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O lobo, de Joseph Smith

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Por Pedro Fernandes Joseph Smith ainda não foi, ao menos até o início de 2020, assimilado pela web . Uma pesquisa sobre sua biografia e outros trabalhos só é possível quando percorremos uma variedade de designativos em língua inglesa. No extenso labirinto virtual, seu nome é apagado pelo mesmo substantivo próprio que designa o famoso líder religioso estadunidense fundador do mormonismo. A confusão parece que não é gratuita, porque a obra do escritor que nasceu na Inglaterra e vive atualmente na França tem construído desde o seu primeiro romance, The Wolf , uma legião de leitores fascinados com sua perspicácia para a fábula. O livro escrito a partir da leitura do compêndio de Barry Lopez sobre a vida dos lobos e a relação desses animais com o meio e o homem, incluindo sua presença no imaginário mítico e coletivo dos povos – Of Wolves and Men –, ganhou projeção no mundo inteiro, sempre ressaltado como uma poderosa metáfora ou mesmo alegoria sobre nós mesmos e nossa exi...

História de um casamento, de Noah Baumbach

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Por Pedro Fernandes Aqueles que guardam sua predileção pelo cinema europeu (no meu caso, não escondo a predileção pelos franceses) não deixarão de lamentar depois de ver ao filme de Noah Baumbach que o enredo não tenha sido executado pelos mestres do drama cinematográfico. A razão é simples: trata-se de um objeto que reúne todas as condições para ser um grande filme, mas a inaptidão para a narrativa, famosa entre os estadunidenses, rouba tal possibilidade e o que assistimos é apenas um dramalhão no melhor estilo Sessão-da-tarde , para utilizar um designativo popular entre nós sobre filmes que poderiam ser melhores. É de um sueco um trabalho que recupera a premissa de Noah Baumbach. De quase quatro décadas antes, Cenas de um casamento , de Ingmar Bergman, é, possivelmente, a melhor versão sobre o tema explorado neste filme de 2019. O diretor estadunidense sabe disso e não deixa de render vênias ao clássico não apenas na relação paratextual firmada pela assinatura do enre...

O primeiro roteiro escrito por Gabo

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Por David Marcial Pérez Cansado do jornalismo e com a esperança de conseguir melhor proveito de sua paixão pelo cinema, Gabriel García Márquez chegou ao México em 1961. Carlos Fuentes estava há quatro anos casado com uma atriz, Rita Macedo, era íntimo de Luis Buñuel e já havia dado seus primeiros passos nessa seara escrevendo algum curta. Enquanto isso, Juan Rulfo, dez anos à frente e com suas duas grandes obras publicadas, era o mais envolvido com o meio da época: havia filmado com María Félix e escrito roteiros para Indio Fernández. Tomados por uma espécie de febre do ouro, a flutuante indústria cinematográfica mexicana não apenas atraiu aos três gigantes da literatura, como os colocou para trabalhar juntos. Tudo se forjou no “castelo do Drácula”, como chamava Gabriel García Márquez a sede da produtora de Manuel Barbachano. Aí, nas tertúlias do escuro casarão da capital e da mão de seu compatriota colombiano Álvaro Mutis, o recém-chegado entrou em contato com exilados e...

Benito Pérez Galdós, o sublime observador

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Por Rafael Narbona Benito Pérez Galdós fez o possível para ser um homem destituído de biografia. Leopoldo Alas chegou a duvidar que o escritor canário não tivera mais história que a de suas criações. “Sim, as terá. Mas as tem sob sete chaves”. Eugenio d’Ors elogiou essa discrição: “Nada sabemos sobre tu, Galdós misterioso. E na verdade nesse desconhecimento nosso esconde-se tua mais perfeita obra de arte”. Tímido, discreto, afetuoso, apaixonado pelas mulheres mas com medo de compromissos, amante das crianças e dos animais, cortês, calmo e sem pretensiosismos, mas nem todos os que viveram com ele o recordam como uma pessoa fácil: “embora bondosamente afável – comenta Antonio Maura – era seco, frio, reservadíssimo”. Desde sua morte em Madri a 4 de janeiro de 1920 se escreveu uma infinidade de biografias. Até a presente data, a mais completa e exaustiva é a de Pedro Ortíz-Armengol ( Vida de Galdós , 1955), cuja densidade narrativa evoca a atmosfera dos melhores “romances es...

Boletim Letras 360º #363

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DO EDITOR 1. Desde a edição passada introduzimos outras modificações na organização desta publicação. Criado há 360 semanas, muito tempo depois de estarmos acessíveis através do Facebook, o Boletim Letras 360º reúne as publicações que passam pelo mural desta rede. O princípio foi sempre o mesmo: trazer numa postagem mais acessível o que no ambiente das redes é fugaz numa alternativa a fim contornar as limitações oferecidas pelo FB com o direcionamento de conteúdo. Até o final do ano para o blog, organizávamos esse material pela ordem do dia de aparição no mural. 2. Quando ingressamos em 2020, entre a dúvida de manutenção ou extinção deste BO, decidimos oferecer novas alterações; antes introduzíramos novas seções e agora passamos a organizar o conteúdo das postagens pelo que ficam designadas entre os nossos interesses. Isso se dá, além da novidade, pelo reduzido investimento que iniciamos para com o FB e a contínua aleatoriedade dos registros. Outra novidade é que as notícia...

O judaísmo de Franz Kafka

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Por Gustavo D. Perednik Quando abordamos a obra de um escritor universal com o intuito de reconhecer as relações que sua arte mantém com o judaísmo, restam, geralmente, duas alternativas. Ou revisamos sobre qual papel desempenham em sua obra a tradição e o pensamento judaicos, ou nos fixamos em responder qual o comportamento de suas personagens judaicas, de que maneira essas assumem sua identidade. Assim, a opção é desvelar o tipo de cultura judaica presente na obra, ou examinar a identidade judaica, o judaísmo das personagens. O primeiro interesse é mais comum em autores como James Joyce, Jorge Luis Borges; o segundo, em William Shakespeare ou Charles Dickens. Se o autor é judeu, em geral a análise tende a ser dupla. Mas, no caso de Franz Kafka (1883-1924), essa dupla análise (de judaísmo e de judaico) pareceria impossível porque nem mesmo a palavra judeu não figura em sua rica narrativa. O escritor nos confronta com um dilema: apesar da ausência de personagens judia...