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Sete poemas de Miguel Torga

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Por Pedro Belo Clara Miguel Torga. Foto: Eduardo Gageiro.     LIVRO DE HORAS ( O Outro Livro de Job , 1936)   Aqui, diante de mim, Eu, pecador, me confesso De ser assim como sou. Me confesso o bom e o mau Que vão ao leme da nau Nesta deriva em que vou.   Me confesso Possesso De virtudes teologais, Que são três, E dos pecados mortais, Que são sete, Quando a terra não repete Que são mais.   Me confesso O dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas, E o das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo Andanças Do mesmo todo.   Me confesso de ser charco E luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco Que atira setas acima E abaixo da minha altura.   Me confesso de ser tudo Que possa nascer em mim. De ter raízes no chão Desta minha condição. Me confesso de Abel e de Caim.   Me confesso de ser Homem. De ser um anjo caído Do tal Céu que Deus governa; De ser um monstro saído Do buraco mais fundo da caverna.   Me confesso de ser ...

Boletim Letras 360º #497

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, no sábado, 20, foi anunciado nas redes sociais do Letras quais os novos títulos que substituíram o sorteio da edição especial do Ensaio sobre a cegueira : As convidadas (Silvina Ocampo); Outono (Karl Ove Knausgård) e A intuição da ilha (Pilar del Río).   2. Aproveito essa ocasião para estabelecer uma nova data para sorteio; ao invés de ser hoje, 27, ser no próximo sábado, o primeiro do mês de setembro. É uma maneira de divulgar melhor entre os demais leitores e entre os novos possíveis interessados.   3. Para se inscrever e participar dos sorteios basta apoiar o Letras — todas as informações aqui . E, não esqueça, outra das possibilidades de apoio é na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados aqui; você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras com as despesas de domínio e hospedagem na web sem pagar nada mais por isso.   4. Bom final de semana com descanso e boas leituras! Enzo Maqueira. Foto: Paula Mo...

Baudelaire e os jovens

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Por Ignacio Echevarría Charles Baudelaire. Foto: Félix Nadar.   Nascido trinta anos antes de Rimbaud, que o considerava “o primeiro vidente, rei dos poetas, um verdadeiro deus”, a figura de Baudelaire não foi atravessada, como a de Rimbaud, pelo mito da juventude. E isso apesar da atração que o romantismo e alguns de seus heróis exerceram sobre Baudelaire.   Quando jovem, ele próprio cumpriu todos os requisitos que, desde o início do século XIX, caracterizam o jovem artista: era rebelde, dissoluto, bagunceiro; confrontou os pais, participou dos motins revolucionários de 1848, pertenceu à boemia literária; exerceu a iconoclastia, cultivou a ousadia, a impertinência, o desdém; experimentou todos os tipos de drogas, frequentou os bordéis, jogou dandismo...   Nada disso, no entanto, imprimiu a inclinação da juventude em seu porte. A imagem que temos dele é a de um adulto prematuramente envelhecido, com um olhar intenso, crispado, tenso. Baudelaire deixou imediatamente de ser ...

Manuel Puig e o poder dos às margens

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Por Ariel Schettini Manuel Puig. Foto: Ulf Andersen.   A esta altura da cultura já não é mais necessário apresentar Manuel Puig à comunidade de leitores. Todos o conhecem; e os que ainda não o conhecem, deveriam fazê-lo. Tornou-se um símbolo nacional. E, sem dúvidas, é o romancista argentino mais importante do século XX, comparável apenas a Roberto Arlt e Julio Cortázar. Mas é sempre injusto comparar artistas, porque suas obras são incomensuráveis.   Ainda assim, poderia se pensar, em um contexto latino-americano, como o escritor mais urbano e cosmopolita da geração do pós-Boom. E ainda mais, um dos poucos escritores argentinos que pode ser parte da imaginação coletiva em dois sistemas, o das livrarias — no mercado dos Best-sellers — e no das academias.   Todos sabemos que esses dois modos de circulação da literatura se confrontam e se opõem universalmente. Mas, a obra de Manuel Puig ultrapassa as fronteiras definidas entre as teses e as caixas registradoras com a comodid...

Alain Robbe-Grillet: do novo ao cine-romance

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Por Adriana Bellamy Alain Robbe-Grillet. Foto: Arquivo Robbe-Grillet.   Amante do esquivo e dos jogos de linguagem, Alain Robbe-Grillet é um dos escritores que renovou os gêneros romanesco e autobiográfico, mas também foi um pesquisador incansável em outros campos como textos críticos, artigos jornalísticos e cinema. Engenheiro agrônomo de profissão, Robbe-Grillet nasceu em Brest a 18 de agosto de 1922 e durante a década de 1950 tornou-se uma figura de destaque na vanguarda literária, especialmente após a publicação de seu segundo romance Le voyeur (À espreita, 1955). Já são bem conhecidas as discussões bizantinas desencadeadas pelo surgimento deste texto e as análises de seus fervorosos defensores, de Roland Barthes, Morrissette ou Blanchot, a Queneau e Bataille. Vários escritores fizeram parte do que ficaria conhecido como o novo romance, que além de Robbe-Grillet incluiu figuras como Michelle Butor, Nathalie Sarraute, Claude Simon e Marguerite Duras.   Algumas das caracter...

O fator Wells

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Por Christopher Domínguez Michael H. G. Wells. Foto: Yousuf Karsh   Não há dúvida que Herbert George Wells (1866-1946) foi uma das figuras decisivas da primeira metade do século XX e que, precedido por Júlio Verne, moldou, previu e profetizou muito do que seria o presente e o futuro. Dos seus sessenta livros, escritos em quase todos os gêneros, basta lembrar apenas alguns dos títulos de seus romances para medir sua influência: A máquina do tempo (1895), O homem invisível (1897), A guerra dos mundos (1898) e Os primeiros homens na Lua (1901). Quase todas as coisas que surgiram no século passado pareciam dever-lhe a existência, e isso é demonstrado por Sarah Cole, a mais recente de seus exegetas, em Inventing Tomorrow. H.G. Wells and the Twentieth Century (Columbia University Press, 2020). É, segundo ela, o “fator Wells” e ela não é a primeira a considerar esse fator, nem será a última a fazê-lo.   Para além dessa tetralogia que marca a transição entre os séculos XIX e...