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O silêncio lhe cai tão bem

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Por Rafael Ruiz Pleguezuelos Colagem. Frédérique Bertrand.   Nestes tempos de literatura selfi e, em que autores de curta e longa carreira tentam estar presentes em todas as fofocas digitais e esticar o pescoço ao máximo para serem vistos em cada foto, em qualquer evento, a notícia que um novo autor como Joseph Andras recusa um prêmio Goncourt e declara que valoriza sua independência o suficiente para se afastar dos holofotes deve ser visto como um salto contra a maré ao alcance de pouquíssimos. Neste momento, a polêmica sobre a manifestação desse jovem no Goncourt é mais viva — que inveja da cultura na França, onde as pessoas parecem realmente se importar com o assunto e chove rios de tinta sobre o acontecido! —, com hipóteses que vão desde a inexistência de tal Andras, acompanhada da suposição de que se trata do pseudônimo de um autor de carreira, até aquelas que sugerem que poderia ser todo um grupo que resultou na magnífica obra intitulada De nos frères blessés (Dos nossos irmã...

William Morris: como um grande pensador e poeta foi negligenciado por conta do seu papel de parede

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Por Serena Throwbridge  William Morris. Foto: Frederick Hollyer   Os obituários e reminiscências que se seguiram à morte de William Morris referem-se a ele como um grande poeta, pensador e incansável trabalhador a serviço da humanidade, assegurando sua reputação de “o homem mais completamente dotado do século XX”. É talvez irônico, então, que ele seja mormente lembrado apenas por populares designs em papéis de parede, panos de prato e roupas para o dia a dia.   O médico de Morris afirmou que a causa da morte foi “simplesmente ser William Morris e ter trabalhado mais do que dez homens comuns”. Ele teve uma educação privilegiada perto de Londres. Era frequentemente visto cavalgando seu pônei vestindo uma diminuta armadura, emulando os contos medievais de cavalaria que lia com entusiasmo. Sua infância, sucedida pela Marlborough School e por Oxford, imbuiu-lhe de um amor pela paisagem inglesa, por objetos históricos e por histórias que o influenciaram ao longo de toda a...

Os inesquecíveis anos de John Dos Passos

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Por Ignacio Martínez de Pisón John Dos Passos. Foto: Graphic House.   Quando John Dos Passos publicou The Best Times (Anos inesquecíveis, em tradução livre), haviam se passado cinco anos do suicídio de Ernest Hemingway e dois da aparição de Paris era uma festa , romance no qual o escritor o ataca com fúria e força inusitadas. O livro apresenta Dos Passos caracterizado como um “peixe-piloto” que sempre se deixa cair em pontos antes de seus amigos ricos. E sobre esse peixe-piloto Hemingway diz que “não há como pegá-lo, e só quem confia nele é capturado e morto”, e também que é um homem que, dominado como é pelo amor ao dinheiro, “cada dólar que ganha o desloca um pouco mais para a direita”.   O retrato que Hemingway oferece de Dos Passos em Paris foi uma festa do início ao fim é inspirado pela amargura e no rancor, e o fato de não ter sido impresso até a morte de seu autor apenas alimentou o ressentimento e a dor de seu ex-amigo. Para Dos Passos, que no fundo sempre sentiu fa...

A arte de piratear o Ulysses

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Por Eduardo Huchín Sosa James Joyce. Foto: Man Ray.   Como sabemos (porque os suplementos culturais não se cansaram de nos lembrar), no dia 2 de fevereiro de 1922, James Joyce recebeu seus dois primeiros exemplares de Ulysses . A edição parisiense de Shakespeare & Company havia superado todo tipo de dificuldade, entre elas as acusações de obscenidade que haviam sido dirigidas contra alguns capítulos publicados pela The Little Review e que impediam sua comercialização nos Estados Unidos. Em The Most Dangerous Book , Kevin Birmingham assina uma investigação exaustiva não apenas sobre Joyce e seus editores, mas sobre os advogados, censores, juízes, contrabandistas e mecenas que participaram de um longo esforço de quase duas décadas para trazer Ulysses da clandestinidade para o cânone.   Começou também naquele 2 de fevereiro uma história pouco divulgada: a da pirataria do livro nos Estados Unidos. Uma das razões pelas quais Joyce aceitou a edição de Shakespeare & Company...

Uma leitura de Cheia, romance de Natália Zuccala

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Por Tiago D. Oliveira   A leitura é uma queda sem freios; em Cheia o suspenso é veloz como a vida. O primeiro evento da narrativa é capaz de marcar na terra a imagem e o peso de um corpo que carrega tantos outros em sua representação. O peso de gerações — uma mulher e seu marido em uma mesa de restaurante, mesa para um, assim ela pede para o garçom, o esquecimento/ apagamento involuntário como ferramenta de defesa do corpo que reage sem pedir licença. A memória só retorna quando o corpo é novamente sublinhado pela mão do marido em seu ombro, a ressurgir, a recobrar, a retomar um lugar, como fizeram historicamente todos os colonizadores. O corpo da mulher ainda é terra que vem sendo devastada, apossada sem que a natureza respire e mesmo assim, contra tudo e todos, a força se figura em beleza quando a luta é contínua e o brado é marcado por uma resistência de coragem, afeto e dor.   Em seu primeiro romance, editado pela Urutau, Natália Zuccala apresenta uma narrativa “com a seg...

Doze haikus de Kobayashi Issa sobre animais

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Por Pedro Belo Clara Kobayashi Issa. Desenho: Yuki Bishu.     I.   as abelhas em volta do poste — reunião de condomínio     II.   como se não mais pudessem regressar as andorinhas rodopiam no ar     III.   como se não quisesse nada deste mundo uma borboleta esvoaça     IV.   de repente o cão pára de ladrar — a flor de lótus abriu-se     V.   chuva de outono — o cavalinho vendido olha para a mãe     VI.   também as formigas têm um lugar para dormir — flores de cerejeira ao sol-posto     VII.   gansos de passagem — o meu coração também voa alto     VIII.   gatos com cio separados pela parede — amantes que não se tocam     IX.   regresso à minha cabana e as moscas fazem o mesmo     X.   anoitece — como chora o pardalinho abandonado!     XI.   banhado pelo luar e longe de sua mãe o potro chora     XII.   e...