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O arado, de Zila Mamede

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Por Pedro Fernandes Zila Mamede e João Cabral de Melo Neto A obra de Zila Mamede começa a atravessar períodos fundamentais de sagração, ou melhor, se visitarmos sua biografia logo poderemos estender essa observação à própria poeta que, em 2018, alcançou o primeiro centenário. Ela nasceu em 1928 em Nova Palmeira, na Paraíba, e desde muito cedo foi viver no Rio Grande do Norte; tinha cinco anos quando chegou a Currais Novos, onde o pai trabalharia numa beneficiadora de algodão. Essa proximidade da família com o núcleo paterno está na base de seu périplo, mas este não findaria antes da crise na cultura algodoeira com a mudança do pai para Natal. Ele esteve envolvido com a organização estadunidense de uma base de suporte para os Aliados; a nova mudança se deveu a isso. Atravessávamos o difícil tempo da Segunda Guerra Mundial. Mas, Zila, porque sempre envolvida pela sua independência, ainda viveu em João Pessoa e no Recife e só se fixa em definitivo em Natal aos vinte an...

Louis-Ferdinand Céline e outros infortúnios nacionais

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Por Rebeca García Nieto “Devemos, podemos celebrar Céline?” Com essas palavras começava o texto que o crítico literário Henri Godard escreveu a pedido do Ministério da Cultura francês para prestar homenagem ao escritor no quinquagésimo aniversário de sua morte. O texto em questão não foi publicado; portanto, quando nem sequer foi levantada, a pergunta foi respondida por conta própria. O escritor foi removido da lista de homenageados oficiais. A razão? “Céline é um excelente escritor, mas também um perfeito bastardo.” A frase foi dita pelo então prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, dando o assunto por encerrado. Para Vargas Llosa, a decisão não pareceu correta, mas não devemos esquecer que não se tratava de conceder a ele um prêmio literário (nisso os franceses foram bastante tacanhos com Céline, nem sequer lhe deram o Goncourt em 1932 quando Viagem ao fim da noite estava na lista), mas de uma homenagem oficial, isto é, política. Há alguns meses, o escritor volto...

Salinger ou a adolescência

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Por Christopher Domínguez Michael Talvez fosse necessário proceder como o próprio Jerome David Salinger (1919-2010), quando ordenou que as quartas capas de seus livros não carregassem qualquer informação fornecida sua nem pelo editor, e voltássemos a lê-lo ou relê-lo, porque O apanhador no campo de centeio (1951) é um dos romances mais bonitos dos já escritos no século passado e, significando quase tudo, permite dispensar qualquer comentário. Durante anos, fiquei mais interessado na lenda Salinger do que em seus livros, porque o chamado – por Étiemble ou por Gracq – de “escândalo Rimbaud” é um bom tema. Por que a modernidade e seus adiamentos se surpreendem com o silêncio repentino ou a reclusão de autores como Rimbaud ou o próprio Juan Rulfo, quando antes do romantismo o ofício artístico era simplesmente abandonado por razões quaisquer? Não tendo ocorrido a morte retórica do autor tal como interpretou Barthes, o desaparecimento do artista de cena numa era de hip...

João Cabral de Melo Neto e os campos tristes de Málaga

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Por Lucas Martín O vento soprava com uma marcha ruidosa, esmorecida, sobre o canavial comum. Havia ao fundo um verão com lagartixa. O sol insuportável golpeando rudemente, com esse ritmo de umidade decadente que deixa a natureza em Málaga com a síndrome matojo peleón , embutida como uma ilhota. O poeta João Cabral de Melo Neto, em seu traje diplomático, metade sábio crioulo, metade coquetel de penas amarelas, deveria parecer, pisando nos campos, uma espécie de perversão colonial olhando a trama do novo mundo que no fundo era o velho, sobrepondo aos tons do Brasil seu português feito de pensamentos da Europa e das águas dos rios. Despertado pela paixão cigana, com uma lança de flamenco ainda ardendo no estômago, o escritor viu a paisagem da Costa del Sol e teceu um mapa impossível de associações e contrastes com o seu Pernambuco natal, onde, para crescer, até os esgotos estão dispostos a se deixar mimar pela chuva e um dia se tornar orangotangos. De sua visita a Mála...

Boletim Letras 360º #356

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Todos os anos nós publicamos uma lista com os melhores livros lidos segundo os nossos leitores. No início da semana, disponibilizamos através das redes sociais do blog, um formulário para que você possa fazer parte desse momento ao nos dizer qual foi sua leitura mais marcante em 2019. Para participar, basta ir aqui e informar nome completo, sua cidade, o título do livro e uma justificativa ressaltando, por exemplo, as qualidades e o porquê da recomendação. As listas de Melhores do Ano chegam online até o final do mês de dezembro. A seguir, as notícias divulgadas durante a semana em nossa página no Facebook.  Quatro títulos da obra do dramaturgo irlandês Tom Murphy chegam ao Brasil. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 9 de dezembro Nova edição brasileira de  Um, nenhum e cem mil , de Luigi Pirandello . Para Vitangelo Moscarda, tudo começa com uma observação de sua esposa quanto ao seu nariz. Ele é acometido de uma intensa perplexidade ao...

Milan Kundera, o apátrida que vive na literatura universal

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Por Jesús Ruiz Mantilla Milan Kundera. Foto: Gisèle Freund Nos romances de Milan Kundera, você raramente lê a palavra Tchecoslováquia. Tampouco algo que venha do lugar. Por outro lado, não há autor vivo que tenha retratado melhor a alma efêmera de um país que mal resistiu ao seu próprio nome por setenta anos. As figuras que povoam seu mundo pertencem à Boêmia. O que também é algo redutivo para alguém que nasceu na Morávia: especificamente em sua capital, Brno, em 1º de abril de 1929. Convenhamos que, a partir da soma de ambas as terras, junto com a Silésia, existe hoje o que conhecemos como República Tcheca e que Kundera procede dessa convenção territorial, além de ter usado essa língua para criar a maioria de suas obras-primas. É apenas por isso, não porque esteve retido da nacionalidade e do seu passaporte roubados em 1979 e que seus compatriotas, não isentos de vergonha e pedindo perdão, fizeram retornar para as mãos do escritor. O episódio recente se deu na intimi...