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A escrita dos insetos

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Por Mauricio Molina À memória de Roger Caillois e Severo Sarduy Ilustração: Jean-Michel Folon   À primeira vista, você só pode ver um emaranhado de rabiscos distribuídos nas folhas de papel. Pode-se dizer que a escrita é uma selva em miniatura onde se esconde um animal mimético, metamórfico, confundido entre as letras, raramente percebido com clareza: o sentido.   Ler palavra após palavra envolve seguir um rastro na paisagem em miniatura da página, como se o olho decifrasse, ao longo das fileiras de manchas, pontos e rabiscos, uma cadeia de formigas ou o contorno de uma borboleta confusa mais além, mimetizada na escrita.   Um lugar comum faz do escritor um matador de insetos que ele esmaga na página em branco, mas milagrosamente, graças à percepção distante do olhar, essa série de manchas adquire significado. Ou pode-se dizer também que a escrita é o rastro de um inseto que escapou do frasco do tinteiro e laboriosamente escapa pela página. É um inseto invisível, que ...

O renascer de Witold Gombrowicz em Buenos Aires: o Ferdydurkismo

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Por Sergio Ernesto Negri Witold Gombrowicz. Foto: Bohdan Paczowski   Não consigo! Exclamou trêmulo Witold Gombrowicz, com a bagagem nas costas. E desce apressadamente do transatlântico em que havia embarcado dez minutos antes, aquele que se preparava para zarpar de volta ao porto de origem na Polônia.   Marian Witold Gombrowicz, como constava no passaporte, havia chegado a Buenos Aires cinco dias antes, em 19 de agosto de 1939, na viagem inaugural do Chrobry, um imponente navio branco polonês que fez uma viagem de três semanas pelo Atlântico, tendo partido do porto de Gdyni, situado no mar Báltico. Era uma das personalidades convidadas a promover a primeira viagem transoceânica realizada por uma empresa polonesa.   Desceu do barco de uma maneira tão inesperada quanto premonitória. A Segunda Guerra Mundial eclodiu uma semana depois de zarpar, quando se encontrava em Pernambuco. Os passageiros tiveram que permanecer no Brasil e o navio conduzido para Southampton, no Reino U...

Boletim Letras 360º #502

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, até o mês de novembro, lembrarei aqui sobre o sorteio que agora o blog realiza com o apoio da Editora Trajes Lunares. A casa disponibilizou dois Kits com três livros cada para sorteio entre os participantes do nosso clube. Este clube de apoios é uma das alternativas para ajudar este blog com o pagamento das despesas anuais de hospedagem na web e domínio.   2. Para participar dos sorteios é simples. Envia um PIX a partir de R$15 a blogletras@yahoo.com.br; para saber mais sobre os livros da Trajes Lunares disponíveis, sobre outras formas de apoiar, visite aqui . E lembro que: a aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim garante a você desconto e ajuda ao blog sem pagar nada mais por isso .   3. Um fim de semana com responsabilidade (dia 2 de outubro é dia de eleições) e boas leituras! Peter Handke. Foto: Laura Stevens   LANÇAMENTOS   Chega ao Brasil a primeira obra de Peter Handke pós-Nobel ....

On Empson, de Michael Wood: um grande crítico acerca de outro

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Por Stefan Collini Em uma época de nossas vidas, escreve Michael Wood sobre William Empson, “quando em nossa maior parte estamos tentando entender o que o sistema educacional quer de nós, ele estava reinventando a crítica literária.” Empson era graduando em Cambridge quando escreveu um ensaio para seu supervisor, I. A. Richards, mostrando como versos poéticos poderiam ser construídos de forma a produzir múltiplos sentidos até então despercebidos. Richards era um professor astuto o bastante para ver que não havia outra coisa a fazer senão dar carta branca a seu aluno escandalosamente original, então exortou-o a ir embora e trabalhar no ensaio de modo a expandi-lo um pouco. O resultado foi que, em 1930, com vinte e quatro anos, Empson publicou Seven Types of Ambiguity [Sete Tipos de Ambiguidade], um livro que efetivamente traz consigo certa reinvindicação plausível de ter “reinventado” a crítica literária.   É um livro estranho, sem propriamente introdução ou conclusão, e sem argume...

Electronica, de Enzo Maqueira

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Por Pedro Fernandes Enzo Maqueira. Foto: Pablo Monteiro   Cedo ou tarde, toda geração passa, de alguma maneira, por uma sua crise de significação. E pelo menos duas características formam parte de uma complexa rede de sintomas que não vem ao caso examiná-la agora: certa nostalgia seguida da contínua tentativa de recompor o tempo-limite quando, ao que parece, tudo se singularizava num presente eterno e aberto para um futuro mais vivo que o passado; e certo amainar das forças, como se por um instinto derivado da frustração obrigasse, consciente ou não, ao recrudescimento para conservação de um passado, algo que se verifica, no caso atual, na uniformização dos modelos.   De modo que, no curso do tempo da sociedade da alta técnica, os instantes para essa crise se tornaram cada vez mais precoces; e não seria exagero afirmar que atualmente formam um intervalo perene. Tornou-se a pedra de sustentação do metacapitalismo: segmentando indivíduos a partir das identidades, diversificam-s...