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O conflito de geração em Pais e Filhos, de Ivan Turguêniev

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Por Joaquim Serra Ivan Turguêniev. Foto: Félix Nadar. Pais e Filhos , de Ivan Turguêniev foi publicado em 1862, um ano depois da libertação dos servos russos por Alexandre II. No romance, o conflito de geração diz respeito ao momento histórico vivido na Rússia naquele período. O jovem Bazárov encarna o ideário niilista e tem por seguidor Arcádio, que ao longo do romance não só acompanha Bazárov nas discussões sobre a Rússia, como também apontará as contradições nos discursos do amigo. O romance se inicia em 20 de maio de 1859, quando Nicolau Petróvitch Kirsánov espera a chegada do filho Arcádio. Nicolau possui servos e é um típico aristocrata russo, o que servirá como contraposição às crenças materialistas de Bazárov. Nicolau era filho de general, porém, “nunca foi corajoso e até passava por covarde” (p. 2). Páviel Kirsánov pertence ao que, “depois da publicação de Pais e Filhos , passou-se a chamar de “geração dos pais” a primeira geração da intelligentsia russa que ma...

Um homem fiel, de Louis Garrel

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Por Pedro Fernandes “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.” A frase de Liev Tolstói em Anna Kariênina bem poderia servir de epígrafe ao filme de Louis Garrel. Se não é a família o tema principal de Um homem fiel , esta não deixa de se constituir em parte importante da narrativa. E o imbróglio amoroso, tal como no romance russo, não deixa de incluir segredos, desencontros e morte. Porque a história é outra, os contextos também, a peça de Garrel lida com a volatilidade das relações num universo de pesada atmosfera em suspense, uma vez que as razões possíveis e não esclarecidas da morte rondam toda a tessitura da trama. Logo à entrada da narrativa fílmica o espectador é confrontado com uma dupla revelação: Marianne, figura que recupera algumas características das personagens românticas pelo tom ambivalente entre a candura e a malícia, anuncia a Abel que está grávida e o filho não é dele e sim do amigo em comum, Paul. O envolvimento ...

Trechos de conversa com Conceição Evaristo

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Por Rafa Ireno Em Abril, Conceição Evaristo esteve na França para o lançamento de Poèmes de la mémoire et autres mouvements . Na ocasião, dia 3 de abril, ela deu uma palestra na Maison de la Poésie , no centro de Paris. A sala estava cheia, pessoas de diversas gerações e lugares vieram ouvi-la, inclusive, um grupo de estudantes com a professora do ensino médio, que incluiu em suas aulas de português os livros de Conceição. Foi uma conversa muito boa! No dia seguinte, durante a manhã, tive a oportunidade de entrevistá-la. Isso, repito, foi em Abril. Ao fim de nosso encontro, minha intenção era veicular a entrevista na semana seguinte. Entretanto, fui chamado por uma mensagem de WhatsApp do meu primo, voltei para o Brasil. Ainda lembro de ver minha vó sozinha no portão, a frase de Rubem Braga, que eu analisava naquela época, ecoou: havia morte lá em casa . Então, parei por um tempo. Na volta, a urgência de outros textos se precipitou e somente hoje pude escutar este encontro de t...

Roberto Arlt, um escritor contra os versos lindos

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Por Valeria Villalobos Buenos Aires, 1928. Robert Arlt, mais cedo que de costume, sobe numa condução rumo ao outro extremo da cidade para ir trabalhar. Não entende a paisagem que contempla. Há tempo que não sabe quem vive na sua vizinhança e seu horizonte se cobriu de edifícios, carros, fábricas, chaminés e massas de gente com itinerários rigorosos. Sentado num “bonde”, que começa a receber mais pessoas que as habituais, conhece o amor à última vista enquanto passa por uma mulher numa parada que desconhece. Abre seu jornal: El mundo . Até isso mudou, o tamanho do jornal. Já não é mais uma folha que requer um escritório de 2x1m. e uma educação rigorosa para ser lido; agora é um tabloide com seções para toda a família que se pode carregar debaixo do braço. Arlt observa pela janela e percebe que no antigo relojoeiro que viu tantos anos preso em seu local e em seu lugar há apenas uma paisagem com vitrines imponentes. Lê sua última colaboração nesse novo jorn...

Boletim Letras 360º #337

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Uma semana que separa o fim de um mês e o início de outro. Um breve boletim recheado de dicas de leitura para a semana que começa e as listas que continuam. E, antes de tudo, duas recomendações semiurgentes: em breve, realizamos o sorteio de o nosso reino e Contos de cães e maus lobos , de Valter Hugo Mãe (nas novíssimas edições da Biblioteca Azul / Globo Livros) – saiba tudo aqui ; nosso bazar continua com livros à procura de leitores – compre um livro e ajude às despesas de hospedagem do blog. Um Machado de Assis praticamente desconhecido dos leitores contemporâneos volta a circular. Segunda-feira, 29 de julho Todo o Machado de Assis cronista da Semana  reunido numa primorosa e inédita edição Entre junho de 1869 e março de 1876 Machado de Assis publicou uma crônica semanal na revista que se declarava humorística chamada Semana Ilustrada , de circulação quase exclusiva, desde 1860, no Rio de Janeiro, então denominada a corte. De um total de cerca de 300 crôni...

Enseio

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Por Guilherme Mazzafera Há algo de instigante na saborosa percepção de Otto Maria Carpeaux (1999) sobre o grande poeta francês François Villon: dono de uma vida das mais desregradas, na qual se misturam toda uma variedade de petit crimes , impropérios e violações (pode um assassino escrever um bom poema?), sua lavra de versos é uma das poesias mais ordenadas e conscientes de que se tem notícia. Haveria, em tal fenômeno, um secreto jogo de compensações em que, à vida fragmentada, contrapõe-se a ordenação possível da arte. Separados por um século, a escrita de Montaigne talha caminho semelhante, embora oposto – o retiro determinado para sua biblioteca para pensar, refletir e escrever constitui um prolongado memento mori que, em diálogo profundo com as vozes do passado, encontra seu caminho pela expressão sincera e cuidadosa de uma verdade pessoal que, mediada pelo critério da razão, se expõe como inédita perspectiva autorizada. A dimensão ordenadora da escrita, que para...