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Um rival de Flaubert

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Por Rafael Pérez Gay Durante muito tempo, o escritor francês Ernest Feydeau (1821-1873) foi para mim um mistério separado de uma admiração. O mistério era constituído por um escritor desaparecido no gosto do público com a passagem dos anos e pela admiração, é claro, pela obra de Gustave Flaubert. Esse enigma sempre começava com um fato transcendente: Madame Bovary vendeu 29 mil cópias durante os primeiros cinco anos de venda, enquanto o escritor agora desconhecido, Feydeau, alcançou um sucesso ainda maior com um romance, Fanny , que contava os relacionamentos de uma mulher casada com um homem mais jovem e isso, como o Bovary , foi um escândalo. Mas isso não era tudo, esse romance da vida de Flaubert estava além da venda de livros, da aceitação crítica e do falso ruído da imprensa literária: esses dois escritores eram amigos, trocavam cartas onde se confessavam sobre as dúvidas corriqueiras e essenciais de sua existência. Eles também compartilharam o a...

Os anos, de Annie Ernaux

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Por Pedro Fernandes Annie Ernaux. Foto: Ed Alcock Annie Ernaux será sempre lembrada como a escritora da universalização do eu ou a figura que inaugurou, se não pelo concepção, pela prática literária, a compreensão segundo a qual somos um produto moldado pela exterioridade do mundo: a história, a cultura, a economia, a política, a ideologia participam ativamente do que somos e justifica porque somos. O alcance disso se dá pela sua literatura. Os anos , por exemplo, se constituem de, e podem ser descritos assim, um conjunto de reminiscências que evocam desde suas raízes familiares mais próximas até alcançar o presente, o tempo da narradora. Além da universalização do sujeito da enunciação, a escritora privilegia um tempo eterno , o presente. Mas, apesar de todas as inovações narrativas, digamos assim, esta não é uma obra cujo interesse é se filiar no acalorado debate (patente sobretudo nos estudos literários) acerca da condição conceitual de um termo de um todo proble...

O morto atrasado para o enterro: sobre um conto de Sigismund Krzyzanowski

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Por Joaquim Serra “É sempre a mesma coisa: primeiro você visita os amigos, depois – quando os cortejos fúnebres os levam – você visita seus túmulos.” É assim que o narrador de “A décima terceira categoria da razão” começa sua história. E é em uma das visitas do narrador ao cemitério que ele encontra um velho coveiro a quem dará voz. Mais a frente, explica ele que o tal coveiro já não pertencia a nenhuma das doze categorias da razão de Kant, mas sim à décima terceira, “uma espécie de alpendre lógico, mais ou menos apoiado no pensamento objetivamente obrigatório.” Para conquistar o acesso à tal categoria, o narrador dá ao velho um cigarro que o faz soltar a língua explicando as diversas pousadas para os mortos. Quando fala do canto dos oradores o coveiro começa a confirmar aquilo que dizem sobre ele: “os oradores, é sabido, assim que escurece, começam a falar todos ao mesmo tempo. Às vezes você passa perto do canto deles e escuta uns cochichos de dentro da terra. É melhor...

Frank O'Hara, o poeta da cidade

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Frank O'Hara (1926-1966) viveu em Nova York por quinze anos, de 1951 até sua morte em 1966, devido a um acidente de carro. Nessa época, escreveu centenas de poemas, vários por dia, digitados em alta velocidade numa Royal portátil. Ele era pianista, tocava Rachmaninov e, com a mesma cadência, com ritmo frenético e transbordante, fazia poesia; aliás, descrevia o ato de escrever à máquina com o mesmo verbo utilizado para materializar a música – tocar à máquina . Sua chegada ao grande centro cultural estadunidense foi tardia; cresceu em Grafton, uma cidade rural de classe média instalada nas margens da Nova Inglaterra, Massachusetts. Daqueles anos, restou apenas algumas fotografias; ele, vestido de marinheiro, sentado na varanda de sua casa, ao lado de seus pais. No entanto, esse lugar provincial – a igreja, os cães, o cinema itinerante – foi-se apagando sem resistência ao longo do tempo e substituído pelo veio depois: uma missão na Marinha, Harv...

A angústia de Kafka

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Por Alfredo Bryce Echenique Ilustração de Luiz Scalfati Acostumamo-nos a descrever como kafkianas certas situações inexplicáveis ​​que nos surpreendem muito e que parecem ser o produto da fantasia e não da realidade. O jovem Franz Kafka não imaginava, quando, no leito de morte, confiou a seu amigo Max Brod que queimasse todos os seus escritos, que suas obras se tornariam um verdadeiro mito da literatura universal. A verdade é que, até recentemente, Kafka era um autor silenciado e proibido em certos países. Na Alemanha, não foi divulgado até depois da Segunda Guerra Mundial; algo semelhante aconteceu em seu país, a antiga Tchecoslováquia e em outros estados da Europa Oriental. No entanto, a força e a dimensão de seu trabalho conseguiram unanimemente interessar os críticos e a maioria dos artistas dos séculos XX e XXI: escritores, pintores, músicos, diretores de cinema etc. Quando a tuberculose acabou com a vida frágil do escritor, ele tinha apenas 41 anos e seus trab...

Boletim Letras 360º #341

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Assim como todas as postagens na web do Letras saíram a grande improviso e custo, este boletim foi realizado na desconfortável área de uso comum do Aeroporto de Guarulhos. Estamos em trânsito e, por isso, a edição do Boletim Letras 360º deste sábado não trará as seções extras de sempre: Dicas de Leitura, Vídeos versos e outras prosas e Baú de Letras. Mas, a seguir todas as notícias apresentadas durante a semana em nossa página no Facebook. Boas leituras! Novos detalhes sobre a edição brasileira de Arquipelágo Gulag . O li vro sai em outubro de 2019.  Segunda-feira, 26 de agosto Considerado o primeiro romance da emigração italiana,  Em alto-mar , de Edmondo De Amicis ganha nova edição por aqui. O livro de Edmondo foi lançado na Itália em 1889 e teve dez edições em apenas duas semanas: um verdadeiro Best-Seller. Em Alto-Mar  é o relato da travessia que De Amicis fez do porto italiano de Gênova ao de Montevidéu, em 1884. Toda a narrativa se passa a bordo...