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Clarice Lispector e Susan Sontag: furtos e abusos

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Por Guilherme Mazzafera Assim como muitos, li Clarice,  – a biografia que leva o nome de Benjamin Moser – com certo deleite e curiosidade. Creio que foi por volta de 2017, após tê-la comprado em uma das diversas promoções da finada Cosacnaify. Desconhecendo os importantes trabalhos precedentes de Nádia Gotlib ( Clarice, uma vida que se conta , Ática, 1995) e Teresa Montero ( Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector , Rocco, 1999), aprendi muitas coisas e apreciei sua estrutura e pendor narrativo. Em uma breve pesquisa, no entanto, as animosidades entre Moser e Gotlib ficaram evidentes, em vídeo e por escrito. Num primeiro momento, não levei a coisa muito a sério, entendendo o fato como um ranço natural, colonialista quase, de uma pesquisadora brasileira diante de alguém que faz (tardiamente) um trabalho semelhante ao seu com repercussão muito mais ampla simplesmente por tê-lo feito em inglês. Mas, ainda longe de descobrir o furto estrutural ...

Olga Savary

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Olga Savary. Foto: Daryan Dornelles A notícia sobre a morte de Olga Savary (Belém, 21 de maio de 1933) tardou a chegar às páginas dos jornais. Foi registrada no dia 15 de maio de 2020, divulgada no início da tarde do dia seguinte nas redes sociais, incluindo as do blog Letras in.verso e re.verso , e os registros mais antigos nos cadernos de cultura datam de depois das 20 horas; foi no jornal O Globo . Depois, os outros veículos replicaram as chamadas de mesmo tom modesto. As duas situações atestam algo que se reflete para além da triste crise que atravessa o jornalismo cultural no Brasil: o país desconhece a literatura e o trabalho da mulher que integra uma rica geração de criadoras na poesia, se considerarmos ao seu lado Hilda Hilst (1930 ― 2004) e Adélia Prado (1935 ― ), para citar as agora mais famosas, ou as esquecidas Zulmira Ribeiro Tavares (1930 ―2018), Lupe Cotrim (1933 ― 1970), Marly de Oliveira (1935 ― 2007), Myriam Fraga (1937 ―2016), Eunice Arruda (1939―2017),...

Boletim Letras 360º #378

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DO EDITOR 1. Alcançamos, ao acaso, mais uma semana. E com os velhos problemas de sempre. Descobrimos outro desafeto da gente ignorante que continua no trabalho coordenado e financiado de ampliar as fronteiras da escuridão no Brasil: depois de sabermos que ela adora um esculacho contra José Saramago e Chico Buarque, sabemos que o nome da vez é Sérgio Sant’Anna. Uma post publicada em nossa página no Instagram foi atacada por comentários de ódio que também chegaram a outros meios. 2. Reiteradas vezes incitamos a denúncia aos malfeitores; nós e todos os que contribuíram não alcançamos êxito até a manhã de fechamento da edição deste BO, o que nos leva a questionar a fragilidade dos administradores das plataformas virtuais numa ação efetiva contra o fascismo nesse início de século. Nossa presença em redes como o Instagram será reduzida: o impacto disso não interfere em nada no amplo poder exercido por este domínio, mas é uma maneira de não oferecer mão de obra gratuita para um gr...

Para tempos de isolamento: Uniões, de Robert Musil

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Por Paula Luersen “Deveríamos todos estar sozinhos com aquilo que acontece e, ao mesmo tempo, deveríamos estar juntos, mudos e fechados, como um recinto de quatro paredes e sem janelas que formam um espaço onde tudo pode acontecer realmente.” Gravura do livro Uniões                  Descrever o que o leitor encontrará em Uniões , de Robert Musil, é um grande desafio. Textos e livros costumam ser apresentados a partir de alguns modos já bastante conhecidos do público e os contos do livro resistem à maioria deles. Eu poderia dizer, por exemplo, optando por inserir Uniões entre as obras do autor, que o volume apresenta dois contos que constituem algumas das experimentações mais ousadas feitas pelo escritor austríaco. Diferentemente de O jovem Törless ou O homem sem qualidades , o autor parece abrir mão aqui de toda a mediação entre a visão das personagens principais e sua compreensão objet...

Dor fantasma, de Arnon Grunberg

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Por Pedro Fernandes Dor fantasma foi publicado em 2000 e cinco anos depois ganhou tradução no Brasil; na ocasião, Arnon Grunberg circulava por aqui com o premiado Amsterdã blues , seu primeiro romance. A boa recepção desse título certamente favoreceu a rápida aparição do romance em língua portuguesa; os editores saltaram outros dois títulos que separam as duas publicações. Os movimentos no mercado editorial são meio inconsequentes. Se não tardou nosso contato com dois livros de um escritor promissor, tardou a continuidade da chegada de sua obra, visto que, depois de 2005, esperamos mais de uma década para uma reentrada dos livros do holandês no nosso circuito com a apresentação de Tirza , O homem sem doença e Marcas de nascença . Fantoompijn ― é este o título original deste que é o quarto livro de Arnon Grunberg ― integra a longa lista dos romances que tematizam o escritor em crise. Mas, a falta de novidade temática nunca deve ser um elemento motivador que permit...

Uma leitura do poema “Encontro”, de Alejandra Pizarnik

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Por Caio Marques Peçanha Alejandra Pizarnik. Foto: Lucrecia Plat Alguém entra no silêncio e me abandona. Agora a solidão não está a sós. Tu falas como a noite. Te anuncias como a sede. (Alejandra Pizarnik, em Os trabalhos e as noites  / Tradução Davis Diniz) Antes de tudo, há o peso do suicídio. Pizarnik tirou a própria vida. E se Clarice Lispector disse em algum momento não ser capaz de perdoar o ato derradeiro de Virginia Woolf, pois o único dever diante do mistério seria o de seguir em frente, Alejandra nos coloca de joelhos para que deixemos ao menos a poesia em paz. Para tanto, é necessário resistir à tentação de considerar a obra da argentina enquanto expressão irredutível de um fatalismo. Neste sentido, despejando biografias na latrina, não hesitaria em dizer que os escritos de Lispector e Pizarnik sofrem e fazem sofrer de dor comum: a negatividade. O fundamental, todavia, é mostrar como a insurgência do acaso contra o sujeito, através de eventos ...