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Sérgio Sant'Anna, um esteta da língua dos raros na literatura brasileira

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Por Pedro Fernandes Sérgio Sant'Anna. Foto: Daniel Ramalho. Arquivo do Jornal Cândido. Em 2019, Sérgio Sant’Anna pode comemorar, sem alardes, os cinquenta anos de carreira literária; é bem verdade que, como todo grande escritor, a data é simbólica. Não apenas pelos sentidos nela implicados ― a tradição com a palavra e a dedicação a um ofício ―, mas por que através dela foi possível estabelecer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento de um universo, cujas fronteiras continuavam ainda em franca expansão.  “A cada nova obra, procuro fazer alguma coisa diferente. Do contrário, perderia a graça”, disse em 2018 ao jornal Cândido ; e sabemos que o escritor carioca seguia ativo na porfia da renovação literária. Na efeméride, a casa editorial que publicou a obra do escritor desde o fim dos anos 1980, reeditou por recomendação de uma amiga de Sérgio Sant’Anna, o romance Amazona . O livro sempre apresentado como uma ótima opção para o acesso ao trabalho criativo do mest...

Boletim Letras 360º #377

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DO EDITOR 1. Aqui está mais uma nova edição do Boletim Letras 360º. Esta publicação foi criada para o Letras há 374 semanas e reúne as informações disponibilizadas (ou não) na página do blog no Facebook. 2. Agora, mais ainda, reforçamos o pedido que se tornou universal: se puder, fique em casa. E estar em casa é sempre uma oportunidade de ouro para ler. Obrigado pela companhia e, boas leituras! A prosa breve de Bulgákov ganha edição no Brasil. LANÇAMENTOS O trabalho de vanguarda de Mihail Sebastian . A narrativa de Fragmentos de um diário encontrado é constituída em torno da figura de alguém que se entrega aos labirintos de circulação urbana em busca de algo tão perdido quanto indefinível: através das passagens desse diário o autor anônimo encarna o olhar do errante sobre a cidade. Obra de 1932, ambientada em Paris, escrita por Mihail Sebastian (1907-45), afinado com o caráter rebelde das vanguardas artísticas europeias das décadas de 20 e 30, que influ...

Um romance sobre nossa temporalidade fragmentada

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Por Rafael Kafka Já disse em outros textos meus, ali de meado de 2013-2014, quando estava afundado nas águas do realismo mágico, em especial nas obras de Julio Cortázar, que o realismo mágico é algo que me encanta, pois ao mesmo tempo que segue uma fórmula aparentemente simples na lógica, apesar de difícil execução – a mescla do real com o fantástico, resgatando o sentimento de absurdo – ele não possui regras fixas. Por conta disso, ao mesmo tempo que é possível reconhecer em autores como Cortázar, Llosa, García-Márquez elementos de proximidade bem claros, é impossível também não reparar nas diferenças abissais de estilo. O realismo mágico, depreendo do discurso de Gabo ao receber o Prêmio Nobel, é a linguagem que dá conta dos fatos e de sua lógica particular ocorridos na América Latina, algo que se torna mais evidente em momentos de pandemia combinados com a megalomania de um presidente déspota. Porém esses fatos assumem diferentes formas de exposição do real a parti...

As nuvens, de Juan José Saer

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Por Pedro Fernandes Juan José Saer. Foto: Ulf Andersen “Essa impressão de seres pintados que, desde minha infância, costumam dar-me às vezes os animais, talvez derive da impossibilidade que temos de pôr-nos no lugar deles, de imaginar o que se passa dentro deles e, ao mesmo tempo, exceção feita talvez aos cachorros, dessa espécie de indiferença enquanto indivíduos que lhes inspiramos, e que está presente tanto no pássaro que voa alto no céu quanto no cavalo que montamos ou no tigre que se prepara para devorar-nos. Excetuados seus atos exteriores de sobrevivência, são inacessíveis à nossa razão; é mais fácil para nós calcular os movimentos do astro mais remoto do que imaginar os pensamentos de uma pomba. Um grupo de borboletas em que todas fazem ao mesmo tempo, sem possibilidade de erro, o mesmo movimento mostra como são pobres nossas categorias de indivíduo e de espécie, e poucos conhecem o sentido da palavra exatidão se nunca viram um bando de pássaros revolutear sobre u...

Nossas noites, de Ritesh Batra

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Por Maria Louzada Kent Haruf escreveu o livro (a propósito deste autor, a renomada, inteligente e arguta autora Ursula K. Le Guin escreveu: “Pelo que eu saiba, a coragem e o nível que Haruf alcançou em sua exploração das formas simples de amor — o eterno estado de frustração, o custo de um longo prazo de lealdade, o conforto do carinho cotidiano — não têm iguais na ficção contemporânea.”). A Netflix produziu o filme.  Mais de cinquenta anos depois de terem estado juntos no sucesso das telas  Barefoot in the Park (Descalços no parque, 1967), Jane Fonda e Robert Redford se reencontram neste Our Souls at Night (Nossas noites, 2017). Ele aos 81, ela aos 79 anos. Eles haviam atuado juntos pela última vez em 1979, em um filme de Sydney Pollack, o western The Electric Horseman . Nossas noites é um filme para saudosistas? Ora, não se deve menosprezar o mérito maior do filme que é o de retratar um envolvimento entre duas pessoas que são viúvos, septuagenários e sol...

O que nos ensinam os grandes romances sobre a peste

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Por Orhan Pamuk Pieter Bruegel. O triunfo da morte , 1562, aproximadamente.  Desde há quatro anos estou escrevendo um romance histórico ambientado em 1901, durante o que é conhecido como a terceira pandemia de peste, um surto de peste bubônica que matou milhões de pessoas na Ásia, mas não tanto quanto na Europa. Nos últimos dois meses, amigos e familiares, editores e jornalistas que estão cientes do tema do romance, Noites de peste ¹ , me fizeram muitas perguntas sobre pandemias. O que move essa curiosidade é, sobretudo, as semelhanças entre a atual pandemia de coronavírus e os surtos históricos de peste e cólera. E há uma superabundância de relações. Em toda a história da humanidade e da literatura, no que as pandemias se assemelham não é apenas a coincidência de vírus e bactérias, mas o fato de que nossa primeira reação é sempre a mesma. A resposta inicial ao surto sempre foi negá-lo. Os governos nacionais e locais sempre demoram a reagir, distorcem os dados e...