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Se a rua Beale falasse, de James Baldwin

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Por Pedro Fernandes Um romance não precisa dizer tudo. Está, muitas vezes, no que não se diz, a principal qualidade que favorece a grandiosidade de uma narrativa. O desfecho do drama Se a rua Beale falasse , de James Baldwin ― mergulhado de sugestões sobre o destino das duas famílias envolvidas no imbróglio narrado e uma tentativa de equilibrar as forças trágicas que se acentuam ponto a ponto no correr da narração ― demonstra a segurança de um escritor em pleno domínio dos estratagemas narrativos.   Mas, isso não é novidade. Quando este romance é publicado, em 1974, o escritor já havia realizado alguns dos seus mais reconhecidos trabalhos nesta forma literária; O quarto de Giovanni e Terra estranha , talvez dois dos seus melhores livros e por isso mesmo os mais conhecidos, já estavam à disposição dos leitores. O principal problema em Se a rua Beale falasse está no oposto do que se lê no desfecho da narrativa. É o excesso de contar. Uma desnecessária preocupaçã...

Marguerite, de Marianne Farley

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Por Maria Louzada   Nem sempre um prêmio do Oscar é a garantia de que você irá se encontrar diante do que pode realmente lhe agradar. Mas sobre Marguerite  ―  sendo um dos cinco finalistas do Oscar 2019 de Melhor Curta-Metragem de Ficção  ―  penso que a indicação se justifica plenamente, e tomara que leve mais pessoas a assistirem este belo momento da cinefilia. O curta-metragem canadense de 2017, quase que modulado em cena pelo silêncio nos seus 19 minutos de projeção que vai se desenrolando diante de nossos olhos, nos fala da delicadeza de sentimentos. É um tema sutil, intimista, reflexivo.  Trata-se de uma mulher idosa (Béatrice Picard) que está se reconhecendo na identidade interna de sua jovem enfermeira domiciliar (Sandrine Bisson). Um amor entre mulheres que não pôde ser reconhecido no passado e que no presente já pode se expandir mais. A identificação humana através do sofrimento das regras de uma sociedade vai desaguando numa pr...

O tempo de ontem e o tempo de André: lendo Lavoura Arcaica de Raduan Nassar

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Por Flaviana Silva Lavoura arcaica do escritor Raduan Nassar é um livro reservado para o visitante que tem fome de linguagem poética; não tem rodeios na prosa e nem doses de descrições sem sentido. A obra é o alimento perfeito para quando a vida cobrar uma porção exagerada de arte; é subjetiva, mas direta em sua forma singular. Esse romance é simplesmente uma ponte bem articulada entre a arte e o ser. O leitor é guiado para um tecido de memórias que envolvem uma família   residente no interior brasileiro através da narrativa de André, o jovem protagonista que por não conseguir lidar com o espaço de sua casa e com seus conflitos afasta-se dos seus pais e de seus irmãos para morar sozinho na cidade; o irmão mais velho não aceita a situação de tristeza da mãe após a partida do irmão e resolve buscá-lo. O encontro entre as personagens abre o romance destacando aspectos importantes como o tempo, o espaço e a vulnerabilidade humana diante dos próprios sentimentos. Não...

No seu pescoço, de Chimamanda Ngozi Adichie

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Por Jéssica Accioly Lins Chimamanda Ngozi Adichie, uma das vozes africanas mais reconhecidas e premiadas atualmente na cena literária mundial, vencedora do Orange Prize, pelo romance Meio sol amarelo , ganhou notoriedade em uma conferência da organização TED (Tecnologia, Entretenimento e Design), no ano de 2009. Na ocasião, ela proferiu o discurso intitulado O perigo de uma história única , em cujo escopo questiona os perigos da disseminação de uma única visão sobre a África e propõe, em sua fala, uma reflexão acerca da generalização de uma ideia preconcebida do continente africano. Em No seu pescoço , livro de contos traduzido por Julia Romeu e publicado pela primeira vez no Brasil pela editora Companhia das Letras em 2017, Chimamanda explora a ideia de “lugar de fala” ao abordar temáticas relacionadas à visão estereotipada do continente africano e, consequentemente, às experiências vivenciadas pelos seus pares. As doze narrativas que compõem o livro trazem à tona tema...

Boletim Letras 360º #380

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DO EDITOR 1. Outra edição do Boletim Letras 360º realizada nos tempos difíceis que atravessamos: uma doença que grassa um país sem governo e vamos escapando pelas margens com um livro na mão — até quando, não sei. Obrigado pela companhia com o Letras ! Abaixo está a cópia das notícias que fizeram a semana do blog na página do Facebook. Cornélio Penna. Dois livros mostram trabalhos até desconhecidos do público. LANÇAMENTOS Dois livros publicados pela recente editora Faria e Silva recolam em cena a variedade criativa de Cornélio Penna. 1. Antes de sagrar-se escritor, Cornélio Penna mostrou-se ao mundo como artista plástico e foi tema da crítica da época por suas exposições e pelas ilustrações que assinava nos principais suplementos culturais do país. Como artista sentia-se aprisionado em grades que ele mesmo acreditava ter construído, mas das quais revelava não conseguir se libertar, e esse sentimento se espelha em seus desenhos e pinturas, como poderemos ver...

New Orleans, Faulkner e o jazz

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Por Paula Luersen William Faulkner Enjoys New Orleans Jazz. Grayce DeNoia Bochak Não sabia para onde iria. Fui levada ao ponto de partida no escuro. Sabia que a saída estava marcada e era cedo, numa estação de trem em Atlanta. Mas não imaginava para onde correriam aqueles trilhos. Foi só chegar ao destino, porém, para descobrir que era o lugar certo para encerrar 2016, antes mesmo de o calendário decretar seu fim. O problema é que o arrastar do ano tinha esgotado todo o meu desejo, toda a minha vontade. O que eu sentia era tristeza bruta que se agravava nos muitos momentos em que me via sozinha. Polarização política. Burrice institucionalizada. Instabilidade emocional. Demonstrações vazias de autoridade, de um lado; retórica do sacrifício, do outro. Intolerância soando no seu tom mais agudo, a ponto de tomar as ruas, a casa dos tios, a universidade, o pátio da vó e, às vezes, perigosamente, se incrustar pelos cantos do meu apartamento. O desânimo sentava à mesa, se este...