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O desejo póstumo de E. M. Forster

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Por Edu Bravo E. M. Forster, 1947. Foto: Bill Brandt No dia 9 de junho de 1970, o correspondente da ABC em Londres enviava uma nota telefônica informando sobre a morte do escritor E. M. Forster, acontecida dois dias antes no King’s College de Cambridge, prestigiada instituição educativa na qual o escritor havia estudado quando jovem e onde resida desde 1961. Entre outras coisas, o texto ressaltava que Forster era um dos romancistas ingleses mais importantes do século XX, que estava em todas as listas de grandes escritores contemporâneos e, ainda que talvez não encabeçasse essa relação, “ninguém discute seus méritos para figurar nela”. Um fato que, por sua vez, era surpreendente para o jornalista porque “essa honra foi assegurada com apenas cinco romances, alguns contos e vários ensaios. Uma produção literária muito breve para o talento de Forster e sua longevidade. No dia primeiro de janeiro havia completado noventa e um anos.” Quando o redator se referia a cinco ...

Charles Dickens: Carlitos, McCartney e o Natal

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Por Carlos Zanón Robert W. Buss, Dickens's Dream , 1875. Tal como Carlitos ou McCartney dos Beatles, Charles Dickens foi uma celebridade universal. Desde sua aparição com apenas 25 anos de idade, agradou a todos. Como os dois primeiros, foi impossível de detê-lo e tinha consigo o dom da oportunidade. Os três estiveram no momento preciso ante o clique: Dickens, o da fotografia; Chaplin, o do cinema; e McCartney e os seus, ante a televisão e os toca-discos compactos. Eram reconhecíveis, assediados, procurados, exigidos e adorados. Forças autônomas, em aparência inesgotáveis, que vinham de onde não deveriam ter saído ― da pobreza, da orfandade, do outro lado da lei ― para chegar aonde, sem saber como, ao que lhes esperava. Hoje não é possível imaginar um mundo sem eles. Entusiasmo, criação, absoluta liberdade ante a contenção já são ante a denúncia, o bom gosto, o vulgar, o genial, a não impossível conexão entre o popular e o erudito. Em Dickens o imigrante não quer ...

Boletim Letras 360º #381

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DO EDITOR 1. Cara leitora, caro leitor, obrigado pela companhia com o Letras . Abaixo estão as notícias divulgadas durante a semana em nossa página no Facebook e a atualização das demais seções deste Boletim com as recomendações de leitura, assuntos de arredores do campo de interesse do blog e a sugestão de visita a algumas das publicações apresentadas aqui. Boas leituras! Alejandra Costamagna. Dois romances marcam a chegada da obra da escritora chilena ao Brasil.  LANÇAMENTOS Livro vencedor do Booker Prize em 2019 chega aos leitores brasileiros . Jokha Alharthi é autora de uma obra que foi a primeira em língua árabe a receber o Booker Prize. A escritora de Omã teve seu livro inscrito no prêmio depois de ser, também, a primeira omanita a ter traduzido uma obra para o inglês. Com o título de Damas da lua , o romance chega ao Brasil em julho, com tradução direta do árabe de Safa Jubran. Situada num vilarejo de Omã, a narrativa é uma saga familiar a partir...

O teatro de Gógol

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Por Joaquim Serra Ao ler O inspetor geral devemos sempre ter em mente a epígrafe da peça: a culpa não é do espelho se a cara é torta. Tudo começa da pior maneira possível. O prefeito recebe uma carta dizendo que um inspetor fará uma visita à cidadezinha a fim de fiscalizar os serviços. Diz a carta do amigo que lhe informa o fato inesperado: “como sei que você, como todo mundo, tem lá os seus pecadilhos, pois você é um homem inteligente e não gosta de deixar passar o que lhe cai nas mãos... então aconselho tomar precauções”. Para o leitor acostumado com as personagens do universo gogoliano, os pecadilhos do prefeito e do alto escalão reunido daquela cidade muito provavelmente não é algo tão delicado como a palavra sugere. Todos se acusam já nas primeiras páginas. O leitor sabe logo o que precisam maquiar – quase todo o dia a dia – daquela cidade para receber a visita ilustre. Como disse Shakespeare sobre a consciência culpada: o ladrão vê em cada sombra um policial. Bób...

Se a rua Beale falasse, de James Baldwin

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Por Pedro Fernandes Um romance não precisa dizer tudo. Está, muitas vezes, no que não se diz, a principal qualidade que favorece a grandiosidade de uma narrativa. O desfecho do drama Se a rua Beale falasse , de James Baldwin ― mergulhado de sugestões sobre o destino das duas famílias envolvidas no imbróglio narrado e uma tentativa de equilibrar as forças trágicas que se acentuam ponto a ponto no correr da narração ― demonstra a segurança de um escritor em pleno domínio dos estratagemas narrativos.   Mas, isso não é novidade. Quando este romance é publicado, em 1974, o escritor já havia realizado alguns dos seus mais reconhecidos trabalhos nesta forma literária; O quarto de Giovanni e Terra estranha , talvez dois dos seus melhores livros e por isso mesmo os mais conhecidos, já estavam à disposição dos leitores. O principal problema em Se a rua Beale falasse está no oposto do que se lê no desfecho da narrativa. É o excesso de contar. Uma desnecessária preocupaçã...

Marguerite, de Marianne Farley

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Por Maria Louzada   Nem sempre um prêmio do Oscar é a garantia de que você irá se encontrar diante do que pode realmente lhe agradar. Mas sobre Marguerite  ―  sendo um dos cinco finalistas do Oscar 2019 de Melhor Curta-Metragem de Ficção  ―  penso que a indicação se justifica plenamente, e tomara que leve mais pessoas a assistirem este belo momento da cinefilia. O curta-metragem canadense de 2017, quase que modulado em cena pelo silêncio nos seus 19 minutos de projeção que vai se desenrolando diante de nossos olhos, nos fala da delicadeza de sentimentos. É um tema sutil, intimista, reflexivo.  Trata-se de uma mulher idosa (Béatrice Picard) que está se reconhecendo na identidade interna de sua jovem enfermeira domiciliar (Sandrine Bisson). Um amor entre mulheres que não pôde ser reconhecido no passado e que no presente já pode se expandir mais. A identificação humana através do sofrimento das regras de uma sociedade vai desaguando numa pr...