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O paradoxo da identidade na diversidade

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Por Joaquim Serra Marshall Berman define e modernidade – e o sentimento da modernidade – como a “experiência do tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida” (p. 24). O crítico conclui que para os indivíduos modernos, a alteração de todo o conjunto – que poderíamos chamar de ambiente – e o sentimento de coletividade é que faz com que se manifeste a modernidade. Para o crítico, a modernidade une a espécie humana porque liquefaz as fronteiras e as experiências são coletivas, porém com um paradoxo: as próprias experiências também são liquidadas – como disse o sociólogo Zygmunt Bauman – o que leva a uma não possibilidade muitas vezes material e duradoura da experiência. De certa maneira, o princípio básico da individualidade, aquilo que nos faz sujeitos únicos também é posto em xeque. E é nesse sentido que nos é apresentado o personagem Tertuliano no romance O homem duplicado (2002) de José Saramago. Assim como Marshall Berman, Saramag...

1984, de George Orwell. 70 anos depois

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Eric Arthur Blair (mais conhecido como George Orwell) não conseguia gostar do título O último homem na Europa . “A ideia do livro é boa, mas a execução poderia ter sido melhor, se não tivesse escrito sob a influência da tuberculose”, advertiu antecipadamente ao seu editor Fred Warburg, que queria um título mais comercial. “Estou inclinado a 1984 ”, reagiu o autor, “embora poderia pensar em algo diferente nas duas ou três semanas seguintes”. Mas, não deu mais voltas e quanto entregou o datiloscrito final – escrito numa velha máquina de escrever ora na cama e entre nuvens de fumaça dos seus inseparáveis cigarros – bastou inverter a data de entrega do arquivo dezembro de 1948 por 1984. Embora exista quem defenda que o ano é também uma referência ao centenário da Sociedade Fabiana (fundada em 1884) ou uma homenagem ao seu querido Chesterton, que situou O Napoelão de Notting Hill numa fictícia “realidade alternativa” de 1984 em Londres. A sorte literária estava lanç...

Boletim Letras 360º #329

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Nossa estadia no Facebook está ameaçada. Além do trabalho de preparação e edição de material para este blog, outro que exige altas cotas de dedicação é nossa estadia na rede social. Diariamente desenvolvemos uma ampla pesquisa para seleção de material. Uma pequena parte disso fica registrada nas edições deste Boletim, criado há 326 semanas – informações sobre o mercado editorial e cultural que dialoguem com a linha editorial do blog. Além disso, publicamos material diverso de entretenimento, sempre relacionado ao material principal editado por aqui. Há alguns dias, entretanto, enfrentamos uma série de problemas com nossa página no Facebook, como registramos em nota esta semana por lá e em nossa conta no Twitter @Letrasinverso. Por razões inexplicáveis, uma vez que não nos foi apresentada nenhuma justificativa clara, aquela rede social passou a deletar publicações nossas com a acusação de Spam. A página do blog ali existe há 9 anos e nunca nos utilizamos do espaço para fins inde...

Plataforma, de Michel Houellebecq

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Por Pedro Fernandes Michel Houellebecq. Foto: Alessandro Albert “Os órgãos sexuais existem como fontes permanentes e disponíveis de prazer. O deus que criou nossa desgraça, que nos fez efêmeros, vazios e cruéis, também previu essa forma de débil compensação. Se não houvesse, de vez em quando, um pouco de sexo, em que consistiria a vida? Um combate inútil contra as articulações que endurecem e as cáries que se formam. Tudo, ainda por cima, absolutamente desinteressante – o colágeno que anquilosa as fibras, a criação de cavidades microbianas nas gengivas. Valérie abriu as coxas bem em cima da minha boca.” A passagem em destaque está no capítulo 7 da segunda parte, de três, “Tailândia tropical”, “Vantagem competitiva” e “Pattaya Beach”, do romance Plataforma , de Michel Houellebecq. E a menção logo à entrada deste texto desempenha o papel de compreender ao menos três aspectos concernentes a esta obra. O primeiro se refere ao narrador e à maneira de narrar característica...

“Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, de Elvira Vigna. Transgressão do imaginário

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Por Flaviana Silva Elvira Vigna. Foto: Jéssica Mangaba   O apagamento de algumas marcas é um mistério. A dúvida entre as lacunas não permite que os acontecimentos sejam explicados totalmente; é nesse vazio que reside a beleza. Ousamos em assumir que não sabemos de tudo quando lidamos com o texto literário, afinal, o que sempre temos são mais perguntas e sinceramente, não é necessário ter todas as respostas. O mergulho é mais do que sentir as águas no próprio corpo. A obra de Elvira Vigna intitulada da melhor maneira possível de Como se estivéssemos em palimpsesto de putas  foi publicada em 2016 e foi o último romance escrito pela autora um ano antes de sua morte; ganhou o prêmio APCA de literatura no mesmo ano da publicação sendo reconhecido por toda a riqueza de questionamentos sociais intrínsecos ao enredo, priorizando como foco as relações humanas. Sem dúvidas, é uma escrita digna de destaque na literatura brasileira contemporânea. A visita do leitor a...

Entretons do filme “Temporada”: a Contagem de André Novais

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Por Rafa Ireno Mas não se avexe, não queira chuva em mês de agosto. – Guimarães Rosa,  Grande Sertão: Veredas Se Luíza não tivesse esquecido a carteirinha de estudante naquele dia, em São Paulo,   Temporada teria me impressionado tanto? Acontece que minha amiga mineira esqueceu! Não entramos na sala de cinema e, logo depois, me mudei. Sempre desconfiei do destino, um pouco como Juliana – a protagonista da história. Mas, talvez, estivesse escrito que o filme de André Novais passaria alguns meses depois no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, e que eu trabalharia como voluntário para a associação Jangada, organizadora do evento, nas tradicionais salas do l’Arlequin. Aqui, na França, era quase final de inverno, as árvores sem folhas, as pinturas insossas dos prédios, o céu constantemente acinzentado e o frio contrastaram bastante com as imagens da tela. Às vezes, somente quando partimos aprendemos a extensão das coisas, que ainda nos pertencem ou que ficaram para...