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Baudelaire e o poema em prosa, a invenção do instante

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Por Agustín Fernández Mallo Charles Baudelaire. Foto: Félix Nadar.   O poema em prosa, artefato que escapa a qualquer categorização mas é imediatamente reconhecido assim que é lido, tem uma vida curta, pouco mais de cento e cinquenta anos em comparação com os mais de dois mil que o poema métrico possui. Não que Baudelaire tenha sido propriamente o inventor da forma, mas foi ele quem o dotou do valor com que ainda hoje nos é servido. A primeira manifestação moderna da invenção apareceria em 1869, com um título que diz tudo, Petits poèmes en prose ; enunciativo e direto, descritivo e explicativo, não há metáfora que auxilie esta frase e, se houver, é de natureza científica.   Baudelaire diz “pequenos poemas em prosa” da mesma forma que, por exemplo, o matemático Henri Poincaré, também francês, já tramava outro tipo de modernidade, que se concretizaria em sua famosa publicação Os novos métodos da mecânica celeste . Embora um apele à subjetividade total e o outro à objetividade ci...

Jerusalém, de Gonçalo M. Tavares

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Por Pedro Fernandes Gonçalo M. Tavares. Foto: Voz da Póvoa   Jerusalém é um romance que lida com uma dessas antíteses irrecusáveis da existência: não existe humanidade sem horror. E a sentença é desenvolvida por reiteradas vias: do título aos movimentos biológicos e interiores das personagens, passando pelas ações e certo exercício meta-temático se considerarmos o largo esforço intelectual desenvolvido por Theodor Busbeck, uma das figuras principais da narrativa. O resultado é uma obra com diversas possibilidades de leitura, sobretudo, do que é acolhido nas vias do subtexto.   Embora este trabalho se filie àquela seção das narrativas estabelecidas proximamente no tratamento convencional de narrar — e sabemos que a literatura de Gonçalo M. Tavares se interessa em sua maior parte por um tratamento desconstrutivista das formas pelo que aos olhos tradicionais se designa maneira atípica de manipulação da linguagem — nota-se um estratagema muito peculiar no que chamaríamos organism...

Mito e História no vórtice dos tempos: O dia dos prodígios, de Lídia Jorge

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Por Guilherme Mazzafera   A leitura de O dia dos prodígios (1979), primeiro romance da escritora portuguesa Lídia Jorge, leva-nos à percepção de um tempo expectante, no qual as camadas mítica e histórica resvalam-se sem mútua compreensão. Os portentosos acontecimentos que tomam corpo na narrativa não encontram interpretação possível na exclusividade do mito ou da história, ecoando nas consciências individuais dos personagens, cuja compreensão de si mesmos enquanto sujeitos está profundamente atrelada ao entendimento da temporalidade que os cerca. O romance nos apresenta o povoado de Vilamaninhos, local de acontecimentos singulares e exegetas limitados. Centrado em três domicílios principais, o reino encastelado de Carmen Rosa e Carminha, o lar de José Jorge Jr e Esperancinha, e a casa de Branca e José Pássaro Volante, a obra discorre sobre a convivência entre esses personagens e com outros habitantes do povoado diante das ocorrências inusitadas – o aparecimento da cobra voadora e ...

Visibile parlare: a representação do real nos cantos X e XII do Purgatório, de Dante Alighieri

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Por André Cupone Gatti  Purgatório (Canto X-XII). Federico Zuccari. Galeria Uffizi, Florença. I. A arte, mais que sugerir o que ela possa ou não ser, nos inquieta especialmente pelas diversas e mutáveis relações que ela mantém entre o objeto “real” e a sua imitação. A mais influente e conhecida conjectura a respeito do problema da representação é a ideia platônica segundo a qual a arte é a cópia da cópia, enquanto imitação de um objeto que, por sua vez, é a imitação da ideia original ou divina. Assim, podemos interpretar que a arte, talvez, nasça motivada por uma insuficiência do real em se revelar por completo, por uma necessidade de tornar transmissível aos nossos sentidos aquilo que a realidade, por si só, omite ou emana de maneira incomunicável. Da antiguidade aos nossos dias, a arte se apropriou da realidade, dos seus signos, da sua matéria bruta, experimentando-a com insaciável curiosidade e descobrindo, não raras vezes, em seu cerne, um pensamento ou uma essência invisíveis...

Anotações sobre “Dois ensaios”, de Daniel Sada: um percurso da cultura brasileira recente

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  Por Marcelo Moraes Caetano Daniel Sada. Foto: Pascual Borzelli Iglesias   Parto de um diálogo com os Dois ensaios breves de Daniel Sada, publicados no Caderno de leituras n. 106, com seleção, tradução e notas de Gabriel Bueno da Costa. Os ensaios foram originariamente publicados com os títulos Assim escrevo , em 2010, e O conto e suas fórmulas , em 1998.   Para começar, nas “fórmulas” que Daniel Sada cita, vejo que há, hoje, também a fórmula “Syd Field”, que de certa forma Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca já usavam instintivamente (talvez) em parte de suas obras.     Consiste em um acontecimento chocante, uma normalidade “estranha”, um incidente que leva gradativamente ou repentinamente ao impossível, a aproximação desse impossível, outro(s) incidente(s) que leva(m) a um impossível “mais” impossível, a vivência árdua desses impossíveis sobrepostos e... uma solução (im)possível, que pode ser o retorno à normalidade “estranha” ou à est...

Boletim Letras 360º #424

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    DO EDITOR   1. Saudações, caro leitor! Estas foram as notícias apresentadas durante a semana na página do blog Letras in.verso e re.verso no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim. Reitero os agradecimentos pela companhia do nosso trabalho. Espero que você esteja, dentro do possível são e seguro. Boas leituras! Yoko Ogawa. Foto: Hashino Yukinori. Premiado livro da escritora japonesa ganha edição no Brasil. LANÇAMENTOS   O livro de Yoko Ogawa finalista do International Book Prize 2020 e do National Book Awards 2019 é publicado no Brasil pela Estação Liberdade .   Em A polícia da memória , publicado originalmente em 1994, o leitor é conduzido ao submundo das memórias perdidas. Em tom de ficção cientifica, uma ilha governada por policiais que buscam vestígios de lembranças. Na ilha, os objetos, casas, e famílias inteiras somem sem deixar vestígios. Sem que as pessoas sequer se atentem, e notem...