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Joan Didion, a escritora dos instantes comuns

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Por Juan Tallón Joan Didion. Foto: Tina Barney.   Joan Didion (1934-2021) nasceu em Sacramento, no oeste, e morreu no extremo oposto, em Nova York, nas vésperas de Natal, devido ao mal de Parkinson, segundo informou sua editora, Knopf, ao The New York Times . Toda a sua vida foi passada entre mudanças bruscas, às vezes geográficas, às vezes emocionais. No meio, restaram livros e crônicas que fizeram dela uma das jornalistas mais inovadoras e fascinantes, donas de uma prosa objetiva, poderosa, arrumada, fria e ao mesmo tempo comovente. John Leonard, um de seus editores, dizia que suas frases “chegam a você, se não como emboscada, então como pequenos haicais, como picadores de gelo a laser, com a força das ondas”.   As mudanças de cidade, de estado, até as simples mudanças de endereço, dentro de uma mesma cidade, eram uma tônica. Em sua casa, nas décadas de 1960 e 1970, quando era repórter com mais regularidade, havia uma lista colada na porta do armário, com tudo o que sua mala...

As Índias Galantes, de Philippe Béziat

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Por Solange Peirão   As Índias Galantes  é um documentário de Philippe Béziat que registra o processo de criação do espetáculo adaptado da obra Les Indes Galantes , uma ópera-balé de Jean-Philippe Rameau, com libreto de Louis Fuzelier, e que estreou em Paris em 1735.   Essa nova montagem foi revolucionária. Como esclarece o diretor Clément Cogitore, se o texto original trata dos embates entre colonizadores europeus e os povos originários de todos os cantos do mundo, a proposta da nova versão foi fazer, da cidade, o mundo, e das diversas culturas urbanas que nela convivem, a sua matéria.   O espetáculo esteve em cartaz no braço da Ópera Nacional de Paris, situado na Place de la Bastille, entre setembro e outubro de 2019.   A ópera   Em síntese, a ópera pode ser expressa pelas peripécias, de toda ordem, que envolvem colonizadores europeus e os povos de além-mar, tanto à ocidente como à oriente, aqueles que genericamente foram classificados como as Índias. ...

O duplo, Fiódor Dostoiévski

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Por Marcelo Jungle Dostoiévski, 1876. Foto: N. Doss.    O duplo sempre enfrentou dificuldades em ser aceito na obra dostoiévskiana. Desde o seu lançamento (1846) sofreu a inevitável comparação com Gente pobre , o primeiro e aclamado romance de Fiódor Dostoiévski, lançado em janeiro do mesmo ano.   Coincidentemente, o livro trata exatamente disso, a necessidade e a impossibilidade de ser aceito do protagonista Yákov Pietróvitch Golyádkin, o que acaba por levá-lo à loucura. Interessante é que a narrativa não trata desse movimento em direção à insanidade, mas tem início quando esta já se revela definitivamente instalada. Desde o começo temos a nítida impressão de que o sujeito não bate bem da cabeça e isso vai se confirmando sem muita dificuldade já na primeira parte da novela. E talvez por isso a renitência em ser compreendida, ou talvez, aceita, pois a loucura vista por dentro não revela o ser humano em sua melhor versão. Normalmente os leitores se aborrecem com as repeti...

O centenário de Ulysses

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Por Andreu Jaume James Joyce. Foto: Berenice Abbott O próprio James Joyce disse em mais de uma ocasião que havia escrito seu trabalho para manter os especialistas entretidos por trezentos anos. Agora que Ulysses , publicado pela primeira vez em 1922, tem um século, podemos confirmar que esta profecia continua a se realizar, ainda que residualmente, na indústria dos estudos acadêmicos, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer que a misteriosa aura que acompanha o romance desde seu surgimento acabou prejudicando sua posteridade, transformando-o em uma obra que todos conhecem e poucos leem. Por outro lado, ninguém ignora que neste aniversário daquele annus mirabilis da literatura europeia, o que até pouco tempo chamávamos de “cânone ocidental” tem sofrido um descrédito que seria inimaginável para a geração de Joyce, T.S. Eliot ou Ezra Pound . O modernism constituiu uma repulsiva estética muito virulenta, mas, longe de contestar o cânone, preocupou-se sobretudo em esticar a tradição, sa...

Seis poemas de Rabindranath Tagore

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Por Pedro Belo Clara Rabindranath Tagore. Foto: Curatorial Assistance Inc. / E.O. Hoppé Estate Collection   O PRIMEIRO BEIJO   O céu ficou silencioso e de olhos baixos, Os pássaros calaram todos os seus cantos; O vento emudeceu; a música das águas acabou De repente; o murmúrio da floresta Morreu lentamente no coração da floresta. Na margem deserta do rio tranquilo, Nas sombras do anoitecer desceu silenciosamente O horizonte sobre a terra muda. Nesse momento no silencioso e solitário alpendre Beijámo-nos pela primeira vez. Nesse momento exacto, ao longe e perto Repicaram os sinos e soaram os búzios Nos templos dos deuses apelando ao culto. Um estremecimento percorreu o infinito mundo das estrelas E os nossos olhos encheram-se de lágrimas.     INTERMINÁVEL AMOR   Parece-me que te amei de inúmeras maneiras, inúmeras vezes, Na vida após vida, em eras após eras eternamente. O meu coração enfeitiçado fez e voltou a fazer o colar das canções Que tomaste como uma pre...