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Gregório de Matos: preso e morto por crime de poesia

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Por Joaquim Emídio A literatura em língua portuguesa ganhou em Novembro de 2014 um livro de Ana Miranda intitulado Musa praguejadora. A vida de Gregório de Matos . Encontrei o livro no início de 2020 numa livraria de Fortaleza, onde não ia há quase 20 anos, e tive oportunidade de ler as suas 555 páginas demoradamente, durante duas semanas, rendido à escrita magistral e admirável de Ana Miranda. Não sei se há por aí livro que rivalize com Musa praguejadora , biografia romanceada que conta a vida de Gregório de Matos, e é um retrato admirável da História de Portugal e do Brasil do século XVII, retrato de mulheres da época que foram amadas e rejeitadas até ao tutano, da mesma forma apaixonada e violenta como era o espírito e a natureza de Gregório de Matos; história de guerras físicas e verbais que recordam, pelo prazer da leitura, páginas de Camilo, Aquilino, Eça, Ricardo Jorge e, mais lá para o tempo de Gregório de Matos, o Padre José Agostinho de Macedo. Não me estou ...

A recusa das utopias

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Por Davi Lopes Villaça Joan Miró. Mulher e cachorro diante da lua (1936). Aldous Huxley e George Orwell escreveram os mais célebres romances distópicos do século passado, buscando expor, na imagem de sociedades futuras, as tendências de seu próprio presente. Em 1984 , Orwell apresentou uma realidade miserável, administrada por um regime totalitário no qual o leitor de 1949 podia reconhecer traços dos recém-derrotados regimes fascistas e do stalinismo ainda vigente; vale lembrar: para Orwell, seu livro refletia também algumas inclinações de potências ditas liberais e democráticas, como Estados Unidos, França e Inglaterra, com seu nacionalismo e autoritarismo crescentes. No romance, as pessoas passam fome, trabalham como escravas e são continuamente vigiadas, mesmo durante o sono. A liberdade é quase nula e   qualquer atitude suspeita ou desviante daquela esperada pelo Partido é punida com a morte. Já em Admirável mundo novo (1932) Huxley imaginou um futuro dourado, verd...

Boletim Letras 360º #383

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DO EDITOR 1. Receio que, por estes dias de necessário isolamento social o que mais temos feito é arrumar a casa. Aqui no Letras também. Foi dada continuidade de alguns trabalhos para melhoria deste ambiente virtual. O trabalho de revisão dos textos, por exemplo, é serviço contínuo, mas, foi uma tarefa ampliada desde há alguns anos, quando o blog passou pelas grandes reformas que resultaram na sua fase atual. 2. Ainda existe algo próximo a oitenta textos para voltar online; mas, só agora, nesse período, treze que estavam em revisão foram finalizados e voltaram ao arquivo visível para os leitores. Lento trabalho que um dia, é o que se espera, conseguirá ser alcançado. 3. Nesta semana foram realizados ainda outros ajustes visuais: vários elementos de página foram modificados ― e o interesse é sempre o de garantir o conforto para a estadia do leitor no blog, que este não seja apenas seu porto de passagem. 4. Abaixo estão as notícias divulgadas durante a semana na pág...

Para tempos de isolamento: Naoko Ogigami

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Por Paula Luersen cena de Megane , de Naoko Ogigami. Depois de mais de oitenta dias de reclusão, vivendo em um país que não apresenta a menor perspectiva de retração da COVID-19, em que o respeito pelos mortos precisa ser afirmado frente à assustadora indiferença de grande parte da população, é difícil saber a que tipo de arte dedicar o nosso tempo. Pois a necessidade de arte não chega a se colocar como dúvida: em tempos de estupidez e descaso gerais, precisamos da arte para nos manter lúcidos e engajados com o mundo. As escolhas, contudo, acabam tomando uma importância fundamental para que a nossa sensibilidade, já tão ferida, não seja atingida em cheio a ponto de nos deprimir. Considerando esse cenário, encontrei nos filmes de Naoko Ogigami, assistidos durante a quarentena, nada menos que tranquilidade. Após o primeiro filme, tive de procurar pelos outros, tamanha a habilidade da roteirista e diretora japonesa de me manter interessada no que tem a dizer. As histór...

José Saramago, ler para mover-se

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Por Pedro Fernandes José Saramago, 1990. Foto: Juan Guamy. Alguém dado a ler a obra de José Saramago logo perceberá a viagem como um topus recorrente. Cito para a ocasião dois momentos dos mais significativos: o primeiro, de A jangada de pedra e o segundo de Todos os nomes . Esses dois romances estão inseridos em ocasiões distintas da sua criação literária. No primeiro, o tema é também a forma do romance: por obra de um acaso geográfico, a Península Ibérica parte-se da Europa e inicia um itinerário à procura de um ponto ideal no mapa. Tal itinerário será responsável pelo encontro de personagens vindas de lugares distintos da Península; são elas também acometidas por acasos, e uma vez juntas seguirão sobre a extensa barca de terra um itinerário muito particular. No outro romance, um funcionário público com o nome de Sr. José (qualquer semelhança com o do poema de Carlos Drummond de Andrade não é inocente), escriturário na Conservatória Geral do Registo Civil, uma i...

Futebol ao sol e à sombra antifascista

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Por Wagner Silva Gomes Os campos de futebol de Hackney Marshes. James Hobbs. O escritor uruguaio Eduardo Galeano, grande amante do futebol mundial, dedica ao esporte o livro intitulado Futebol ao sol e à sombra  (1995 – com acréscimo de capítulos em edições posteriores). De acordo com o autor, o futebol surgiu na China há cinco mil anos, onde a forma de se jogar era próxima a uma competição de embaixadinhas. Depois, japoneses e egípcios também se entretiveram com a bola, de forma mais parecida com as crianças que brincam sozinhas ou na companhia de um amigo. Foram os gregos que primeiro se aproximaram do estilo do futebol atual, implementando recursos usados nas competições de hoje. Descreve Galeano: “Nas comédias de Antífanes, há expressões reveladoras: bola longa, passe curto, bola adiantada...” Dos gregos se chegou aos romanos. Nero jogava mal, Júlio César era bom de bola. Os soldados romanos, ao praticarem o esporte, levaram a novidade aos ingleses, e pr...