Postagens

Javier Marías e o rosto de ontem

Imagem
Por Isaac García Guerrero Javier Marías Gianfranco Tripodo   Com Javier Marías se foi um tempo que já é passado. Um mundo que, sem percebermos muito, tem nos escapado aos poucos. Com sua morte está certificado que aquele rosto que estávamos olhando, o de Marías e o de seu tempo que também era o nosso, não era o rosto do presente, mas o do mundo de ontem.   Como grande autor, suas obras aprofundam temas e espaços recorrentes. O amor, o desejo, a traição, a desconhecimento do ente querido e do amigo ocupam suas páginas narrativas. Suas reflexões se confundem com os temas mais próximos e particulares da vida espanhola, como o sequestro e assassinato do jovem político Miguel Ángel Blanco perpetrado pelo grupo terrorista ETA em 1997, tema de fundo, por exemplo, de Tomás Nevinson . Mas a sua obra também gosta de revisitar os mesmos espaços, especialmente Madrid, Londres e Oxford. Um interesse pelo local que fica muito marcado em suas colunas jornalísticas, onde o futebol, o cinema, ...

Boletim Letras 360º #500

Imagem
    DO EDITOR   1. Caro leitor, com várias mãos sempre podemos mais. Por isso, as várias possibilidades abertas para que você faça parte da nossa história de quinze anos. Convido o leitor a conhecer sobre o clube de apoios e as alternativas para ajudar este blog com o pagamento das despesas de hospedagem na web e domínio.   2. Agora que o pacote com os três livros do último sorteio, realizado no início do mês, chegou às mãos do nosso leitor-apoiador, já é possível dizer quais os próximos títulos. Então, esteja atento aos próximos dias em nossas redes sociais.   3. Dessa vez, dois Kits com livros oferecidos pela editora independente Trajes Lunares. E lembro que: a aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim garante a você desconto e ajuda ao blog sem pagar nada mais por isso .   4. Um excelente final de semana com descanso e boas leituras! Michel Houellebecq. Foto: Philippe Matsas.   LANÇAMENTOS   Um romance total do ...

Literatura e guerra

Imagem
Por Thiago Teixeira A Batalha de São Romão. Paolo Uccello.   São incríveis as descrições de guerra de Tolstói. Inesquecíveis as cenas de pontes destruídas, de canhões disparando contra a bateria inimiga, de mensageiros voando a cavalo, dos obuses cujos estilhaços derrubaram o príncipe André. Impossíveis de tirar da cabeça a Moscou em chamas e a guerrilha na floresta de taipa. Pedro de olhos vendados, sendo conduzido ao paredão.   Mais inesquecíveis as descrições do massacre brasileiro ocorrido na cidade de Canudos. Assistimos em Os sertões ao canhão de mil e setecentos quilos sendo puxado por uma parelha de cavalos, atravancando no meio do caminho, como um trambolho incômodo. Os militares cansados, com as roupas rasgadas pelos espinhos, comidos pela seca infernal, varados pelas balas vindas de todas as direções. Os canudenses numa luta encaniçada, escondidos como fantasmas em buracos, atirando com armas improvisadas, surpreendendo pelo dinamismo em uma tática de guerrilha de...

“Nosso trabalho ao escrever é funcionar como um canal para que a literatura exista”. Entrevista com Enzo Maqueira

Imagem
Por Pedro Fernandes Enzo Maqueira. Foto: Paula Moneta. Enzo Maqueira chegou ao Brasil em 2021 através do romance Hágase usted mismo ( Faça-se você mesmo , tradução de Mauricio Tamboni) pela PONTOEDITA, casa editorial independente que organiza um seleto catálogo com projetos diferenciados que buscam integrar o objeto livro a outras expressões artísticas em contato com o literário.   Em setembro de 2022, ele regressa com Electronica , que descrevemos (em texto futuro para este canal) como um romance acerca da crise de uma geração que alguma vez apostou nos paraísos artificiais enquanto possibilidade de um tempo de liberdade perene. No final da entrevista, o leitor pode saber mais sobre o livro desfrutar num excerto um pouco do seu conteúdo.   Antes, dez perguntas ao escritor que continuamente tem sido apresentado como uma das vozes mais proeminentes da nova narrativa latino-americana. Um escritor que até agora acredita que os da sua profissão não tenham, no âmbito li...

Literatura e revolução

Imagem
Por Gisela Kozak Rovero Ilustração: Vladimir Lebedev   Jean-Paul Sartre, em Que é a literatura? , exorta os escritores da primeira metade do século XX a dar o grande passo final: escrever uma literatura proletária. Irônico e demolidor com seus adversários, Sartre afirma que eles já conquistaram a liberdade de expressão; a desonestidade intelectual do filósofo e escritor francês clamou aos céus. A perseguição de intelectuais, artistas e escritores no campo socialista deixava muito claro que a liberdade de expressão não era uma conquista irremovível das vilipendiadas democracias liberais burguesas. O próprio Sartre, abandonando sua relação masoquista com o stalinismo, apoiaria de seu prestígio internacional a saída do futuro Prêmio Nobel de Literatura, Josef Brodsky, da União Soviética, para dar apenas um exemplo.   A modernidade exigia do homem ou da mulher de letras uma honestidade estética que era improvável entre escritores consentidos pela nomenclatura do socialismo real na...

Um trabalho contra as sombras

Imagem
Por Felipe de Moraes Primo Levi. Foto: Mario Monge   Pensar a obra de Primo Levi como um monumento da narrativa de testemunho, que não deixa esquecer as atrocidades do Holocausto, é sem dúvida essencial do ponto de vista histórico e cultural, ainda mais quando colocada em relação com outros depoimentos, manifestos, ou demais produções literárias ou memorialísticas de sobreviventes judeus que trazem a lume o funcionamento da máquina de extermínio nazista e o dia-a-dia nos campos de concentração, regidos por leis severas de obediência e de trabalho cujo ápice era o processo da total desumanização dos prisioneiros — Arbeit macht frei ; no entanto, se se adota unicamente tal perspectiva sociológica de leitura, a mirada sobre o caráter literário dos textos perde força, bem como a possibilidade de uma análise estética que uma obra como a de Levi suscita. Além do que, atentar para certos aspectos formais de uma obra pode revelar sentidos latentes que o comentário exclusivamente sociológic...