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Carlos Emílio Corrêa Lima, pedaços da história mais longe

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Por Pedro Fernandes   O ego de todo escritor sempre se acomoda penosamente no seu corpo e não importa qual sua estatura. Alguns poucos disfarçam isso na modéstia outros estendem-no para o domínio do gênio, outra matéria indissociável de um grupo de criadores em contínua extinção (ou sempre foram raros?). Ora, quem conheceu alguma vez Carlos Emílio Corrêa Lima encontrou nele esses elementos que oferecem apenas duas possibilidades de convívio: a sedução ou o distanciamento. Para os tempos que correm, é mais comum a iniciativa segunda, mesmo porque, é esta uma era de falsos escritores e de gente falsa, se pensarmos no esforço de muitos em figurar na calçada da fama ou desses ou outro tanto que se magoa com um dedo de sinceridade a mais levantado pela crítica, para citar dois fenômenos dos recorrentes na nossa confraria.   Sempre se diz que os escritores do nosso tempo estão mais livres porque não submetidos ao estatuto dos agrupamentos, o que não é verdade. Os medíocres, por exem...

O acontecimento: meu corpo, minha luta

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Por Cristina Aparicio   No dia 5 de abril de 1971, a revista francesa Le Nouvel Observateur publicava em suas páginas um manifesto, escrito por Simone de Beauvoir, no qual trezentas e quarenta e três mulheres (incluindo figuras como Jeanne Moreau, Marguerite Duras, Agnès Varda ou Catherine Deneuve) declaravam ter feito um aborto. O contexto é importante: não foi até a Lei Veil de 1975, quatro anos depois, quando o país francês descriminalizou o aborto induzido, que até então era uma prática ilegal. A assinatura do referido manifesto implicou o reconhecimento público de um crime classificado no código penal francês, que poderia levar à pena de prisão para todas aquelas mulheres. As reações foram imediatas: uma semana depois, a revista satírica Charlie Hebdo ecoou em sua capa uma ilustração que apontava com firmeza um dos aspectos que não costuma ser apontado: “Quem engravidou as trezentas e quarenta e três vadias do manifesto sobre o aborto?” A interrupção voluntária da gravidez d...

O negro de Dumas

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Por Christopher Domínguez Michael   Ainda não vi L’autre Dumas , filme de Safy Nebbou lançado em Paris em fevereiro de 2010 que conta, com o inefável Gérard Depardieu interpretando Alexandre Dumas, a dupla vida criativa do romancista que assinou Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo . Digo assinou e não escreveu porque a autoria plena do escritor sobre suas criações nunca ficará completamente clara e o filme trata das relações entre Dumas e o principal (mas não único), de seus negros , Auguste Maquet. Isso de negro , ou mais precisamente “negro literário”, é uma etimologia francesa do século XVIII e não esconde mistério maior: assim eram chamados os autores escravizados pelos escritores famosos que compunham para eles panfletos políticos, romances e dramas sem que, obviamente, sua autoria fosse reconhecida e aqueles que recebiam, segundo a lenda, pagamentos miseráveis ​​para dar fama a outros. Na anglosfera se chama ghost writers aqueles que na França ainda são chamado...

Sinfonia Ilitch II

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Por Michele Soares Eu vos pergunto: Qual é o peso da luz? — Clarice Lispector Iliá Répin. Lev Tolstói em uma poltrona rosa, 1909. Tolstoy Museum.   Uma vez tendo em mente os movimentos gerais de A Morte de Ivan Ilitch e da Sexta Sinfonia, segundo apresentados na parte I deste ensaio, o estabelecimento dos pontos de contato entre ambas as obras se torna menos árduo e mais plausível. Se houve quem observasse e cotejasse trechos específicos da novela com a sinfonia, buscando ver em uma a transcrição exata da outra — a novela na sinfonia, no caso, já que a obra de Tolstói é anterior —, a despeito de Tchaikovsky e Tolstói terem se conhecido pessoalmente e de Tchaikovsky ter lido A Morte de Ivan Ilitch , acredito que, para os fins da nossa análise, é mais prolífico voltar o olhar sobre as constatações as quais chegaram ambos, Tolstói na literatura e Tchaikovsky na música, do que estabelecer influências e correlações exatas, no miúdo dos detalhes, entre uma e outra obra. Quando eu o...

Boletim Letras 360º #476

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DO EDITOR   1. Caro leitor, no último final de semana realizamos o quarto sorteio entre os apoiadores do Letras . Três livros do catálogo da editora Bandeirola foram sorteados por votação às cegas no nosso Instagram. O trabalho agora é para o próximo bimestre e é possível contar algumas novidades.   2. Os livros do mês de maio são de autores brasileiros editados no grupo Companhia das Letras. Essa escolha sublinha as celebrações do Dia da Literatura Brasileira e a pluralidade de novas vozes de nossa literatura hoje.   3. Outras formas de colaborar com o Letras e mais detalhes sobre como se inscrever para o sorteio estão disponíveis aqui . Sua ajuda é sempre muitíssimo bem-vinda e, em nome do projeto, registre-se os agradecimentos a todos que, de alguma maneira, contribuem para sua continuidade.   4. Aproveite nossas boas informações e boas leituras. E, cabe não esquecer que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem descon...

“Relacionar-se é administrar conflitos”. Entrevista com Adriano de Paula Rabelo

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Por Marília Bertolino   Acaba de sair, publicado pela editora Minotauro, selo do grupo Almedina, o livro A primeira pessoa: duas histórias , do escritor mineiro Adriano de Paula Rabelo. Como indica o título, a obra é composta por duas narrativas concisas, situadas entre o conto e a novela. No entanto, ou por isso mesmo, essas histórias, contadas em primeira pessoa por protagonistas homens a caminho dos quarenta anos, são bastante concentradas e carregadas de tensão a partir do momento em que ocorre um desarranjo da situação de “normalidade” inicial. Conversamos com o autor sobre esse livro e as escolhas que ele vem fazendo na escritura de seus trabalhos.   No ano passado, você lançou O amor é um abismo furtivo , que reúne uma série de contos retratando o final da relação amorosa. Agora você retorna ao tema da separação dos amantes. Por que esse assunto tem estado tão presente neste momento de sua produção?   Esse assunto tem estado muito presente na produção de quase todo...