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Cansados de esperar o fim: a extinção humana segundo a ficção científica

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Por Grace Morales Uma geração passa e outra chega, mas a terra é sempre a mesma. Eclesiastes 1: 4 J.M.W. Turner,  The Deluge .  No princípio, foi criado o fim. Qualquer religião que se preze tem um evento em que a vida da comunidade desaparece de forma abrupta, violenta e espetacular. Este evento já pode ser prefixado ou causado pela ira dos deuses, pela estupidez dos seres humanos e vir com um desastre ecológico ou uma grande guerra. Todos os fatores podem ocorrer de uma só vez: tempestades de fogo, anjos justiceiros do espaço sideral, a terra que se abre... O apocalipse é certamente o conceito mais popular da nossa história. Alegramo-nos, como as criaturas finitas e supersticiosas que somos, sonhando com eventos terríveis que culminarão no desaparecimento de nossa espécie. Triste consolo à nossa condição, mas que gerou uma quantidade imensa de literatura e produtos de entretenimento – filmes, quadrinhos, televisão, música – para desfrutar do sofri...

Stoner, de John Williams

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Por Pedro Fernandes Quando a obra continuamente negada em seu tempo alcança o reconhecimento tardiamente uma das justificativas sempre repetidas é que ela não estava ao alcance dos leitores de então. No Brasil, por exemplo, essa complicada constatação é sempre oferecida em relação à literatura de Clarice Lispector. No país natal de John Williams, a compreensão se repete com frequência em torno de obras como Moby Dick , de Herman Melville, ou da literatura de Raymond Carver ou do próprio autor de Stoner só redescoberto meio século depois da sua morte. Sua chegada por essas terras só foi possível nessa febre tardia em torno do romance e da obra do escritor do Texas. Mas, a justificativa não é apenas complicada; é ainda uma daquelas mentiras fabricadas pela crítica – talvez inconscientemente – para não admitir sua falta de sensibilidade ou mesmo a esconder certa implicância proposital em torno de determinados criadores. Não é possível acreditar plenamente na ideia de ob...

A par das aparências

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Por Wagner Silva Gomes Com capítulos que desfecham em compromisso com os direitos humanos, a assistência social e o humanismo, com crítica social em prol da almejada cidadania, o autor Maxwell dos Santos nos alerta, o leitor vai atravessá-los olhando fixo para a realidade, mas a tocando e a sentindo, pois há de fazê-lo subjetivamente, sem vícios de reduções para o politicamente incorreto e muitas das vezes para o politicamente correto, pois é axial a literalidade. É com o olhar apurado para as possibilidades de sentidos gerados pela trama que o escritor nos mostra na novela Um prato de ódio (2020)¹ como chegar de igual em uma cidadania desigual.  Entrando propriamente no livro, percebe-se que se está a depender da parábola mental que, embora em linha real, depende dos desvios hegemônicos da cultura branca, eurocêntrica, estadunidense, que nos mostra consumo ao invés de resiliência, aparência ao invés de parência, e assim nos torna a par, isto é, não dado ao próximo,...

Cascatas de uma torrente rememorada: reflexos de (in) lucidez em A Paixão Segundo Constança H.

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Por Antonio Bezerra de Mesquita e Verônica Martins da Silva Maria Teresa Horta. Foto: António Pedro Ferreira “Mas é como se, na imagem antes reflectida do meu corpo nesse espelho que perdi, eu recuperasse a minha imagem entretanto igualmente perdida”.  Maria Teresa Horta.  Manuel Bandeira certa vez disse que almejava o lirismo dos loucos¹, projetando este como uma das forças motrizes ao seu exercício poético, isso em circunstâncias de mais um dos seus arroubos metalinguísticos já consuetos em sua obra. É das palavras desse poeta que extraímos uma reflexão primeira para a feitura deste ensaio, que é a robustez semântica que o símbolo da loucura exerce à Literatura, sendo evocada, amiúde, em obras de diversos autores e em diferentes momentos da história.  Esperamos que esteja recente à mente de todos o caso de um Machado de Assis, conjurando a imagem da insanidade personificada à figura do Dr. Simão Bacamarte no conto  O alienista  (188...

O teatro do mundo (Parte 3)

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Por Felipe de Moraes  © John Nicholson Arte sem Arte (?) Vimos como pode ser sofisticada a malha de imagens que padre Antônio Vieira constrói em seus textos, servindo-se dos mais requintados e complexos artifícios retóricos que a condição de seu tempo histórico facultava praticar. Vimos como seus sermões estão moldados segundo uma ótica que além de adotar uma forma estética “culterana” e ornamentada, está imbuída de um pragmatismo que, no século XVII, podemos chamar de “modelo sacramental”. Alcir Pécora comenta da seguinte forma: “Considerado em seus termos básicos, o sermão católico que organizava a fé do Novo Mundo atinge seu apogeu ao longo do século XVII e ordena-se segundo um modelo sacramental, que supõe a projeção permanente de Deus nas formas de existência do universo criado. Aqui, não se pode interpretar o mundo nem recusando-se a sua natureza particular, nem supondo a autonomização da história face ao divino.” (PÉCORA, 2014, p. 62) Como di...

Boletim Letras 360º #374

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DO EDITOR 1. Esta foi uma daquelas semanas ainda mais pesada; não foi apenas o contínuo cenário de morte que se tornou recorrência nos nossos dias pela COVID19 com cifras cada vez mais elevadas, desprezando-se, no caso do Brasil, país entregue à própria sorte, os números de subnotificações. 2. A semana foi mais pesada pela morte de três escritores que produziram, cada um à sua maneira, obras de significativa importância para a literatura: os brasileiros Luiz Alfredo Garcia-Rosa e Rubem Fonseca e o chileno Luís Sepúlveda – este em decorrência de complicações do Coronavírus. Saiba mais sobre eles nas notas seguintes. 3. Ante tais perdas, os leitores órfãos devem sempre se guiar por duas certezas: restou a obra e para nós a responsabilidade de lê-la, comentá-la e levá-la adiante. Por isso, foi estendida a lista na seção Dicas de Leituras. Não deixe de vê-la. É nossa maneira de não deixar que essa página se sobreponha com notícias tristes. 4. Aqui seguimos. Com o conteú...