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O próximo passo, de Cédric Klapisch

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Por Solange Peirão O filme O próximo passo integrou o Festival Varilux de Cinema Francês 2022, e certamente voltará às salas de exibição, em breve. Com direção de Cédric Klapisch, e roteiro em parceria com Santiago Amigorema, insere-se na área do cinema de entretenimento, nesse caso uma “quase” comédia, na medida em que algumas passagens hilariantes e a ironia bem francesa se entrelaçam para expor um drama pessoal.   O enredo   Trata-se de um roteiro relativamente simples. Elise (Marion Barbeau) é uma bailarina clássica de sucesso que se acidenta gravemente em uma de suas apresentações e que vê cair por terra sua vida de longos anos de treinamento árduo. Isso porque, dada a gravidade da lesão, deve, aparentemente, segundo os prognósticos médicos, abandonar o sonho da carreira construída com tanta disciplina. Será?   E aqui, se coloca, talvez, o ponto central do roteiro: o que fazer quando a escolha profissional supõe um longo período de aprendizagem, e este é quase sempr...

Uma vida romanceada: sobre o legado literário e político de Edward Said

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Por Timothy Brennan Edward Said. Foto: Fundação Barenboim-Said   Muito depois de sua morte em 2003, Edward W. Said segue como parceiro em muitas conversas imaginárias. Para aqueles que o conheceram, as trocas enquanto estava vivo fazem quase tanta falta quanto sua pessoa — os olhos escuros e penetrantes, compassivos mas ígneos, de um homem receptivo e atento, um pouco intimidador, e com frequência bastante engraçado.   Eu me encontrava na Universidade de Madras, Índia do Sul, em dezembro do ano em que ele faleceu. A leucemia o havia derrotado apenas alguns meses antes e, agora que partira, os memoriais começavam a avolumar-se. Convidado a falar sobre sua obra tão distante de seu lar nova-iorquino, esperava achar-me em uma pequena sala de seminário, mas, em vez disso, fui conduzido ao gabinete do chanceler para tomar chá, com um funcionário do consulado norte-americano a seu lado, ambos surpreendentemente bem-informados sobre os escritos de Said, depois para um anfiteatro do ta...

De Margaret Atwood a Neil Young: o aborto na cultura estadunidense

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Por Álex Vicente Ilustração: Chloe Cushman   Antes da Suprema Corte dos Estados Unidos derrubar o direito ao aborto no dia 24 de junho de 2022, escritores, cineastas e artistas observavam a realidade social em torno desse debate explosivo há décadas. De Annie Ernaux ( O acontecimento ) a Claudia Piñeiro ( Catedrais ), outras tradições trataram extensivamente dessa questão, mas em poucos lugares a questão é tão espinhosa (e tão política) quanto em um país dividido em duas metades desde o precedente que abriu “Roe v. Wade”, a decisão de 1973 que tornou constitucional a interrupção voluntária da gravidez. Estes são alguns dos exemplos mais proeminentes desta longa guerra cultural.   O conto da Aia . O romance que Margaret Atwood publicou em 1985, adaptado como uma série de televisão de sucesso, descrevia um futuro distópico que, desde então, se tornou hiper-realista. Na República de Gilead, o aborto é estritamente proibido porque o único propósito socialmente imposto às mul...

Boletim Letras 360º #489

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    DO EDITOR   1. Leitores e apoiadores do Letras, eis mais uma edição desta publicação que foi criada aqui no blog a 486; por ela passam algumas das novidades que circulam durante a semana em nossas redes sociais e outras dicas exclusivas.   2. Relembro que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você ganha desconto e ajuda ao Letras sem pagar nada mais por isso . Você sabe outras formas de ajudar ao blog por aqui .    3. Tenham um bom fim de semana, com livros e boas leituras! Ignácio de Loyola Brandão. Foto: André Brandão   LANÇAMENTOS   Novo romance de Ignácio de Loyola Brandão .   Há 40 anos, o autor Ignácio de Loyola Brandão lançou Não verás país nenhum , livro que viria a se tornar um clássico literário. Com uma trama que traça paralelos com a ditatura militar brasileira, a obra mostra São Paulo dominada por um regime fascista, em um contexto ambiental onde as florestas desaparecem queimadas e a á...

Literatura: censura e boas intenções

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Por Gisela Kozak Rovero Ilustração: Ivan Lubennikov   Na primeira parte desta série comentei os altos e baixos da arte verbal entre a submissão aos valores postulados do poder e seu desafio ou desmascaramento.¹ Tais oscilações estão relacionadas à preocupação das elites políticas e religiosas com as influências da escrita sobre os leitores. Em seu belo texto “A muralha e os livros”, Jorge Luis Borges conta a história de um imperador da China que baniu os textos do passado, testemunhos de reinados anteriores com os quais os seus poderiam ser comparados. Outro Jorge, um monge, personagem do romance O nome da rosa , de Umberto Eco, envenena um livro, A Comédia de Aristóteles, para punir seus leitores, culpados do maior pecado possível, o riso, porque quem ri muito zomba de Deus.   Este monge, cego e trancado numa biblioteca labiríntica, constitui uma homenagem lúdica e irônica ao escritor argentino e uma confirmação de seu zelo pela palavra escrita. Padre Jorge zelava pela ...

No mar, de Toine Heijmans

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Por Pedro Fernandes Toine Heijmans. Foto: Merlijn Doomernik   Uma vez no mar, o tempo se divide em duas diferentes esperas cujas margens sempre se encontram no final: o de quem está a bordo e o de quem fica em terra firme. Apesar de dedicar quase toda extensão da narrativa ao último curso da viagem de Donald, os dias que se passam entre Thyborøn e Harlingen, o pequeno romance de Toine Heijmans se estabelece como margem, porto de passagem entre esses dois tempos: no desfecho do relato, convivemos com os instantes dos que aguardam os que estiveram em navegação.   Em terra firme, a espera pode sempre ser preenchida ou atalhada por nossos interesses, encurtada pela pressa, o mar, por sua vez, cobra do navegante o criterioso zelo com todos os limites do tempo da espera e quaisquer alternativas fora de suas leis podem se tornar na garantia que faltava para a morte. A companheira de Donald não deposita a confiança que ele imagina possuir com um meio informe e traiçoeiro, sobretudo co...