiguar as implicações literárias da pós-verdade. As fronteiras entre o romance e o jornalismo parecem muitas vezes confusas e pelo menos desde Charles Dickens aos nossos dias foram dinamitadas em numerosas ocasiões. A partir desse ponto de vista poderia admitir-se inclusive que as pós-verdades que inundam agora o meio ambiente contribuem para a qualidade da literatura tanto ou mais que a destruição da opinião pública numa democracia. E direi depois a assertiva de que a meu ver não estamos falando apenas de notícias falsas, mas sobretudo de verdades subjetivas; isto é, aquelas sobre as quais se acredita tanto que sempre são invocadas como se as escutássemos. Dois livros assinados por dois grandes escritores que também foram jornalistas profissionais são atuais na polêmica em torno destas questões e nos d...

Boletim Letras 360º #298

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Numa das edições do Boletim Letras 360º chegamos a dizer que abriríamos inscrições para novos interessados em fazer parte do corpo de colunistas do blog. Agora, com a chegada de novembro nós (e todos já devem ter realizado essa constatação) já sentimos o cheiro de fim de ano no ar. Entre publicar uma chamada, estipular prazos e analisar perfis, faltaria tempo e as obrigações são muitas. Então se alguém esperava por esta ocasião, dizemos, não desanime, mas esperemos 2019. Tão logo a maré baixe, lançamos a proposta que tão certo deu em 2017 que queremos repetir sempre. A obra de Guimarães Rosa está em nova casa editorial. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 29/10 >>> Brasil: Nova edição de A fera na selva , de Henry James Um segredo une o casal de amigos John Marcher e May Bartram. Após se conhecerem na Itália e passarem dez anos sem se falar, um reencontro inesperado em Londres faz com que retomem a amizade, acompanhada das expectat...

Amós Oz: compromisso, lucidez e ternura

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Por Eliahu Toker A língua hebraica é um instrumento poderoso, expressivo e musical. Poderoso, porque nela se escreveu, por volta do começo da civilização judaica, uma fascinante biblioteca mítica, sagrada e secular, a Bíblia hebraica; modulou de uma parte essa enciclopédia da interpretação e a polêmica dos sábios do Talmud; mais tarde, produziu uma diversidade de poéticas medievais, para mergulhar depois, e durante muitos séculos, numa espécie de hibernação da qual foi resgatada em finais do século XIX. Língua expressiva porque em sua mais profunda memória o hebreu guarda acordes bíblicos que poetas e prosadores seculares modernos entoam frequentemente, evocando uma expressão do Gênesis ou do Canto dos Cantos, às vezes mudando uma palavra como um gesto de sabedoria a fim de que o leitor descubra um novo matiz do texto sagrado. E é língua musical porque ressoam no hebraico vozes de todas as épocas, é ao mesmo tempo um instrumento flexível, aberto todavia à criação de termos ...

Algumas aproximações à poesia de Rachel de Queiroz

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Por Pedro Fernandes Em 2010, o Instituto Moreira Salles (IMS) publicou, de Rachel de Queiroz,  Mandacaru ,   um livro de poemas escrito em 1928 e até então inédito. Este livro sobreviveu graças ao interesse da amiga Alba Frota e revelou uma tentativa da escritora em se integrar à comunidade dos poetas que então foram tomados, direta ou indiretamente, pelos ventos do Movimento Modernista de 1922. Os poemas apresentados por Elvia Bezerra, coordenadora de literatura do IMS, constituem ainda a obra de uma jovem de 17 anos em busca de seu estilo e forma literária – o que não tardaria acontecer, afinal, O Quinze , romance que a consagrou, só levaria, a partir da data de escrita de Mandacaru , dois anos para sua publicação. Mas, se no livro em questão pode-se vislumbrar, ainda que em textos deveras determinados pelos elementos de um cardápio modernista – cite-se, para efeito, a descontinuidade dos poemas, a linguagem entre o erudito e a conformação do registro popula...

Raymond Carver, o melhor escritor de contos do século (junto com Tchékhov)

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Por Manuel de Lorenzo Recordo a primeira vez que li algo de Ernest Hemingway. Era um livrinho de contos que havia na casa dos meus pais. Nem sequer lembro o título. Na época estava entusiasmado com os labirintos de Julio Cortázar, com a exuberância de Mario Vargas Llosa, com a minuciosidade de Gabriel García Márquez. Apenas começava a entrar no assombroso universo de Jorge Luis Borges. A literatura, durante aqueles anos de adolescência feliz, começa e terminava na América Latina. Nas páginas de Hemingway encontrei um deserto. Nada me fascinava. Na me surpreendia. Seus contos não eram mais que palavras colocadas em ordem, uma após outra, tediosamente fiéis às normas da sintaxe e da gramática. Avançava por seus parágrafos em estado de tensão, esperando os fogos artificiais, a explosão repentina, mas logo o conto começava a languidescer pouco a pouco, como se a pólvora tivesse sido molhada em algum ponto impreciso de suas linhas e finalmente tudo se apagava. Sua literatura...