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Boletim Letras 360º #440

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DO EDITOR   1. Caro leitor, uma novidade o aguarda para breve: a estreia de Lourenço de Almeida Duarte como colunista deste blog. É uma terceira — e certamente enriquecedora — presença lusitana nesta casa.   2. Na linha seguinte, reafirmo o pedido de ajuda para nossa caixinha de doações a fim de custear as despesas de domínio e hospedagem online do Letras .   3. Você pode adquirir um dos livros neste bazar. Caso não se interesse pelos livros, saiba, a partilha é já uma ajuda. Caso sim e não disponha de conta no Facebook, pode solicitar a lista através do nosso e-mail informado a seguir. 4. Ou pode colaborar com doações avulsas via PIX e com qualquer valor; basta nos contatar pelo e-mail blogletras@yahoo.com.br ou por uma das nossas redes sociais. 5. A todos que de alguma maneira ajudaram até agora, reiteramos publicamente nossos agradecimentos. Obrigado pela companhia! Pablo Katchadjian. Foto: Télam.   LANÇAMENTOS Uma visita à dramaturgia disruptiva de Heiner Müller...

Flaubert e a Comuna de Paris

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Por Christopher Domínguez Michael Ruínas da Comuna de Paris, 1871. Hotel de Ville. Foto: Jean Andrieu. Arquivo: Museu Carnavalet.  Em 14 de outubro de 1869, Gustave Flaubert escreveu à sobrinha Caroline, a quem tratava como uma filha querida: “Não estou nada feliz! Sainte-Beuve morreu ontem a uma e meia da tarde. Cheguei na casa dele quando tinha acabado de expirar. Embora estivéssemos longe de ser íntimos, me angustia profundamente vê-lo desaparecer do meu mundo. Diminui o círculo de pessoas com quem posso conversar. O pequeno bando diminui, os poucos naufrágios do barco Medusa vão desaparecendo. Escrevi A educação sentimental em parte para Sainte-Beuve. Ele terá morrido sem conhecer uma linha! Bouillet não entendeu os dois últimos capítulos. É assim que vão meus projetos! O ano de 1869 foi muito difícil para mim — ainda tenho muito que carregar até aos cemitérios! Falemos de outra coisa.”   Que Flaubert pensasse em Sainte-Beuve como aquele fantasma que fica por trás do escr...

Vivos na memória, de Leyla Perrone-Moisés

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Por Pedro Fernandes   Muito se escreveu sobre o assoreamento da nossa sociedade pelo feroz domínio das leis do consumo. Este é um dos debates intermináveis com poucos ou quase nenhuns resultados: apenas pressentimentos de variada forma, dos mais fatalistas aos mais positivistas, puxados por aqueles que facilmente se ajustam à correnteza das coisas, como se essas, também num movimento irrevogável, acontecessem independente de nossa intervenção. Entre um limite e outro, a saída parece se inscrever numa zona ainda neutra de nossa inteligência; talvez porque educados no interior de uma cultura da dicotomia, ou mesmo de uma certa leitura da dicotomia, pouco enxergamos a difusa área que nos permitiria acompanhar o curso dessas transformações mas sem nos deixar cegar pela sua ofuscante luminosidade.   Um dos problemas do nosso tempo — é um problema exatamente porque deixou de ser um sintoma da contemporaneidade — agravado pelos modelos sociais vigentes é uma dificuldade de construir...

O último filme de Woody Allen não vale muita coisa

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  Por Enric González Woody Allen nas filmagens de  Um dia de chuva em Nova York  com  Timothée Chalamet e Selena Gomez.   Os filmes mais recentes de Woody Allen não valem muita coisa. Alguém pronunciou essa frase pela primeira vez há cerca de quarenta anos. Como outras grandes frases imortais — “Não é você, sou eu” ou “Este é o pior governo que já tivemos”, para citar alguns exemplos — dizer que o último filme de Woody Allen não vale muito foi usada quase ano após ano, geração após geração, sem perder sua utilidade. Isso se repete toda vez que Allen lança um filme que não é sensacional. A frase mantém plena vigência e talvez sobreviva ao próprio Allen. Eu não ficaria surpreso se o próximo século, por volta da vigésima pandemia, continue a aliviar o peso das quarentenas. Funciona muito bem para iniciar conversas bobas. Assim que alguém posta na rede, muita gente concorda. É reconfortante.   Fui iniciado no mantra em 1978 ou 1979, depois de ver Interiores . ...

O corpo escrito de Severo Sarduy: a paixão do corpo, a paixão da escritura

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Por Gustavo Guerrero Severo Sarduy, 1971. Foto: Antonio Galvez / Arquivo: Centro Virtual Cervantes   Queria descartar de início toda interpretação biográfica ou autobiográfica do tema aqui tratado. Acredito que o melhor testemunho sobre o corpo escrito de Severo Sarduy devemos a ele próprio nas páginas memoráveis de El Cristo de la rue Jacob onde descreve suas cicatrizes e compõe, com elas, um possível relato sobre sua existência. A marca deixada por uma espinha, os quatro pontos de sutura na sobrancelha direita, a operação do apêndice, um lábio partido, uma verruga e até o umbigo são aí capítulos essenciais da vida de nosso autor, tal como quis relê-la através de seus estigmas. Cada um é signo de uma história pessoal que se dispersa fragmentariamente no tempo e só alcança uma certa continuidade graças ao suporte espacial que o corpo representa. Engenhosa e, talvez algo mais, genial, esta autobiografia dérmica limita, a meu ver, tudo o que se possa dizer stricto sensu sobre o cor...

Fernando Pessoa: empregado de escritório, ocultista, galáxia de escritores

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Por Benjamin Moser Fernando Pessoa, aprox. 1915. Arquivo: Casa Fernando Pessoa.   O surgimento de Fernando Pessoa como um dos grandes escritores modernos do mundo, merecedor da monumental nova biografia de Richard Zenith, levou quase um século para acontecer. Quando Pessoa morreu em 1935, sua família encontrou um dos tesouros literários mais sensacionais que veio à luz desde que Lavinia Dickinson descobriu 40 cadernos na arca de sua irmã falecida Emily. No típico e simples baú dos utilizados para guardar cobertores ou casacos de inverno, havia 25.000 páginas de escritos.   Alguns desses trabalhos estavam concluídos. A maioria não. Era difícil saber o que fazer com esse legado, ou mesmo o que era. Primeiramente, a caligrafia de Pessoa era notoriamente ruim. Escreveu em português e inglês, fruto de uma infância sul-africana. Mas o mais misterioso é que ele não parecia ser uma pessoa sozinha. Ele foi toda uma galáxia de escritores — heterônimos, como os chamava, com personalidade...