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O telescópio invertido — J. G. Ballard

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Por Mauricio Montiel Figueiras J. G. Ballard. Foto: John Lawrence.   Em 1949, enquanto autores de ficção científica como Ray Bradbury — que na época escreveu suas fabulosas Crônicas marcianas (1950) — desviaram o olhar de um planeta marcado pelas cicatrizes da guerra e se voltam para o espaço sideral em busca de civilizações menos partidárias da autodestruição. O estudante de medicina James Graham Ballard, de dezenove anos, conduz um curioso experimento na sala de dissecação do King’s College, uma das atrações do “parque temático acadêmico” chamado Cambridge.   Numa “estranha sala de teto baixo, a meio caminho entre uma boate e um matadouro”, acompanhada pela memória do coelho que esfolou e cozinhou no final de sua estada de três anos na Leys School — o internato que entre 1923 e 1927 deu as boas-vindas a Malcolm Lowry, outro grande iconoclasta da literatura —, o jovem Ballard aproveita suas aulas de anatomia para começar a construir um telescópio mental com o qual focalizar...

Boletim Letras 360º #441

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DO EDITOR   1. Caro leitor, durante a semana acrescentamos dois novos livros para venda no nosso bazar. Estas pequenas contribuições integram o pedido de ajuda para nossa caixinha de doações a fim de custear as despesas de domínio e hospedagem online do Letras .   2. Você pode adquirir um dos livros neste bazar . Caso não se interesse pelos livros, saiba, a partilha é já uma ajuda. Caso sim e não disponha de conta no Facebook, pode solicitar a lista através do nosso e-mail informado a seguir. 3. Ou pode colaborar com doações avulsas via PIX e com qualquer valor; basta nos contatar pelo e-mail blogletras@yahoo.com.br ou por uma das nossas redes sociais. 4. A todos que de alguma maneira ajudaram até agora, reiteramos publicamente nossos agradecimentos. Obrigado pela companhia! David Foster Wallace. Foto: AFP   LANÇAMENTOS Obra retrata um momento dramático e violento da história recente da Coreia do Sul conhecido como o Massacre das Ligas Bodo .   Adaptado de um livro ...

A descoberta de um escritor extraordinário

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Por  Rafael M. Fogaça* Sadeg Hedayat Ao terminar a leitura de A coruja cega e outras histórias , do iraniano Sadegh Hedayat, fiquei com uma sensação semelhante à que me tomou depois de assistir ao filme Dançando no escuro , de Lars Von Trier, há alguns anos. Fui tomado por profunda comoção, a ponto de, por algum tempo, perder o sentido de orientação espacial. Composto pela novela que dá título ao volume e uma coletânea de 14 contos selecionados pelo tradutor, cada narrativa explora facetas diversas do lado mais obscuro da existência humana. Em “A coruja cega”, narrativa em primeira pessoa, o protagonista é um pintor viciado em ópio perseguido por alucinações que parecem advir de uma vida anterior. Incapaz de viver entre as pessoas comuns, ele passa os dias isolado em seu quarto, fumando a droga e escrevendo sobre acontecimentos terríveis em que esteve envolvido, sem que o leitor saiba se tais acontecimentos possuem ancoragem na realidade ou se não passam de delírios decorrentes do...

O Ateneu, de Raul Pompeia

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Por Pedro Fernandes   Há romances que sempre nos causam espanto quando reencontramos com eles tantos anos depois de sua publicação. A natureza desse sentimento é variada, mas parece que crescem por sua própria conta. No caso específico de O Ateneu , de Raul Pompeia, cujo desfecho de sua publicação coincide, qual libertação, com o dia de assinatura da Lei Áurea ― a 13 de maio de 1888 se publicava o penúltimo capítulo no folhetim da Gazeta de notícias ― é o vigor da linguagem capaz de transformar o estatismo da descrição em movimento. Esse tratamento faz do romance um livro à parte entre as criações do seu tempo e, só apenas por convenção historiográfica, tratamos de filiá-lo ao realismo quando o pensávamos melhor inscrito num naturalismo, num simbolismo ou mesmo armado com os ventos do pré-modernismo. Resulta comum essas indeterminações quando estamos diante de uma obra-prima.   Outro aspecto importante do livro que ganhou essa forma em meados do mesmo ano de quando apareceu ...

Julien Gracq

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Por Christopher Domínguez Michael Julien Gracq. Foto: Louis Monier   Ao rejeitar, em 1951, o Prêmio Goncourt que lhe fora atribuído por Le Rivage des Syrtes , Julien Gracq subscreveu outro venerável costume literário francês, o anticonvencionalismo, estipulado em La littérature à l'estomac , esse tipo de manifesto pessoal. Gracq, nascido perto de Nantes, com o nome civil de Louis Poirier, em 27 de julho de 1910 e falecido em 22 de dezembro de 2007, havia chegado ao século XXI como um dos poucos autores vivos incluídos em Bibliothèque de La Pléiade. Sobrevivente heterodoxo do surrealismo, Gracq transitou entre o romance, o teatro, a crítica ou o livro de viagens sem prestar contas ao mercado de valores das ideologias políticas ou das modas intelectuais.   Autor de André Breton, quelques aspects de l’écrivain (1949), Préférences (1961), En lisant, en écrivant (1980) ou Lettrines I e II (1967 e 1974), Gracq também foi um crítico que lutou pelo romance, acusado como farsa do s...

“Mais uma madalena, por favor!”

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Por Lourenço Duarte Ilustração: Nancy Liang Revisitar o passado sempre pareceu uma das grandes obsessões poéticas e literárias de sempre. Disputando o pódio com o amor, ou Amor, e a morte, as lembranças distantes assumem-se como um forte motor da poiesis , da criação. E é ao debruçarmo-nos um pouco mais sobre o tema que vemos surgirem certas premissas, por vezes opostas, acerca deste movimento de retorno: o ser que relembra em nada difere do conteúdo relembrado, do sujeito ido?; será impossível à pessoa atual transportar a sua consciência pelas coordenadas do tempo até ao instante remoto?; finda a memória, permaneço o mesmo, ou trago já no bolso da existência aquele que recordei? Estas seriam algumas das questões pertinentes a colocar.   A primeira ideia é bastante sedutora. De facto, assim como a crença de não estarmos a sonhar, quando o estamos, também as memórias nos fazem acreditar que nada é, naquele momento, mais do que aquilo que é. A velha questão cartesiana. Assim sen...