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Orfandade poética

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Por Beatriz Martins Ilustração: Sakuya Higuchi este é um poema que eu queria ter lido para minha avó. há exato um mês, eu perdi a minha avó. e de certa forma perdi o poema. porque ele foi feito para ser lido a vovó. não li o poema. às vezes eu tentava conversar com vovó e ela dizia minha filha por favor minha filha volte amanhã eu não quero esse negócio chato nos meus ouvidos hoje – o aparelho auditivo – eu não quero conversar eu quero estar aqui com a minha filhinha; minha filhinha que não caga, não come, não chora. a boneca de vovó era uma perfeição de filho, principalmente a alguém com mais de 90 anos e que gosta de companhia para assistir Malhação . vovó desenvolveu uma habilidade incrível ao longo da vida. podia dar vida a meros objetos, podia se teletransportar no tempo, podia criar outros tipos de tempo. um dia, nos surpreendemos quando um velho amigo da família disse que vovó teria sido registrada errado – se em seus documentos constam 93 anos, esta não ...

As sementes da infância e a colheita amarga da velhice: a “Sinfonia em branco”, de Adriana Lisboa

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Por Flaviana Silva O vazio é o irmão do silêncio. Ambos escondem as palavras não pronunciadas e abrigam em si, por mais estranho que pareça ser, um universo de lacunas. A ausência da cor registra a sua marca na existência, é semelhante aos traumas que não receberam a atenção da sociedade hipócrita ao longo dos anos. É preciso considerar que Sinfonia em branco da autora brasileira Adriana Lisboa é um romance de sentidos cortantes e poéticos.  A obra foi publicada em 2001 e foi reconhecida com o Prêmio José Saramago no mesmo ano; para os amantes da prosa poética, o romance é uma viagem singular e satisfatória. O enredo é construído por um narrador onisciente que em sua autoridade, expressa uma descrição minimalista, destacando alguns detalhes e ocultando outros.   A história das irmãs (Clarice e Maria Inês) é guiada por uma sequência de transgressões que marcam a vida das personagens, em um tempo narrativo psicológico que é composto por uma dança constant...

Dor e glória, de Pedro Almodóvar

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Por Pedro Fernandes A consciência de que o passado está preso nas linhas do irrepetível parece ser uma das certezas universais com a qual mais lutamos. Não é exagero dizer que a partir da formação dessa compreensão toda nossa vida seja feita de tentativas de nos reencontrarmos com nossos instantes de júbilo; por essas ocasiões que somadas todas na vida de um indivíduo comum não chegaria a um terço de sua existência total qualquer um pagaria qualquer preço incluindo uma nova vida com o mesmo novelo de mesmices e dores. Pedro Almodóvar alcançou essa consciência sobre o passado e transformou suas inquietações, como quem passasse a limpo sua própria biografia, numa obra de arte capaz de atingir a todos. Em Dor e glória encontramos o tema do vazio criativo e o seu preenchimento com aquilo que de melhor pode fazer um artista: multiplicar-se para ser a si e um outro, sendo este aqueles que em toda parte padecem da impossibilidade dessa condição. Volta à estrutura da meta...

“Finnegans wake” para multijogador

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Por Justo Navarro Se pesquisarmos na internet film noir ou cinema policial talvez acabemos por encontrar com o último romance de James Joyce, Finnegans wake , que apareceu nas livrarias, fez agora oito décadas, em maio de 1939, quase na mesma ocasião quando se publicava O sono eterno , de Raymond Chandler. Não seria devido essa coincidência, nem pelas supostas aventuras detetivescas do taberneiro Earwicker, protagonista do romance, que fez algo num parque de Dublin e acabou ante um tribunal: se pesquisando Finnegan chegou ao cinema policial é porque o inventor em 1946 do conceito film noir , Nino Frank, colaborou com James Joyce na tradução para o italiano de “Anna Livia Plurabelle”, episódio final da primeira parte do romance irlandês. Nunca terminei de ler Finnegans wake , romance escrito num idioma inventado a partir do inglês. O problema é que sempre começo a ler de novo a vida do taberneiro Earwicker e sua companheira, Anna Livia; seus gêmeos Shem e Shau...

Don DeLillo, o pós-modernista estadunidense

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Por Andrés Olascoaga A literatura chegou como um hábito tardio para o jovem estadunidense Don DeLillo. Proveniente de um bairro ítalo-americano do Bronx novaiorquino, DeLillo havia passado a maior parte de sua vida na rua, fugindo dos problemas que inundavam o lugar onde morava e buscando um trabalho com o qual pudesse pagar suas contas no futuro. Durante um desses empregos temporários, encontrou nos livros uma forma de escape de sua realidade. Começava a se tornar ali um dos escritores mais importantes para o pós-modernismo. Apesar do ambiente onde se vivia nas regiões de classe média de Nova York depois da Grande Depressão, a infância de DeLillo, nascido como Donald Richard DeLillo a 20 de novembro de 1936, transcorreu sem maiores preocupações. Sua família, altamente católica, o acostumou a se manter na linha, cumprir todos os requisitos da escola, ir à igreja aos domingos, construir boas amizades e evitar cair em qualquer vício que pudesse toldar seu futuro. Qu...

Boletim Letras 360º #335

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1. Em meados dessa semana disponibilizamos os primeiros livros de um bazar virtual que a exemplo de outro realizado há um ano servirá para arrecadar recursos para manutenção do registro do Letras in.verso e re.verso. Para saber quais títulos estão à venda e como adquiri-los basta visitar este link temporário em nossa página no Facebook . 2. No início de 2019, o blog renovou parceria com a Globo Livros com interesse nos livros publicados pelo selo de mesmo nome do grupo e o selo Biblioteca Azul, que edita obras mais próximas dos interesses de sua linha editorial. Esta semana chegou dois novos títulos no projeto de reedição da obra de Valter Hugo Mãe no Brasil, como mostrado em nosso Instagram e Facebook; os leitores que acompanham assiduamente estes boletins saberá que a Biblioteca Azul publicou recentemente o livro Contos de cães e maus lobos , uma antologia de contos editada até então só em Portugal e resenhada por aqui por nosso colunista Pedro Belo Clara, reeditou o primeir...