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“Não precisa chegar”. Os jograis na democracia

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Por Wagner Silva Gomes Hieronymus Bosch. Trípico de Haywain , 1516. (detalhe) No período em que os estados nacionais da Península Ibérica (Portugal e Espanha) não estavam totalmente definidos (séculos XIII e XIV) e o idioma utilizado era basicamente uma mistura dos dois, sendo designado como galego-português, floresceu o trovadorismo como prática literária na lírica. Foi um movimento cortesão, onde os trovadores (poetas e compositores) poderiam interpretar suas cantigas ou dá-las para a interpretação dos Jograis (intérpretes), tudo isso com o objetivo de produzir um espetáculo, onde entram as soldadeiras (dançarinas que animavam as apresentações), numa performance em algum palácio, com reis, nobres, clero e nas grandes festas populares, com a presença de plebeus. Metricamente os poetas utilizavam-se da medida velha, isto é, redondilha menor (5 sílabas métricas) e redondilha maior (7 sílabas métricas). A partir dessa técnica de se fazer poesia e canções, é possív...

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

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Por Pedro Fernandes Fahrenheit 451 foi publicado em 1953 e deste então passou a integrar a seleta lista de uma linhagem do romance que remonta a pelo menos duas décadas antes de quando da sua origem: a distopia. Trata-se daquela obra que geralmente extrapola os limites das convenções estabelecidas e que guardam, nem sempre expressamente, uma interpretação acerca dos seus destinos e as implicações nos destinos da própria comunidade. Os modelos da ficção distópica estão muito bem determinados no romance Nós , do escritor soviético Ievguêni Zamiátin; seus herdeiros exploram desde então as mesmas dimensões que entreveem uma humanidade submetida aos excessos introduzidos pela era da burocracia e da técnica. No caso do romance de Ray Bradbury, a sociedade por ele pensada encontra-se situada no último estágio de consolidação de uma era pautada exclusivamente pela imagem e na total negação dos objetos conseguidos ao custo da linguagem escrita. O protótipo desse modelo se es...

Escrita instável para um tempo instável

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Por Cruz Flores Anne Carson. Foto:  Lawrence Schwartzwald  Em seu livro Asfixia , Franco Berardi fala da poesia como “a linguagem da não-intercambialidade”¹, o último reduto de uma aliança perdida entre signo e significado, onde o “dizer” e o “querer dizer” se sobrepõem por um momento, apenas enquanto a função do poema existe. E por isso, a poesia se torna o incompleto: os projetos duram mais que seus autores, os autores não conseguem realizar o que querem e, no final, apenas os leitores ficam diante de um amontoado de palavras. Existe uma intensa vida no incompleto. Encontrar pedaços de textos esquecidos, relacionar-se com eles, imaginar o que existia antes, o que não será depois, é uma das experiências que mais guardo. Aproximar-me dos fragmentos de Hölderlin, por exemplo, e ver suas lacunas, os parênteses que estão no lugar de algo que o autor não conseguiu escrever, me dá uma sensação tanto de incapacidade como de ser livre: sou responsável, agora, por pr...

A superfície de Hemingway (I) – lendo “Up in Michigan” e “Indian Camp”

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Por João Arthur Macieira Ernest Hemingway, 1921. Arquivo John F. Kennedy Library. É muito raro na literatura, mesmo para aqueles que conquistam o respeito da crítica e o sucesso comercial ainda em vida, serem compreendidos. Mesmo um autor como Ernest Hemingway, que é, certamente, um dos mais lidos autores norteamericanos, ainda não deixou de fornecer material para os estudos literários na nossa geração. É verdade, porém, que o público e os críticos brasileiros que queriam elaborar esse material encontrarão dificuldades: o estudo da obra de Ernest Hemingway simplesmente não existe entre nós. Fora o belo livro de uma professora da Universidade de São Paulo sobre Hemingway e a Guerra Civil Espanhola¹ e uma dissertação defendida em 2019², não há produção acadêmica dedicada ao grande desse autor. Também se trata de uma obra literária que não chegou às grandes editoras, apesar do Nobel da Literatura em 1954. Tudo nos dá a entender que Hemingway é um escritor que viveu sua f...

Nudes Existenciais, de Maria Vaz

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Por Pedro Belo Clara  Apresenta-se o livro de estreia da nossa estimada colunista, nascido após várias publicações dispersas (uma delas culminando na outorga do Prémio de Poesia Fernanda de Castro) e participações em antologias poéticas. Natural de Vila Flor, um pacato lugar de Trás-Os-Montes, na região nordeste de Portugal, Maria Vaz é formada em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais. Não obstante, a expressão poética permanece bastante viva em si, conhecendo agora uma merecida edição (e há muito esperada, dirão os seguidores mais antigos). Antes de iniciar qualquer viagem que seja por este trabalho, todo o leitor deparar-se-á com uma expressão impressa na capa, resgatada a um dos poemas que neste volume se compilam, logo exposta como advertência ou apenas batuta pronta a ensaiar o tom: «Há poesia bastante antes de qualquer poema.» Num sentido lato, a expressão, que intriga, poderá querer retomar, em aparência, um debate talvez centenário entre po...

Boletim Letras 360º #391

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DO EDITOR 1. Durante a semana, entidades ligadas ao livro e leitores como o blog Letras in.verso e re.verso fizeram eco a uma campanha contra a taxação de livros que quer ser imposta pelo governo brasileiro. Um país feito de desigualdades cada vez mais acentuadas, onde o livro é de raro acesso dada todos imperativos que dificultam seu acesso, onde os índices de leitura são sempre reprováveis, transformar o livro em artigo de luxo é uma afronta diante da qual não podemos nos isentar, nem calar. Leia mais sobre a participação do blog no movimento #DefendaOLivro .  2. Abaixo registra-se as notícias que passaram, ou não, pelo mural de nossa página no Facebook. Além delas, as demais seções com novos conteúdos, sempre com o interesse de enriquecer e ampliar sua experiência cultural e literária. Fique bem. Boas leituras! Elizabeth Bishop. Um novo livro e a decisão da FLIP de mais homenagear a poeta em 2020.  LANÇAMENTOS Um retorno ao Portugal profundo . Neste...