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O fator Wells

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Por Christopher Domínguez Michael H. G. Wells. Foto: Yousuf Karsh   Não há dúvida que Herbert George Wells (1866-1946) foi uma das figuras decisivas da primeira metade do século XX e que, precedido por Júlio Verne, moldou, previu e profetizou muito do que seria o presente e o futuro. Dos seus sessenta livros, escritos em quase todos os gêneros, basta lembrar apenas alguns dos títulos de seus romances para medir sua influência: A máquina do tempo (1895), O homem invisível (1897), A guerra dos mundos (1898) e Os primeiros homens na Lua (1901). Quase todas as coisas que surgiram no século passado pareciam dever-lhe a existência, e isso é demonstrado por Sarah Cole, a mais recente de seus exegetas, em Inventing Tomorrow. H.G. Wells and the Twentieth Century (Columbia University Press, 2020). É, segundo ela, o “fator Wells” e ela não é a primeira a considerar esse fator, nem será a última a fazê-lo.   Para além dessa tetralogia que marca a transição entre os séculos XIX e...

Desvelando uma dialética doméstica: leituras de Otelo

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Por Guilherme Mazzafera Otelo e Desdêmona. Eugàne Delacroix. Em suas famosas palestras, agrupadas no clássico Shakespearean Tragedy (1904), A. C. Bradley dispende algum tempo tentando divisar quais os elementos que compõem a substância e sustentam a construção da tragédia shakespeariana. Para ele, as tragédias do bardo envolvem uma história de sofrimento e calamidade que conduz ao declínio e morte de um homem de estatura social elevada. As calamidades e sofrimentos enfrentados pelo herói são sobretudo derivados de suas próprias ações, por meio das quais seu caráter se expressa. Os heróis são indivíduos de alta proveniência social, obtida por nascimento (reis e príncipes) ou mérito (autoridades militares), que têm que lidar com a impossibilidade de controlar o curso dos eventos que de alguma forma iniciaram e cujo destino privado acaba por afetar a esfera pública, adquirindo poderoso sentido simbólico (BRADLEY, 2009, p. 6-8).   Desde suas palestras iniciais, Bradley chama atenção p...

Boletim Letras 360º #496

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, eis uma parte das notícias que passaram durante a semana nas redes sociais do Letras . Na edição passada, disse que durante a semana o leitor saberia qual livro substituiu o sorteio da edição especial do Ensaio sobre a cegueira . A semana ainda não acabou, então fique atento. Para participar dos sorteios basta apoiar o Letras — todas as informações aqui .   2. E, não esqueça, na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados aqui, você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras com as despesas de domínio e hospedagem na web sem pagar nada mais por isso .   3. Bom final de semana com descanso e boas leituras! Luigi Pirandello. Foto: Mondadori.   LANÇAMENTOS   Uma das obras principais de Pirandello em nova edição .   O Diretor, em mais um dia de trabalho, orienta os atores no ensaio de uma peça com o sugestivo nome de O jogo dos papéis, de ninguém menos que... Pirandello. De repente, irrompe no teatro um g...

Século XX: a épica do escritor

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Por Gisela Kozak Rovero Caravaggio.  São Jerônimo (detalhe).  Quando eu estudava Letras nos anos oitenta, Mario Vargas Llosa visitou Caracas e deu uma palestra na Faculdade de Humanidades e Educação da Universidade Central da Venezuela. O auditório estava lotado, especialmente de estudantes. Anos antes, Julio Cortázar havia lotado a Aula Magna da mesma casa de estudos, com capacidade para cerca de três mil pessoas. Os escritores eram uma espécie de estrelas de rock: atraíam multidões, encontravam-se com presidentes, falavam na televisão e eram ouvidos até por pessoas que não os havia lido. Na década de 1940, Rómulo Gallegos tornou-se o primeiro chefe de Estado venezuelano eleito por voto universal, direto e secreto; sua fama como escritor foi a melhor carta de apresentação. O ciclo ficcional de Gallegos era inacessível para muitos venezuelanos analfabetos, mas se sabia quem era o autor de Dona Bárbara .   Gabriel García Márquez se relacionava pelo primeiro nome com ditado...

A provocação ilustre

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Por Diego Cuevas Duelo com porretes. Francisco Goya. Óleo sobre tela, 1820-1823. Museu do Prado.   O escritor britânico G. K. Chesterton (1974-1936) ocupou um espaço importante nas estantes da história literária graças a obras como O homem que era quinta-feira , A esfera e a cruz , a saga do padre Brown ou O homem que sabia demais . Mas ele também ocupou um espaço importante no mundo em geral graças ao seu metro e noventa e três de altura e seus mais de cento e trinta quilos de peso. Porque Chesterton era uma dessas barrigas roliças que andam orgulhosamente arrastando um homem atrás de si. Aconteceu ainda que o escritor gostava de cutucar os seus colegas com comentários jocosos: em uma ocasião, estando na companhia de seu amigo, o dramaturgo George Bernard Shaw, ele contemplou o físico esquálido daquele e ocorreu-lhe deixar escapar um rude “Ao olhar para você, qualquer um pensaria que a fome está assolando a Inglaterra”. Uma ofensa que Shaw respondeu com “Olhando para você, qualque...