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A sátira como recurso da verdade: uma resenha de Bobók

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Por Joaquim Serra A profundidade de Dostoiévski (1821-1881) é reconhecida nos grandes romances, principalmente em Crime e castigo (1866), Os demônios , O idiota (1869), O adolescente (1875) e Os irmãos Karamázov (1881). Não só densos quanto ao tema e a multiplicidade de pontos de vista conflituosos que seus personagens carregam, mas também são romances de fôlego em que há pouca ação de fato. O próprio autor dizia que “o novelista, o poeta, tem outras tarefas do que a descrição da realidade cotidiana: há o universal, o eterno e – parece – as profundezas sempre inexploráveis do caráter e do espírito humano”, conforme cita René Wellek no seu História da crítica moderna. O final do século XIX (Editora Herder, 1972). Já no conto “Bobók”, é possível ver o traço satírico do escritor. Com um texto que muitas vezes soa como uma resposta à recepção de Os Demônios . O conto traz como protagonista um escritor que quando sai à noite para se divertir, acaba ouvindo a conversa de...

O enigma Simenon permanece vivo

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Por Juan Carlos Galindo Georges Simenon. Foto: David Montgomery. Ficou conhecido como o homem das dez mil mulheres e dos quatrocentos livros. O primeiro epíteto pode ser algo exagerado; o segundo, não é. Personagem de biografia impossível, Georges Simenon (Liège, 1903 – Lausana, 1989) deixou para trás uma obra descomunal, um legado literário do qual o comissário Jules Maigret é apenas uma parte e cujo olhar continua oferecendo chaves sobre o ser humano de hoje. Pela passagem dos 90 anos da primeira aparição de Maigret em La Maison de l’inquiétude , criadores e editores recordam no festival Quais du Polar de Lyon a figura que para o Nobel e amigo íntimo seu André Gide era “o romancista maior e mais autêntico”. “É mesmo um dos poucos se não o único autor de literatura policial reconhecido como grande autor literário. Com grafomania, escrevia a todo tempo – não só as histórias de Maigret mas também os chamados romances duros, que são magníficos – era uma espécie de...

Vá, de ressaca – a (in)formalidade de Geovani Martins em “O sol na cabeça”

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Por Rafa Ireno Geovani Martins. Foto: Chico Cerchiaro Por coincidência ou não, quando ouvi falar d’ O sol na cabeça de Geovani Martins pela primeira vez, na universidade, eu estava lendo uma crônica de Rubem Braga a respeito do abstracionismo dos anos 1950, a qual se referia à polêmica que essa tendência de arte mais formal provocou na tradição brasileira de pinturas figurativas, em geral, engajadas. Na verdade, uma leitora pede a opinião do cronista sobre certas obras concretas expostas no Rio de Janeiro. Após confessar não ter ido na tal exposição, o cronista diz o seguinte: “Cada um faça o que lhe agrada mais, e sempre valerá alguma coisa tudo o que for feito com sinceridade e sabedoria. Creio mesmo que é normal essa oscilação da arte – ora se agarrando mais à vida, ora se satisfazendo mais a si mesma, obedecendo à pura lógica de seus meios.” Era numa terça, lembro, tinha que sair rápido do Butantã e ir para a Cooperifa. Aproveitei para consultar amigos de lá e nada...

Boletim Letras 360º #319

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Saudações, leitoras e leitores do Letras! Apresentamos nova edição desta postagem contínua criada há 316 semanas para reunir as notícias que divulgamos durante a semana em nossa página no Facebook. Antes, temos três novidades para contar: 1. Firmamos uma parceria com o blog argentino Eterna Cadencia. Os leitores mais assíduos já devem ter visto alguns textos que aqui publicamos que são traduções de textos apresentados neste canal; então, com a parceria, anotem, novas traduções virão e, claro, publicações de excelência. Este blog é na verdade parte de uma rede maravilhosa de criações no universo literário; além da presença na blogosfera, existe uma editora e uma Livraria. Chique, não? Tem um link para acesso no menu ao lado. 2. A outra boa novidade é que, em parceria com a Global Editora, sorteamos a nova edição de Sagarana , um livro que é fundamental para todo leitor que tem interesse em se iniciar na leitura da obra de Guimarães Rosa. Os leitores que nos acompanham também sabem que ...

Críticas de adultos a jovens não leitores e a visão meritocrática

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Por Rafael Kafka Ilustração: Irene Rinaldi Ouço por demais de colegas de trabalho e adultos em geral que jovens e criança não gostam de ler. Em meus tempos de criança e adolescente muito se criticava o hábito do videogame e, mais frequentemente, o da televisão. Hoje em dia, o debate ou simulacro dele se volta para a crítica mordaz dos aparelhos eletrônicos: pelo excesso de foco neles, os jovens cada vez leem menos e escrevem pessimamente, o que se reflete na desenvoltura dos estudos ou falta dela. Essas falas são feitas, quase sempre, por adultos que não leem de forma muito assídua, bem como por pessoas que passam bastante tempo em aparelhos eletrônicos. Nesta curiosa projeção, judicativa, percebo que na verdade estamos lendo quando na verdade não estamos plenamente lendo. Digo isso porque sem percebermos ficamos toda hora diante de recursos como smartphones, tablets e computadores por meio dos quais acessamos diversas informações escritas de forma verbal ou não...

Assombrações, de Domenico Starnone

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Por Pedro Fernandes Laços foi o romance que deu abriu ao leitor brasileiro as portas para o universo ficcional de Domenico Starnone. Nele, descobrimos, pelo vigor e precisão da narrativa, uma renovação das possibilidades vitais desta forma narrativa em perscrutar os elementos constitutivos de nossas individualidades a partir daquilo que sobra, ou a rusga na aparência que se constitui numa aspereza entre o eu e o outro e, logo, o desgastar de seus vínculos. Quer dizer, o romance estabelece com o leitor um pacto em falso , pois, mesmo que os laços se constituam em elemento principal no desenvolvimento da narração, o que vigora é o que nele se esconde. A importância de ressaltar essa observação se dá por dois motivos: o primeiro é o conceito de rusga e o segundo é porque em Assombrações , qual sugere o título – e agora o romancista não trapaceia seu leitor –, Domenico Starnone mergulha ainda mais profundamente no aparente para encontrar sob a rusga aquilo que a determi...