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Stendhal descobre um amor de Michelangelo

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Por Juan Forn Michelangelo. O Gênio da Vitória (A Vitória), 1532.   Era uma vez um escritor francês que conseguiu virar italiano. É assim que Stendhal queria ser lembrado (até pediu que em sua lápide estivesse escrito: “Enrico Beyle, italiano. Viveu, escreveu. Amou.”). Isso não o impedia de confessar que toda vez que tinha que falar algo importante para si mesmo, falava em inglês, porque é preciso ser conciso para coisas importantes. Stendhal se percebia um falastrão, numa época e num lugar que não era aconselhável ser esse tipo. Daí que assinava seus livros sob um pseudônimo e viveu fora da França: na realidade, ele era Henri Beyle, o vice-cônsul de seu país em Civitavecchia, um posto de pouca importância mas única maneira que ocorreu a um bonapartista como ele de se manter fora da França naqueles tempos monárquicos.   Na Itália, possuía, do seu jeito, algum divertimento: como se apaixonar por todas as belas mulheres de sua época. Muitas partiram seu coração; ele alegremente ...

Fiódor Dostoiévski, o filósofo da liberdade

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Por Gary Saul Morson Dostoiévski. Fotografia em Paris por Émile Bondonot (c. 1862) No dia 22 de dezembro de 1849, um grupo de ativistas radicais foi retirado de suas celas na Fortaleza de São Pedro e São Paulo em São Petersburgo, onde foram interrogados por oito meses. Foram levados para a Praça Semenovski e ali ouviram suas sentenças de morte por fuzilamento. Receberam longas batas brancas de camponês e gorros — suas mortalhas — e foi oferecida a extrema unção. Os três primeiros presos foram agarrados pelos braços e amarrados a um poste. Um deles se recusou a ser vendado e olhou desafiadoramente para as armas apontadas em sua direção. No último minuto, os soldados baixaram as armas quando um mensageiro entra a galope com um decreto imperial substituindo suas sentenças de morte por reclusão num campo de prisioneiros na Sibéria, seguido por um período de serviço militar no exército. Esse resgate de última hora, na verdade, foi planejado com antecedência e fazia parte da punição, um aspe...

Mishima ou a queda do herói (parte 1)

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Por Julio Tovar   Viva a morte! Morte aos intelectuais!   (Legionários no ato de Miguel de Unamuno [12 de outubro de 1936] citado em Manuel Aznar Soler, República literária y revolución [1920-1939] , Sevilha, Editorial Renacimiento, 2010, p. 417-418). Yukio Mishima, Tóquio, 1961. Foto: Burt Glinn.   É o ano de 1944. O Japão vive desde 1942 contínuos bombardeios que devastam a ilha de norte a sul. Com cinco milhões de soldados distribuídos entre os territórios conquistados e a metrópole, o país do sol nascente perde uma guerra impossível diante de um colosso de cento e trinta milhões de habitantes. Morte, ruínas e miséria; tríade fatal que revela o pesadelo que foi na realidade o imperialismo dos sonhos do generalato. O recrutamento neste império arruinado do ano 44 acaba de chegar aos nobres adolescentes.   Um deles, chamado Kimitake Hiraoka ( 平 岡 公 威 ), já está na estação de Hoden para fazer seu exame médico. Ele é uma criança magricela, doente, com maçãs do ro...

Boletim Letras 360º #455

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DO EDITOR   1. Caro leitor, no dia 26 de novembro, às vésperas do aniversário de 15 anos online do Letras, conheceremos o ganhador do kit ofertado pela Editora Mundaréu no primeiro sorteio do nosso pequeno clube de apoiadores. Você pode saber tudo sobre como participar aqui . Se estiver numa das redes do blog pode consultar mais detalhes no Instagram , no Facebook ou no Twitter .   2. A seguir, as notícias que passaram pela tela do Letras no Facebook durante a semana, outras novidades e nossas dicas dentro e fora do blog. Registro, em nome do Letras, os sinceros agradecimentos pela partilha nessa estrada. Boas leituras! O jovem Machado de Assis. Antologia apresenta uma seleta de alguns dos principais contos do escritor.   LANÇAMENTOS   Uma seleção de contos de Machado de Assis pelo escritor Luiz Ruffato .   Um grande mestre do conto, tanto quanto do romance, Machado de Assis (1839-1908) escreveu algumas das mais brilhantes histórias curtas da literatura brasile...

“Rock do cachorro morto”, Barão Vermelho e Machado de Assis

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Por Wagner Silva Gomes Francis Bacon. Man with Dog, 1953   Lembro-me que certo dia, Na rua, ao sol de um verão, Envenenado morria           Um pobre cão   Arfava, espumava e ria, De um riso espúrio e bufão, Ventre e pernas sacudia           Na convulsão   Nenhum, nenhum curioso Passava sem se deter,           Silencioso, Junto ao cão que ia morrer Quem sabe é delicioso? Ver padecer Como se lhe desse gozo   Ver padecer Como se lhe desse gozo      Ver padecer…     George Israel e Guto Goffi, em parceria póstuma com Machado de Assis, cobriram de eletricidade e percussividade o poema “Suave Mari Magno” (1880) que, na estética roqueira, recebeu o título de “Rock do cachorro morto” (do disco Barão ao vivo , 1989). Os compositores, como que seguindo os preceitos de Ezra Pound em ABC da Literatura (1934), encheram de energia as imagens e as sonoridades dos v...