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Morangos mofados, 2019

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Por Amanda Lins © David Salle “Eu era apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o dele, que por acaso era de homem também”, pensa o personagem de Caio, tranquilamente, numa terça-feira de carnaval. Como poderíamos pensar eu, ou você. A humanidade e absoluta simplicidade da frase assim, solta, me engancha ao conto. Há algo de não-estou-dizendo-aqui-nada-de-extraordinário e ao mesmo tempo de deveria-ser-simples-assim-mas-não-é nesse mundo arquitetado que lembra demais o nosso para que passe despercebido, sem desencadear uma espécie de comichão nas entranhas. Continuo a ler, já transmutada para uma festa de carnaval, uma matinê no Rio, um bloco em Olinda um trio em Salvador, lança-perfume espalhado no ar e dois - por acaso - homens, fantasiados. Por acaso, flertando. Algo me angustia nessa troca de olhares, na proximidade da carne. Algo que ainda não sei racionalizar de onde vem e por que está ali. É o mesmo comichão. A narrativa anda. O sa...

Huckleberry Finn

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Por Norman Mailer Mark Twain em suas vestes da Universidade de Oxford. Foto: Alvin Langdon Coburn, ca. 1909. A rara foto de Mark Twain em cores utiliza-se do antigo processo autocromo. Existe remédio mais doce para a depressão que as velhas resenhas sobre grandes romances? Na Rússia do século XIX, Anna Kariênina foi recebida da seguinte maneira: “A paixão de Vronski por seu cavalo é paralela à sua paixão por Ana [...] Lixo sentimental [...] Mostra-me uma página”, dizia The Odessa Courier , “que contenha uma ideia”. Moby Dick foi queimada: “Descrições gráficas de uma esterilidade tamanha que não recordamos encontrá-las antes na literatura marinha [...] Curiosa ocorrência de loucos [...] Coisa triste. Os quakers de Melville são alguns náufragos bobos e faladores e seu lunático capitão é um chato insuportável”. Com esta medida, Huckleberry Finn – publicado em Londres durante a primeira semana de dezembro de 1884 e dois meses depois nos Estados Unidos – tampouc...

A literatura nazista na América, de Roberto Bolaño

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Por Pedro Fernandes As discussões crítico-teóricas sobre o que determinam as textualidades para o literário costumam citar a intertextualidade e a autorreflexão como dois elementos fundamentalmente recorrentes; isto é, pensando que a principal tarefa dos escritores têm sido a de renovação – e essa quase sempre se determina pela ruptura com forças já estabelecidas – é que se acredita que todo texto literário decorre do trabalho de revisão e da reflexão sobre esse trabalho. É evidente que, como todas as definições sobre o literário, essa não é (ou pelo menos não funciona como) uma verdade universal e absoluta. E sua recorrência aqui se apresenta porque A literatura nazista na América se filia a uma tradição que permitiu o pensamento crítico-teórico alcançar essa compreensão intertextual e autorreflexiva sobre a literatura. Isso porque a dicção do romance de Roberto Bolaño se constitui de uma estreita relação com o sistema literário e, por sua vez, com a materialidade que o ...

Felisberto Hernández, um autor com mais defensores que detratores

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Por Fernando Chelle Em certa ocasião Carlos Maggi, o grande escritor uruguaio pertencente à Geração de 45, disse: “Felisberto foi o principal inimigo de sua literatura. Era um tipo inseguro, tímido, meio preso. Ansioso para ter confiança, buscando que o elogiassem ou que lhe dessem uma opinião favorável” (Di Candia, 2003)*. Seria bom analisarmos essas palavras e refletir, a partir de uma perspectiva histórica, por que Felisberto buscava ansiosamente a aprovação de seus contemporâneos. A narrativa felisbertiana representou para as letras uruguaias uma ruptura significativa com o que havia sido feito até então. É verdade que o Uruguai contava já com uma tradição de contistas relevantes, com os da Geração de 900 – Javier de Viana no que se refere à literatura rural e Horacio Quiroga com seus contos urbanos; mas não existia um escritor cuja perspectiva narrativa estivesse tão associada ao psicológico, às associações mentais, mais que ao racional e bem-estruturado. ...

A verdade sobre a bala perdida de Burroughs

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Por Juan Tallón Jorge García-Robles é a pessoa que melhor sabe o que aconteceu no dia 6 de setembro de 1951 no apartamento da rua Monterrey, 122, México DF, onde William Burroughs matou com um tiro sua companheira, Joan Vollmer. Investigou o escritor durante quatro anos; primeiro, com o seu agente literário, James Grauerholz; e, depois, sozinho. O resultado é A bala perdida (tradução livre), obra de culto sobre os dias no México do autor beat publicada há 24 anos. O retorno à obra traz consigo a notícia de que os seus direitos foram adquiridos por uma das produtoras de Narcos para uma série sobre Burroughs, o escritor que levou mais longe a relação entre literatura e drogas. No capítulo mais intenso do livro, García-Robles relata que aquele dia fatídico, quando o escritor e sua companheira chegaram ao apartamento da rua Monterrey, se passava uma animada reunião de amigos. O lugar estava cheio de garrafas de gim e de refrigerantes vazias. Depois de duas hora...

Boletim Letras 360º #326

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Começo de semana de riquezas para os leitores do Letras in.verso e re.verso. Em nossa conta no Instagram realizamos o sorteio da nova edição de Grande sertão: veredas , de João Guimarães Rosa (Companhia das Letras); foi o segundo sorteio deste livro entre os que acompanham o blog a partir das redes sociais, o primeiro foi em nossa página no Facebook. Bom, e nesse espaço realizamos outro sorteio: há muito estávamos com uma enquete que perguntava aos leitores sobre o conteúdo disponibilizado na página e os interessados em concorrer a um livro surpresa bastavam deixar um comentário na enquete depois de votarem. Noutra ocasião, quando o livro chegar às mãos da ganhadora (foi uma leitora do Rio de Janeiro) divulgaremos qual era o título em questão. Agora, vamos às notícias da semana por lá. Euclides da Cunha. O evento que sublinha homenagem à sua obra divulga programação. Segunda-feira, 13 de maio Escritora conhecida por seus cordéis, Jarid Arraes estreia no gênero dos con...