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Poeta, grava tua palavra e lança-te

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Por Edgardo Dobry Dura há séculos a discussão sobre se as longas e curtas sílabas do grego e do latim têm equivalência com as tônicas e as átonas das línguas modernas. Rubén Darío fazia parte da seleta série de poetas que tentou reproduzir o hexâmetro clássico, no seu caso em um hino, Saudação do otimista: “Ínclitas razas ubérrimas, sangre de Hispania fecunda…”. Alguns anos depois, as vanguardas consumaram o divórcio definitivo da poesia e da música: como se lê um caligrama ou a decomposição da palavra em partículas literalmente insignificantes com as quais se conclui Altazor , de Huidobro? Paradoxos da tecnologia: eles foram os primeiros a registrar suas vozes. De fato, podemos ouvir Apollinaire lendo Le Pont Mirabeau : ele restaura firmemente a escansão que parecia ter desprezado ao remover as vírgulas e os pontos. Os sinais também foram eliminados por André Breton, um discípulo renegado de Apollinaire e um poeta muito inferior a ele, cuja gravação de A união livre consi...

Boletim Letras 360º #385

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DO EDITOR 1. Caros leitores, abaixo estão as notícias divulgadas durante a semana na página no Facebook (ou não) e a atualização das demais seções deste Boletim com as recomendações de leitura, assuntos de arredores do campo de interesse do blog e a sugestão de visita a algumas das publicações apresentadas aqui. Obrigado a todos pela companhia ― sigamos juntos. Boas leituras! Antonin Artaud, 1947. Foto: Denise Colomb. A Editora Moinhos inicia uma coleção que apresenta a obra do multiartista francês.    LANÇAMENTOS Novo romance de Bernardo Kucinski conta a história de uma mulher que depois de adulta descobriu ter sido roubada da mãe verdadeira . Julia: nos campos conflagrados do Senhor , o sétimo título de ficção do autor, é uma aventura que se passa em um período obscuro da sociedade brasileira: a ditadura civil militar. Dentre as personagens, o destaque é o de Júlia, uma bióloga pesquisadora que, por um acaso, acaba mergulhando no passado de sua fam...

Quinquilharias, recordações e a alma de Wisława Szymborska

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Por Martín López-Veja O Prêmio Nobel de 1996 descobriu para o mundo uma poeta que pouquíssimos conheciam fora da Polônia, receosa às entrevistas e que considerava que se confessar publicamente equivalia a perder a alma. Wisława Szymborska escrevia poemas transparentes que olhavam o mundo de um novo ângulo que se encontrava no interior dos seres e das coisas. Sua resistência em contar mais sobre sua vida do que aquilo que aparecia em seus poemas não intimidou Anna Bikont e Joanna Szczęsna, autoras da biografia Quinquilharias e recordações (Âyinè, tradução de Eneida Favre). Juntas, eles destilaram todas as vicissitudes da vida que habitava em poemas, resenhas, conferências e recitais; conversaram com amigos, reconstruíram sua árvore genealógica, recuperaram textos inéditos e organizaram uma história tão coerente que causou a curiosidade da própria Szymborska, que acabou concordando em se reunir com suas biógrafas, dizendo: “Certo, vamos esclarecer”. O resultado são ...

A cidade do vento, de Grazia Deledda

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Por Pedro Fernandes Grazia Deledda. Roma, novembro de 1927. Arquivo L'Illustrazione Italiana.  As aparências enganam. E alguns enganos produzem desvios no destino com consequências irreversíveis. A narradora de A cidade do vento foi colorida com as mesmas tintas que sobraram da feitura de Emma Bovary: a mulher ávida por leituras, seu passatempo predileto, e profundamente marcada pela idealização amorosa ― se pela leitura, não sabemos, afinal, seus hábitos de leitora não são minuciosamente explorados. Sabemos que a modesta biblioteca que a família herdou pertencera ao seu tio bispo e que nela estão de livros não adequados à idade da narradora lidos na surdina da noite aos religiosos, dispensados de sua atenção: “todos os grandes clássicos, nossos ou traduzidos em língua italiana, muitos volumes em língua latina e livros religiosos, vidas de santos, bíblias e monografias religiosas”, descreve. Os livros constituem ora em objeto de formação autodidata, visto lhe...

Pacarrete, de Allan Deberton

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Por Pedro Fernandes Num país tomado pelo nivelamento do gosto cultural imposto pela cultura de massa, este filme é ao mesmo tempo um hino de amor à arte e um manifesto. De regresso à terra natal para acompanhar a irmã doente, Pacarrete volta a sonhar com a possibilidade de fazer reconhecida; mergulhada na cultura francesa, sente que seu destino é integrar o palco principal da tradicional festa da cidade e desempenhar um número de balé ― inspirado de Le Carnaval des Animaux , de Camille Saint-Saëns, e eternizado pela bailarina russa Anna Pávlova. Se ela conseguirá ou não realizar o feito, não cabe aqui revelar; fica o leitor desafiado a ver o filme sabendo que nada em Pacarrete é gratuito. O conjunto bem elaborado dos elementos cinematográficos e uma narrativa que tende para o símbolo oferecem a dupla qualidade do verdadeiro cinema: contar uma história e transformá-la em imaginário. A personagem, inspirada numa figura com biografia fora do universo ficcional, é o rost...

Conversas com suicidas

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Por Carlos Mayoral Alfonsina Storni. Mar del Plata, 1925.  Safo terá pulado do alto de uma pedra no fim da vida? Foi capaz de assumir que nunca poderia esquecer o amor não correspondido? Ao escutar o canto da sereia, o suicida sempre a imagina bela, atraente, necessária. Alfonsina Storni reflete sobre sentada na areia da praia de La Perla, em Mar del Plata. Deixou tudo amarrado, muito bem amarrado. Tomou cuidado para que seu filho não suspeite sobre a verdade: sua mãe deixou o hotel para observar o mar tranquilamente, embora o jovem acredite que se trate apenas de uma noite a mais. Alfonsina, entretanto, sabe que não. Alfonsina e, certamente, Safo também. Porque Safo é a poesia, diz-se. Ela alcançou a plenitude que ninguém alcançaria mais tarde, logo seu salto para o vazio do alto da rocha estava mais que justificado. E se a poesia, como diria depois Jaime Gil de Biedma, é o único recurso para dialogar ao mesmo tempo com os seus contemporâneos e os seus antepa...