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A estranha (e maravilhosa) mente de William T. Vollmann

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Por Rebeca García Nieto Uma personagem de Don DeLillo dizia que a verdadeira motivação da indústria editorial é tornar os escritores inofensivos. Camus ou Beckett foram os modelos de nossa ideia de absurdo; Kafka nos mostrou que o terror começa em casa, mas agora, se lamenta o protagonista de Mao II , os escritores apenas influenciam nossa forma de ver o mundo. De fato, em sua opinião, agora são os terroristas que ocupam o lugar dos romancistas, são eles que “submetem a consciência humana a seus ataques”. Não sei se esta personagem tem razão, mas que boa parte dos romances publicados são fogos de artifício falhados, sim: fazem barulho, mas estão vazios, não dizem nada de novo e têm pouco impacto, para não dizer nenhum, no mundo real. Mas, por sorte, sempre tem existido escritores capazes de incomodar o sistema. Em 1947, um “cidadão preocupado” alertou ao FBI da existência de um romance que era não mais que uma “propaganda para que o homem branco aceitasse os n...

A poesia de Guimarães Rosa

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Por Pedro Fernandes Magma foi o primeiro livro de Guimarães Rosa. A data provável de uma primeira versão é 1930 e só aparecerá publicamente, não de um todo, seis anos depois, quando foi inscrito para concorrer ao Prêmio da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, o poeta Guilherme de Almeida, que compôs o júri do galardão, descreveu no seu parecer a poesia do mineiro como “nativa, espontânea, legítima, saída da terra com uma naturalidade livre de vegetal em ascensão”; “poesia centrífuga, universalizadora, capaz de dar ao resto do mundo uma síntese perfeita do que temos e somos” – emendou. No mesmo rosário de elogios, compreendeu, a partir da noção de poesia como “beleza no sentir, no pensar e no dizer”, que a poesia de Rosa era única no atual momento literário do Brasil. O principiante poeta, entretanto, apesar de reconhecer que sua poesia só recebera elogios desde quando passou a circular entre os leitores mais íntimos, olhou para esse filho bastardo com o...

William Faulkner e as tintas coloridas

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Por Cristian Vázquez William Faulkner em Farmington Club, 1960. Foto: George Berkley. 1 Quando William Faulkner recebeu as provas de impressão de seu romance O som e a fúria , não gostou nada de descobrir algumas correções feitas por Ben Wasson, seu editor, que era também seu amigo. Os itálicos que utilizara para assinalar os saltos no tempo, para trás ou para frente, na primeira das quatro partes em que estão divididas o livro, estavam corrigidas pela inserção de espaços em branco nos pontos em que se davam essas rupturas. Essa mudança foi o que mais lhe desagradou. Wasson alegou que o uso do itálico diferenciava apenas dois planos temporais, enquanto que na narrativa existia pelo menos quatro. Faulkner voltou a enviar o texto tal como havia escrito originalmente e o acompanhou de uma carta de tom um bocado aborrecido em que explicava que na verdade os planos temporais não eram quatro, mas muito mais. Só “o dia da ação tem 33”, enfatizava. E logo acrescentava q...

Os carros e a literatura

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Por Yolanda Morató Em julho de 1959 o poeta e editor malacitano Manuel Altolaguirre (1905-1959) perdeu a vida quando dirigia ao lado da sua segunda companheira, María Luisa Gómez Mena (1907-1959), uma das mecenas da arte cubana. Isso foi também o que aconteceu com Paul Otchakovsky-Laurens (1944-2018), editor de autores como Georges Perec, Marguerite Duras e Emmanuel Carrère, que, como o malacitano, morreu num acidente de carro acompanhado de sua companheira, a pintora e escritora Emmelene Landon, que ficou gravemente ferida. Estavam de férias nas Antilhas francesas, na ilha de Marigalante. O automóvel teve um papel importante nas artes e nas letras desde o princípio do século XX. Os desenhos com traços geométricos para vestidos e   casacos femininos da pintora Sonia Delaunay acompanhavam os carros da época. F. Scott Fitzgerald incluiu o automóvel em muitos de seus contos, narrando suas viagens pela Europa, embora em O grande Gatsby ganhou protagonismo ao se...

Uma criatura dócil, de Fiódor Dostoiévski

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Por Pedro Belo Clara É um daqueles nomes que dispensa quaisquer apresentações, mesmo para os menos interessados ou sabedores da literatura russa do século XIX. Carecerá talvez de adjectivos, e não só para quem nutre afeição por tais caracterizadores, mas o seu emprego apenas será honestamente exequível após um mergulho sério na obra do autor que hoje aqui se lembra e sugere. Como tal, esquivamo-nos a tal exercício, a não ser na constatação do óbvio, por ser universal, deixando assim ao critério de cada um dos nossos amigos leitores a devida apreciação do escritor e sua obra. Nasceu em 1812, em Moscovo, filho de um médico militar rígido e autoritário, com tendências para o alcoolismo e depressão, e de uma mãe que até à sua morte precoce o educará em casa. Mais tarde, frequenta a escola militar onde começa a desenvolver um sério interesse pela literatura. Após concluir os estudos, inicia as suas primeiras traduções e esboços literários, abandonando definitivamente o e...

Boletim Letras 360º #300

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A edição da semana do Boletim Letras 360º está disponível. Há uma notícia que colocamos em destaque e merece um breve comentário: a de publicação no Brasil do diário inédito de José Saramago seguido do livro do jornalista da Fundação José Saramago, Ricardo Viel, que reconstrói a recepção do Prêmio Nobel de Literatura atribuído ao escritor português há vinte anos. Os dois títulos saem em dezembro pela editora parceira do Letras , Companhia das Letras, e nós realizaremos, dentro em breve, sorteio de um exemplar para os nossos leitores. Fique atento às nossas redes sociais. Se ainda não acompanha o blog por elas, veja os links no final desta postagem e se inscrevam. Último diário e inédito de José Saramago ganha edição no Brasil. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 12/11 >>> Brasil: O novo título da obra de James Baldwin, Se a rua Beale falasse Lançado em 1974, o quinto romance de James Baldwin narra os esforços de Tish para ...