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O teatro do mundo (Parte 3)

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Por Felipe de Moraes  © John Nicholson Arte sem Arte (?) Vimos como pode ser sofisticada a malha de imagens que padre Antônio Vieira constrói em seus textos, servindo-se dos mais requintados e complexos artifícios retóricos que a condição de seu tempo histórico facultava praticar. Vimos como seus sermões estão moldados segundo uma ótica que além de adotar uma forma estética “culterana” e ornamentada, está imbuída de um pragmatismo que, no século XVII, podemos chamar de “modelo sacramental”. Alcir Pécora comenta da seguinte forma: “Considerado em seus termos básicos, o sermão católico que organizava a fé do Novo Mundo atinge seu apogeu ao longo do século XVII e ordena-se segundo um modelo sacramental, que supõe a projeção permanente de Deus nas formas de existência do universo criado. Aqui, não se pode interpretar o mundo nem recusando-se a sua natureza particular, nem supondo a autonomização da história face ao divino.” (PÉCORA, 2014, p. 62) Como di...

Boletim Letras 360º #374

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DO EDITOR 1. Esta foi uma daquelas semanas ainda mais pesada; não foi apenas o contínuo cenário de morte que se tornou recorrência nos nossos dias pela COVID19 com cifras cada vez mais elevadas, desprezando-se, no caso do Brasil, país entregue à própria sorte, os números de subnotificações. 2. A semana foi mais pesada pela morte de três escritores que produziram, cada um à sua maneira, obras de significativa importância para a literatura: os brasileiros Luiz Alfredo Garcia-Rosa e Rubem Fonseca e o chileno Luís Sepúlveda – este em decorrência de complicações do Coronavírus. Saiba mais sobre eles nas notas seguintes. 3. Ante tais perdas, os leitores órfãos devem sempre se guiar por duas certezas: restou a obra e para nós a responsabilidade de lê-la, comentá-la e levá-la adiante. Por isso, foi estendida a lista na seção Dicas de Leituras. Não deixe de vê-la. É nossa maneira de não deixar que essa página se sobreponha com notícias tristes. 4. Aqui seguimos. Com o conteú...

Para tempos de isolamento: Daniel Faria

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Por Paula Luersen Daniel Faria. Foto: Augusto Baptista Repito que vivo enclausurado na agilidade de um animal nascido Correndo ao lado dele, correndo para ele – era assim Que eu queria que fosse a linguagem veloz: Uma casa para a infância com trepadeiras Para que as palavras ficassem como frutos no alto. Repito a corrida na memória quando estou parado Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto Do amor. Sei que estou em viagem na palavra que se move. Repito o trajecto para ver o poema de novo – era assim Que eu queria que fosse a linguagem de uma coisa amada Correndo ao meu lado, correndo para mim no mecanismo violento Do amor. Era nele que eu queria a casa com trepadeiras Onde as palavras ficassem silenciosas e altas como um pátio interior * Os dias de isolamento me trouxeram novamente os poemas de Daniel Faria. Em especial, o título de uma das s...

Pela noite, de Caio Fernando Abreu

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Por Pedro Fernandes Caio Fernando Abreu. Foto: Louis Monier  A eterna solidão de um romântico fora do tempo. Esta frase bem poderia ser lida como uma síntese mais ou menos coerente sobre a obra de Caio Fernando Abreu e, por extensão, constituir um designativo da natureza do próprio escritor. Se fôssemos em busca de uma arqueologia de sua formação, certamente encontraríamos em sua base, entre outras influências evidentes (algumas delas inscritas vivamente ou disfarçadas na sua obra), Clarice Lispector e Hilda Hilst. Da primeira, emulou a lida com o interior e as consciências em estágio de perturbação pelo passado ou pelo iminente; da segunda, certo apelo para o corporal, os fluxos do desejo e das liberdades de sentir. A apropriação dessas duas escritoras se perde no embuço que vestiu para trazer ao centro do literário situações e figuras condenadas ao silenciamento e, se apresentadas, tomadas pelo risível ou pela degradação punitiva de uma ordem que apesar de abrigá-l...

Retrato do escritor como um amigo

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Por Juan Cruz Natalia Ginzburg. Foto: Marka / Reprodução Existem livros que alguém adota como se fossem amigos órfãos. Eles nascem, crescem, se reproduzem, criam outros livros ou outras referências e, assim, tornam-se novos para quem os lê. Mas quando você os descobre, eles são livros singulares que não precisam de nada de você, saem das estante e alcançam as mãos de pessoas que, provavelmente, os amarão da mesma maneira que você, ou até mais, e farão uma melhor leitura, distribuirão uma maior alegria, pois ler é alegrar-se, como quando você se sente feliz com o filho (ou o neto) que, inesperadamente, se mostrou sábio. Nessa adoção do livro, é claro, há uma apropriação indevida, à qual incorro muitas vezes. De uma maneira muito particular, com esses dois cuja adoção me levou a fazer propaganda. São Flores en las grietas ¹, de Richard Ford, e As pequenas virtudes , de Natalia Ginzburg. Os dois livros têm textos que dão as mãos e é isso o que realmente me levou a me ent...

O lume das recordações: Uma leitura do romance “Coivara da memória”, de Francisco J. C. Dantas

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Por Flaviana Silva Reconhecer a grande marca estabelecida pelo romance de 1930 nas produções dos autores do Nordeste é essencial para viajar pelas obras que nomeamos como sendo contemporâneas. Após a leitura de Coivara da memória é prudente ter em mente que essa influência ainda “arde” positivamente em nossa arte literária. Diante desse livro de estreia do autor Francisco J. C. Dantas, cabe ao leitor sentir o aroma da terra e viajar em um enredo intrigante, guiado por uma originalidade singular.   O romance foi publicado em 1991 e logo a escrita do seu autor comparada a de Guimarães Rosa; não é exagero. O que encontramos nesta obra é uma construção interessante; e, apesar de elementos em destaque, como a descrição do espaço, por exemplo, ela não permite generalizações. A tessitura da narrativa é cheia de desconstruções em relação ao tempo e às personagens e se fundamenta entre contrastes que cercam questões ideológicas e culturais. O narrador é um a...