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Outra volta do cânone

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Por Elena Medel Ilustração: Hao Xiaohao Olhe sua biblioteca – não importa se é apenas uma estante, uma prateleira, se várias paredes de um quarto – e concentre-se nos livros que decidiu ter consigo. Se tem algum tempo e interesse, desarrume tudo volume a volume e amontoe de um lado aqueles escritos por homens, e do outro os escritos por mulheres. Depois conte: doze aqui, trinta ali, ou mesmo nenhum. Repita o exercício tendo em conta a origem da autora ou do autor: África, América – e aqui distinga entre os países da América Latina e os do norte do continente –, Ásia, Europa, Oceania. Outra vez, esforce-se em revisitar suas leituras segundo a raça de quem as escreveu, o idioma em que pensaram. Existem outras classificações possíveis para sua biblioteca baseadas em dados menos evidentes, que poderá extrair de uma leitura atenta da obra, ou aprofundando-se em biografias, que talvez nunca conhecerá: orientação sexual, classe social, ideologia política etc. Se a desordem n...

Anatomia do ócio, de R. Leontino Filho

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Por Pedro Fernandes As discussões sobre o texto poético quase sempre partem de um jogo de relações que dissociam, às vezes por oposição e exclusão, os elementos que distinguem a prosa narrativa. O que podemos chamar de submissão do poema a tais limites deve-se a um ponto impossível de deixá-lo de fora quando tocamos no assunto: o amplo lugar alcançado pela prosa e sua penetração no cotidiano comum faz este gênero ocupar a posição de partida ou grade de leitura para a compreensão da poesia. Esta, por sua vez, ampliou, no tempo dos exageros, sua condição de à margem. Dizemos isso, evidentemente, porque se considerarmos, no âmbito da história da literatura (e mesmo de sua teoria), sempre encontramos a poesia como a mais insubmissa das formas e consequente a que deve, por sua condição, prevalecer no lugar-qualquer; na Poética , Aristóteles não lhe dedica interesse e elege a tragédia como o gênero mais significativo no âmbito das criações com a palavra, enquanto na República...

Cinco livros para conhecer a obra de Iris Murdoch

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Quando publicamos a tradução do texto de Antonio J. Rodríguez sobre Iris Murdoch (veja o final desta post), alguns leitores do Letras, chamaram atenção para o silêncio quase total sobre o nome da escritora no Brasil, principalmente no ano quando se comemora o seu centenário: aliás, 2019 assinala também os vinte anos da sua morte. Mas, uma visita às livrarias e aos sebos responde que, mesmo não colocada entre os interesses principais das editoras, ao menos até agora, não é motivo para dizer de um desconhecimento da literatura da escritora irlandesa no nosso país. Se algumas de suas obras principais ainda não foram traduzidas por aqui, é possível encontrar traduções em Portugal*, onde, ao que parece, Iris tem uma melhor recepção. Enquanto visitávamos livrarias e sebos, encontramos com uma homenagem proposta pelo caderno Babelia , do jornal El País . O periódico espanhol sublinhava, no âmbito do centenário de Iris Murdoch, o legado da obra da autora de O mar, o mar ; em língua...

Günter Grass e seu pior segredo

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Por Hermann Tertsch No Verão de 2006, um grupo muito seleto de críticos literários e amigos de Günter Grass recebia os exemplares de uma pequeníssima tiragem de apresentação de seu novo e muito esperado livro: Beim Häuten der Zwiebel ( Nas peles da cebola ). “Apenas para uso pessoal. Críticas suspensas até 1º de setembro”, advertia-se na capa. Era, ninguém negou mesmo nos debates mais duros que seguiram durante os meses seguintes, um novo e grande livro do escritor de língua alemã mais famoso, lido e influente desde Thomas Mann. Semelhante ao autor de Os Bruddenbrook , Grass havia conseguido juntar sua celebridade e glória como autor ao seu prestígio como intelectual comprometido e uma aura de autoridade moral que carregava o levava a emitir opiniões com grande repercussão sobre muitas questões políticas, sociais, econômicas e morais. Várias gerações de alemães foram educadas e cresceram com os livros e as opiniões de Günter Grass, especialmente no que se ref...

A França contra Marie Curie

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Por Rocío P. Benavente Marie Curie em seu laboratório. Paris, princípios de novembro de 1911. Uma multidão enfurecida se aglomera em frente a uma casa para o que hoje chamaríamos escracho embora então essa palavra ainda não existisse. Gritam insultos e acusações, jogam pedras, querem invadir o lugar. Há uma luz acesa na casa e os revoltosos acreditam que o motivo de sua ira está aí e não se atreve a sair. Mas não: ela regressa nesse momento da primeira conferência de Solvay, em cuja histórica foto (possivelmente terão visto, aqui colorizada ) ela é a primeira e única mulher. É Marie Curie, volta para casa para encontrar a terrível cena. Suas filhas de sete e catorze anos, assustadas, estão em casa. Vocês já ouviram falar sobre Marie Curie? Quem não, não é mesmo? É a única mulher cientista que muitos serão capazes de logo lembrar. A primeira que ganhou um Prêmio Nobel. A que descobriu o rádio. A mártir da radioatividade. Uma mulher pequena, magra, sóbria e sér...

Boletim Letras 360º #317

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Na sexta-feira, 15 mar. '19, finalizamos uma seleção de novos colunistas para o Letras in.verso e re.verso. Fomos motivados pelo sucesso da primeira vez quando cumprimos uma empreitada do gênero. E deu certo. Nas duas vezes. É verdade que recebemos menos inscrições, mas as candidaturas, dessa vez, estiveram melhora afinadas com nossa proposta editorial e superaram as do primeiro concurso em termos de qualidade. No final, foram dez os selecionados que começaremos a apresentá-los em breve. Estamos muito felizes com a propícia oxigenação de ideias porque passaremos nos dias vindouros, pelo fortalecimento e a ampliação desse despretensioso projeto num país cada vez mais precisado da arte para sua redenção e do debate para uma ruptura com a celeuma esquizofrênica que se abateu sobre nós. Agradecemos, de coração, a todos que participaram da seleção, que divulgaram e reiteramos, publicamente, os parabéns aos selecionados. Agora, passamos ...