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Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende

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Por Pedro Fernandes Maria Valéria Rezende. Foto: Marlon de Paula. Integrado à tradição do romance epistolar, Carta a rainha louca é um livro feito de duas superfícies podendo, inclusive, ser lido como duas narrativas. Assumindo as feições de um recurso muito comum aos textos dos primeiros séculos da escrita e adotados em quaisquer circunstâncias em que os materiais necessários ao trabalho de escrever sejam raros ou escassos, este livro não é assim mais que uma crônica sobre o período colonial brasileiro; é sobretudo a revelação de uma voz coletiva de todas aquelas que pereceram ao longo desse tempo pelos silenciamentos impostos por aqueles que tinham o direito de mando. É que à medida que tomamos conhecimento sobre as peripécias da heroína missivista, não deixamos de ler, por debaixo da rasura todas as imprecações que, se públicas, falariam contra a própria escrevente ou justificariam a condição a qual foi rebaixada, a de mulher herege e/ ou tresloucada. Assim, na ...

Suk Suk, de Ray Yeung

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Por Pedro Fernandes A filmografia de Ray Yeung é marcada por uma constante: tornar visível histórias que mostram as transformações culturais e sociais pelas chamadas culturas dissidentes em relação aos padrões dominantes em seu país. Suk Suk é o terceiro longa que se infiltra no universo gay chinês: os dois primeiros foram Cut Sleeve Boys (2006), uma comédia romântica que lida com a revisitação às vidas de dois homens depois da morte de seu melhor amigo, e Front cover (2015), que perfaz um caminho semelhante, agora, pelo encontro entre um estilista e um renomado ator. Também os vários curtas que dirigiu tem a mesma raiz de interesse, o que o coloca numa posição um tanto paradoxal no seu país: a de uma persona non grata entre o ideário dominante e a de uma importante voz capaz de registrar os silenciamentos aí impostos. Os dois primeiros filmes apresentam-se interessados no pequeno drama burguês. Nesse sentido, parece que estamos diante de um cineasta encantado co...

O aprendiz secreto, de António Ramos Rosa

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Por Maria Vaz Tudo se inicia na contradição de dizer que “não é altura de dizer nada”. Nunca é altura de dizer alguma coisa quando nos possamos orientar pelo perfeccionismo inatingível, que é sempre caminho para melhorar qualquer coisa. Depois percebemos que, afinal, é altura de dizer alguma coisa. Que é sempre altura de nos assumirmos eternos aprendizes da arte onde as palavras nos encontram, porque supostamente tudo carece de unanimidade, na pluralidade democrática que nos permite, como alude o poeta, mediar enigmas. É da textura do silencio que nasce a palavra, é nele que brotam os sentidos e, muitas vezes, se constroem ideias ou se arejam os frutos da razão. E constatamos todos, tantas vezes, que o seu exercício, às vezes, também é uma fuga e uma força. Todavia, de toda a sua fecundidade, e “supremo elemento de defesa”, tudo se constrói através do antagonismo com a palavra. Do contraste. Do atrito da forma com a sua ausência. Percebemos com esta obra de Antó...

Sobre “O meio”, de Dostoiévski

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Por Davi Lopes Villaça Edvard Munch. O assassino . 1910.  Reprodução. Dostoiévski acreditava que uma sociedade deveria estar apoiada sobre valores morais sólidos – para ele, os valores transmitidos pelo cristianismo e há muito enraizados na alma do povo russo. O indivíduo deveria ser capaz de distinguir entre o bem o mal e fazer suas escolhas com base nessa distinção. Isto num momento histórico (tal como o nosso) de profundo relativismo moral, em que valores são continuamente colocados em questão. Não por acaso o tema da amoralidade ocupa um lugar tão importante em sua obra madura. O estudante Raskólnikov, de Crime e castigo , comete um assassinato para provar-se acima de quaisquer convenções morais; logo descobre, porém, que a ideia do bem e do mal estava tão entranhada nele que não podia refutá-la sem enfrentar sérias consequências psíquicas. É a partir do sofrimento decorrente de seu crime e, por fim, do reconhecimento de sua culpa que o herói recupera e consolida ...

Boletim Letras 360º #389

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DO EDITOR 1. Amigo leitor, em nossa página no Facebook, até agora nosso lugar no espaço virtual, depois deste blog, de maior trânsito, iniciamos uma campanha em busca do leitor 80 mil. 2. Ora, este é um dos desafios quase impossíveis de se alcançar pensando na queda de usuários desta rede e na situação das segmentações algorítmicas e o comércio desbragado. Mas, não é pago para se sonhar. 3. Por isso, deixo dois convites a você que agora se prepara para ler este boletim: se tem presença naquele espaço e tem interesse pelo universo literário mas ainda não acompanha a gente por lá, faça-nos uma visita, curta e siga nossa página. Basta ir aqui. 4. Abaixo registra-se as notícias que passaram, ou não, pelo mural de nossa página no Facebook. Além delas, as demais seções com novos conteúdos, sempre com o interesse de enriquecer e ampliar sua experiência cultural e literária. Fique bem. Boas leituras! José Luís Peixoto. Livro de poesia do escritor português ganha edição...

O universo de Breaking Bad e a ambiguidade do ser

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Por Rafael Kafka Fiquei muito impressionado há alguns anos quando decidi ver Breaking Bad depois de superar um preconceito terrível com sua premissa. Até então, um professor frustrado que decide usar seus saberes para iniciar uma vida como produtor e traficante de drogas não me parecia algo apetecível para meu gosto poético. Todavia, um dia lembrei que mais jovem eu fora formado em cineclubes vendo por demais filmes de gângster e o mundo do crime organizado é um ótimo convite à reflexão sobre a condição humana, seus discursos e outros elementos simbólicos que guiam os passos por essa existência caótica. A premissa mencionada acima se revelou um convite a várias reflexões provocadas pela série, a qual diz muito sem muito dizer, usando longos planos e cortes de câmera perfeitos que se tornam um verdadeiro caleidoscópio existencial a revelar subjetividades em formação e conflitos enquanto práticas ilícitas são cometidas. Tudo isso é criado também com um processo de narrat...