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Doris Lessing ou a liberdade da palavra

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Por Alicia García Ruiz Existe uma lista de pensadoras de caráter indomável que há algum tempo ocupam muitos dos meus exercícios de leitura. A mais recente de todas elas foi Doris Lessing, e fiquei particularmente impressionada com sua defesa ardente de um tipo de temperamento político cujo cultivo consiste em exercer uma inabalável liberdade de julgamento, liberdade com a qual a autora, cuja biografia é tão complexa em nuances políticas e morais, atira tanto à esquerda quanto à direita, tanto tiranos quanto a troianos.  A voz de Lessing atrai inevitavelmente por sua grande distância daquelas que atualmente são celebradas ou autoproclamadas como vozes críticas, porque muitas vezes são carregadas de traços infantis e narcisistas, quando não ultrapassados e reacionários, que fazem com que a palavra “crítica” pareça algo imposto, quase um disfarce de opereta. O verdadeiro crítico raramente na história gozou da possibilidade de se mostrar como um estilo de vida d...

O mar, o mar, de Iris Murdoch

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Por Pedro Fernandes “Se existe um tormento mental inútil maior do que o do ciúme, este é, talvez, o remorso. Mesmo os sofrimentos de uma perda podem ser menos dolorosos; e, naturalmente, essas duas agonias se aliam, como agora acontecia comigo. Digo remorso, não arrependimento. Creio que nunca senti arrependimento de forma pura; talvez ele não exista em forma pura. O remorso implica a culpa, uma culpa sem remédio nem esperança, para cuja lancinante mordida não há cura.” A constatação de Charles Arrowby – o narrador de O mar, o mar – pode muito bem servir de síntese para a longa narrativa que nasce no intuito de ser um livro de memórias e finda no que ele próprio designa, num dos vários arroubos metaficcionais, como uma novelesca autobiografia . Ciente da falibilidade das formas literárias e mesmo da inexistência de uma que assim possa designar sua escrita, poderíamos pensar na obra imaginada por essa personagem como um projeto fadado ao fracasso, como aliás, parece ...

A Herdade, de Tiago Guedes

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Por Maria Vaz A Herdade é ampla, apaixonante, um mundo fechado, cheio de simbolismos, longe de tudo e todos. Funda-se no apego à terra, à família, a um status quo que, à primeira vista, nada tem a ver com política instituída ou com protocolos impostos pela sociedade da época, muito embora existissem regras provenientes da filosofia imposta pela austeridade do pai de João, que este foi seguindo, sabemos lá se de forma determinada ou inconsciente e que se vai sedimentando ao longo da metragem do filme português realizado por Tiago Guedes. O filme começa com a ideia de que tudo acaba, de que tudo é finito. E que na sua finitude deparamo-nos com situações-limite e com a continuidade da vida dos que ficam. É nesse sentido que nos encaminham as primeiras cenas – ao pragmatismo da forma como o pai de João lida com a finitude da vida, com a morte, com o eterno devir antes de o relógio fixar os ponteiros num tempo paralisante. O que não quer dizer que as pessoas não sintam ou não...

O retorno “da menina que queria ser Deus”

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Por Laura Fernández Sylvia Plath (Boston, 1932-Londres, 1963) escreveu como se estivesse pintando, mas também como se encenasse, como se estivesse revivendo, como se pudesse recompor algo partido. O fato de ter escrito seu primeiro poema aos oito anos de idade, logo após a morte de seu pai – uma figura-chave de sua poesia, sempre representada por algo relacionado a abelhas, pois ele era um apaixonado pela apicultura – aponta a esse respeito. O mesmo acontece com A redoma de vidro . Seu único romance é um clássico do feminismo, sim, mas, acima de tudo, da literatura universal e de um niilismo apaixonado, nascido de uma neurose quase mística – ou o quão raro é ser um espectador de sua própria vida quando você não encontra sentido nela. Publicado apenas um mês antes de seu suicídio – tão morbidamente corriqueiro que pode condenar, e pode ter feito isso por muito tempo, tendo o seu trabalho apenas como um apêndice para sua pessoa infeliz e fascinante –, o trabalho retorna, em...

O entardecer de Peter Handke

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Por Miguel Morey “A terra nata está tomada pelos inimigos, desde sempre.” Peter Handke, Am Felsfenster morgens , 1998 1 Entre as características que inevitavelmente se destacam quando Peter Handke é apresentado ao público, ocupa o primeiro lugar sua vocação precoce como escritor, com igual ênfase nos dois aspectos. Assim, ele enfatiza tanto sua juventude incomum quanto a obstinação de sua vocação literária. Sua aparição pública como escritor, ele começa, data de quando tinha dezesseis anos; depois ele fala sobre sua estreia no ano 1966, com manifestações literárias diversas, incluindo um romance ( Die Hornissen ) e uma peça de teatro ( Der Jasager und der Neinsager ), e finda comentando sua intervenção inovadora no Congresso do Grupo 47, realizado naquele ano em Baltimore. O incidente é contado de várias maneiras, ainda que o clichê finde sendo o mesmo, o de um confronto com a velha guarda da literatura alemã e um desafio à literatura politizada e à fi...

Boletim Letras 360º #348

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O Letras in.verso e re.verso publica há 345 semanas as edições deste boletim que reúne as informações copiadas pela página do blog no Facebook: traços do mercado editorial com a literatura no Brasil, curiosidades e outros temas relacionados ao nosso circuito de interesses passam por aqui. Um informativo com notícias, acreditamos, melhores que as continuamente veiculadas noutras redes e nas mídias comuns. Boas leituras! A Editora Estação Liberdade publicará extensa parte da obra de Peter Handke. Segunda-feira, 14 de outubro A Editora Âyiné divulgou a primeira lista com as últimas publicações de 2019 . 1. Blues dos fins dos tempos , de Ian McEwan A humanidade sempre se deixou encantar pelas histórias que anunciavam sua destruição total: os últimos dias, o fim dos tempos, a extinção da vida no planeta. Hoje, a fantasia de um fim violento e coletivo ressurge nos movimentos apocalípticos: pacíficos ou belicosos, muçulmanos ou cristãos, mas todos capazes de influenc...