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Senhores do orvalho, de Jacques Roumain

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Por Pedro Fernandes A utopia é o lugar ou estado ideal de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos. Uma vez vencida tantas passagens da história, esse sentido original, como tantos outros, pode se incluir no extenso rol das coisas que atravessam o que rotineiramente chamamos por crise ; e, os mais engajados no radical ceticismo do nosso tempo podem bem decretar que a utopia está morta. Ora, é admissível a crise, afinal, nenhuma variação se caracteriza sem ao menos atravessar um estágio semelhante, mas admitir o fim definitivo parece apenas repetir outra vez o interesse pela catástrofe total. Sim, falamos sobre a morte de Deus, da história, do socialismo, das ideologias, do capitalismo, e até, no caso específico do universo literário, a morte do autor, da poesia, do romance, da crítica literária e mesmo da própria literatura. E, curiosamente, tudo isso perdura.   É possível dizer que a transformação ― fator determinante a tudo que vive ― não deixou de atuar modificando f...

Vozes femininas negras

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Por Fábio Roberto Ferreira Barreto Umu Ada 49-99 .   Osinachi. Sou uma Carolina Feminino e poesia Pobreza não quero mais A caneta é meu troféu Borda as palavras no papel É tudo o que quero dizer… (Tula Pilar)     As vozes femininas têm muito a dizer por meio da literatura; especialmente, as vozes femininas negras. A poeta, dramaturga e prosadora Miriam Alves, em entrevista à Revista de Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea (n.51, maio-agosto 2017), afirma: “Considero importante me dizer escritora negra brasileira. E não é rótulo. É uma atitude política”. Questões atinentes ao feminismo negro são tão urgentes que, desde 1992, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é, anualmente, rememorado em 25 de Julho; aqui no Brasil, inclusive, desde 2014, instituiu-se o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, “a ser comemorado” (segundo o texto da lei) também na mesma data. (Faço um aparte e recomendo uma visita ao Portal Geledés, vinc...

A dor do homem, a identidade da terra. Leitura crítica do poema “Sísifo”, de Manuel Lopes

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Por André Cupone Gatti Jacob Lawrence. I. Dois fatores singularizam a história de Cabo Verde: a ausência de povos autóctones quando a ilha foi colonizada no século XV, e o desenvolvimento populacional calcado na mestiçagem. A identidade cabo-verdiana buscaria, portanto, nas raízes dos colonos ou na topografia do espaço insular a base da sua construção. As expressões culturais, tomando consciência da insularidade, procurariam nos aspectos interinos, na terra, na geografia das ilhas, a personalidade do povo de Cabo Verde. No que se refere à literatura, em específico à produção poética cabo-verdiana no século XIX, Simone Caputo Gomes, Professora Doutora na FFLCH-USP e pesquisadora em Literatura e Cultura de Cabo Verde, cita Elsa Rodrigues dos Santos (1989, p. 84) para mostrar que, no início do caminho literário cabo-verdiano, a fusão homem-terra constitui “o percurso iniciático do Homem no encontro com a sua Identidade, através da introspecção e do conhecimento real do espaço e dos agente...

Como fazer coisas com livros

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Por Patricio Pron Ilustração: Joe Prytherch Ninguém jamais verá este livro nas listas “dos mais vendidos”, mas os únicos prejudicados por esta omissão serão aqueles leitores que ingenuamente creem que algo só é bom se for comprado por muitas pessoas. Apesar disso, não há o que reclamar a sua jovem autora, a poeta e artista multidisciplinar Amaranth Borsuk, nem quanto a seu tema, a história do livro e suas transformações ao longo de, digamos, os últimos 5.500 anos, uma história especialmente atrativa nos tempos em que o livro e o que se relaciona com a cultura surgida em torno dele se convertem em fetiche mercantil enquanto os índices de leitura não deixam de diminuir. A razão pela qual é improvável que El libro expandido seja lido por muitos leitores reside no fato de que, ao contrário de outros livros recentes sobre o tema, sua autora não banaliza essa história, a do livro e da leitura, nem a degrada em uma fantasia sobre reis e escribas ou em uma lição escolar repleta de lugares-com...

Boletim Letras 360º #421

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DO EDITOR   1. Saudações, caro leitor! A seguir, encontrará as notícias apresentadas durante a semana na página do blog Letras in.verso e re.verso no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim. Obrigado pela companhia nesta longa travessia. Boas leituras! Afonso Cruz. Foto: André Dias Nobre .    LANÇAMENTOS   Editora Dublinense publica premiado livro do escritor português Afonso Cruz .   Em uma Dresden devastada pelos bombardeios, Bonifaz Vogel esconde na sua loja de pássaros o jovem judeu Isaac Dresner. A partir daí, vão entrando em cena diversos personagens, incluindo Mathias Popa, autor de A boneca de Kokoschka , que conta a história do pintor Oskar Kokoschka e da sua boneca, feita à imagem e semelhança da sua amada. E dessa singular galeria de vidas, Afonso Cruz compõe um irônico e magistral jogo de matrioskas, no qual a realidade se confunde com a ficção e cada história é ressignificada pelo o...

O poder do punho, a mulher e o espaço público

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  Por Wagner Silva Gomes   Um útero é do tamanho de um punho (2012), da autora Angélica Freitas, se vale da escrita como empoderamento antissexista, mudando as consciências individuais, criando estratégias no cotidiano para a reinvindicação do direito à humanidade, para que a mulher faça valer sua voz nos espaços sociais, não sendo apenas objeto decorativo ou de domínio masculino.   É algo próximo ao que Djamila Ribeiro em seu livro Quem tem medo do feminismo negro? atenta para as diferenças entre o feminismo da mulher branca e o da mulher negra, que historicamente nunca foi apenas objeto decorativo, citando o grande discurso E não sou eu uma mulher? (1851) da ex-escrava norte-americana Sojourner Truth, que diz que a mulher e nunca o homem a ajudou a subir numa carruagem, não a carregou para atravessar um lamaçal etc. Mas, as mulheres e os feminismos criam espaços de convívio e fortalecimento justamente para que haja sensibilidade às demandas de um grupo não assimilad...