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Os irmãos sejam unidos: William e Henry James

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Por Rodolfo Biscia Henry e William James. Foto: Arquivo Bettmann   Estávamos em meados dos anos 1980 e, num curso sobre Leibniz na Universidade de Saint-Denis, Gilles Deleuze notou a ausência de um estudo conjunto sobre os irmãos James, Henry o literato e William o filósofo. Entre seus alunos estava David Lapoujade, que ficaria encarregado de tecer esses fios em Ficções do pragmatismo (2008), um livro hospitaleiro com leitores de ambos os lados.   Ao mesmo tempo carteiro e contrabandista, Lapoujade coloca em prática um sistema de complementações. Se o psicólogo William persegue o imediatismo da experiência pura, o romancista James se deleita em seu caráter indireto (ele é um mágico da obliquidade). Se William expôs sua filosofia através de uma espécie de relato de aventuras, seu irmão transformou o romance na forma reflexiva por excelência. Os processos narrativos nas ficções de Henry lançam luz sobre a teoria de William da relação pragmática entre vontade, crença e verdade. ...

Uma gracejante obra-prima que expandiu as possibilidades do romance

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Por Parul Sehgal Seria possível que o romance mais moderno, mais surpreendentemente vanguardista que apareceu esse ano tenha sido originalmente publicado em 1881?* Este mês marca a chegada de duas novas traduções de Memórias póstumas de Brás Cubas , a obra-prima do romancista brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis, uma história metaficcional e metafísica narrada por um homem que morre de pneumonia. Muito sinistro? Esqueci de mencionar que ele é carregado para o além no dorso de um volúvel e enorme hipopótamo. Se imaginarmos o progresso histórico do romance como a evolução do homem — do vergado primata ao ereto homo sapiens — o livro de Machado representa o momento em que o romance aprendeu a dançar. O livro lança mão do gosto onívoro do seu criador: tragédia grega, Shakespeare e Schopenhauer, fermentados pela tradição picaresca de Cervantes e Laurence Sterne. Sua experimentação formal e jocosidade são consideradas precursoras dos romances de Nabokov, Calvino e dos pós-modernistas am...

Boletim Letras 360º #485

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DO EDITOR   1. No dia 29 de maio de 2022 realizamos o último sorteio incluindo Kits de livros fornecidos por editoras parceiras que se dispuseram contribuir conosco para levantar fundos de custeio do domínio e hospedagem do Letras aqui na web.   2. O seu apoio é ainda necessário, continuamente. Os sorteios continuarão, com Kits de livros ou livros isolados entre todos os apoiadores. Simplificamos os valores. Agora é possível ajudar com valores a partir de R$10 através do PIX blogletras@yahoo.com.br .   3. Outras formas de colaborar com o Letras estão disponíveis aqui . E, cabe não esquecer que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto, também ajuda a manter o Letras sem pagar nada mais por isso .   4. A todos que ajudaram, direta ou indiretamente, reiteramos, também continuamente, nossos agradecimentos. Yasunari Kawabata.   LANÇAMENTOS   Pela primeira vez, o último romance de Yasunari Kawabata ganha tra...

Armadilhas dos versos

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Por Beatriz Sarlo Virginia Woolf e Vanessa Bell jogam críquete, 1894.  É constantemente repetido que vivemos superconectados. Alguns dizem criticamente ou incomodados com a interferência. A maioria, com um espanto que tenta passar despercebido para que o eventual interlocutor não suponha que a pessoa que o diz acabou de descobrir, pois é um estreante na web e verifica se seu aniversário já foi mencionado na página de um amigo no Twitter. Ok, estamos superconectados.   Eu me pergunto como é possível ler algo longo e difícil em estado de superconexão. Quando os textos literários completos começaram a aparecer na web , pensei que minhas leituras para as próximas férias já estavam estocadas, pois não precisaria carregar uma sacola com meia dúzia de livros para as serras. Levaria apenas um tablet.   Escolhi Salammbô , romance de Flaubert que, ao tentar lê-lo aos 15 anos, havia abandonado, porque me remetia a lugares e tempos desconhecidos e, portanto, intransitáveis. Seriam r...

Maria Gabriela Llansol: a escrita do corpo ou o corpo da escrita

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Por Fernanda Fatureto   Maria Gabriela Llansol (1931 – 2008) é uma escritora inclassificável. Sua escrita flerta com o inaudível e incorpora, em sua obra, o vazio. A escritora negava dizer que seus textos eram parte da ordem do ficcional. Para ela, escrever era abarcar o mistério da existência de todos os viventes sob a terra — seja uma planta, um animal, pessoas… Todos eram parte de um mesmo universo que ela transmitia em sua escritura.  A escritora nascida em Lisboa não fazia distinção entre os “viventes” (como gostava de dizer) e até mesmo autores que admirava como Nietzsche, Fernando Pessoa, Rilke, Bach eram transpostos para seus textos sob a forma de “figuras” e não personagens.   João Barrento, pesquisador e responsável por editar sua obra e organizador do Espaço Llansol em Portugal, organiza desde meados de 2007 e 2008 o espólio da autora e edita os diários que Maria Gabriela Llansol escreveu desde seu exílio na Bélgica na década de 1970. Chamado de Livro de Horas...

Literatura, heróis e rebeldia

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Por Gisela Kozak Rovero André Derain. Ilustração para o Satíricon , 1934.   Aristóteles dizia em sua Poética que a tragédia não devia desafiar os valores sociais; seu papel catártico acontecia quando o espectador se olhava no espelho dos horrores que ocorriam aos personagens, expressão da ordem natural das coisas.   O espectador contempla o que os deuses fazem com homens e mulheres, talvez comovidos por tanto sofrimento, sem duvidar de sua inevitabilidade. Para o bem do mundo, Édipo deve pagar pela falha que nem sequer sabia que havia cometido, o incesto com a mãe. Antígona, outro personagem de Sófocles, desobedece às leis; a jovem morre defendendo as tradições e a família. Ela enfrenta o autoritarismo, o faz em nome de valores considerados superiores e enfrenta a morte: uma mulher não deve desafiar nenhum bastião patriarcal. A luta entre antigos e novos valores atravessa as tragédias gregas; porém, violar o delicado equilíbrio entre homens, deuses, polis, reis, homens e mulh...