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Essa gente: uma análise da crise moral da elite carioca

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Por João Arthur Macieira   Figura mais do que conhecida do meio artístico brasileiro, Chico Buarque também criou seu espaço no campo literário, principalmente depois da publicação de Estorvo (1991). Isso porque sua literatura, tal qual sua música, pode combinar, através de uma polifonia que não se imiscuiu de pular do masculino ao feminino, da “alta cultura” à cultura popular, dos apartamentos do Alto Leblon às favelas, rodas de samba e mundo do crime que habitam o Rio de Janeiro. Se em Estorvo , como bem observou Roberto Schwarz, era possível perceber uma espécie de degradação moral daquilo que se pode chamar de “povo brasileiro” — isto é, os personagens que emergem naquela narrativa que representam as camadas pobres da população já eram marcados por um comportamento que seria chamado por Laval e Dardot de produção da fábrica de sujeitos neoliberais — em Essa gente (2019) foi a vez das elites cariocas, em especial aquelas em decadência financeira (o que engloba, possivelmente, t...

A Impostura, de Georges Bernanos¹

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Por André Malraux Georges Bernanos. Foto: Albert Harlingue   Sente-se nessa leitura, mais nitidamente ainda que na de Sob o Sol de Satã , que os seres colocados em cena por Bernanos estão submetidos a uma fatalidade que não é a de seu caráter, mas, ao contrário, começa no ponto exato em que seu caráter se apaga. Não somente a alma é para ele o essencial do homem; ela é ainda o que melhor o exprime. Nada seria mais falso do que uma resenha sobre A Impostura : os fatos aqui só possuem uma importância secundária. O que é primordial, é uma certa categoria de conflitos.   O tema real da Impostura é o mesmo que o da obra precedente de Bernanos: o estudo do poder de Satã. Esse livro é composto de uma forma que chamarei musical: quero dizer que não são os personagens que nele criam os conflitos, mas os conflitos que criam os personagens. É por isso que Bernanos se apega ao padre que, com mais força e nitidez que qualquer outro, exprime os sentimentos que ele quer iluminar.   ...

A terra desolada um século depois

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Por Bruce Swansey T. S. Eliot. Foto: Henry Ware Eliot.   Pastiche. Colagem. O último arcaísmo. Montagem. Lamento. Drama. Music hall . Apropriação. Reelaboração. Camuflagem. Lixo. Ritual. Um compêndio de alusões. Um poema estridente e dissonante. Um grito. O inferno. Segundo T. S. Eliot, o autor, “uma peça de rosnados rítmicos”.   Quando The Waste Land apareceu na revista Criterion em outubro e como livro em Nova York em dezembro de 1922, causou um estupor. Middleton Murray, um crítico contemporâneo, considerou o poema um insulto à boa escrita. Dizia o que muitos pensavam, articulava o rumor do desconcerto. De uma perspectiva tradicional, A terra desolada não era poético, exceto por certas pontes acústicas que mereceram a aprovação dos leitores conservadores. Os críticos da época reagiram a um objeto linguístico inclassificável que rompia com as convenções.   O interesse da crítica em A terra desolada lembra a reação ao Ulysses de Joyce, que Eliot certamente admi...

A grande história contra as Meninas, de Liudmila Ulítskaia

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Por Joaquim Serra   Ler Liudmila Ulítskaia foi uma surpresa. Os contos de Meninas se referem ao período de infância da escritora: a passagem dos anos 1940 para os anos 1950. No terceiro conto, sabemos exatamente a data, já que ela é o título “No dia 2 de março daquele mesmo ano”. Mas vamos obedecer à sua organização — por enquanto. O primeiro conto, “A dádiva prodigiosa”, coloca o leitor diante das pequenas protagonistas, meninas da juventude socialista e seu cotidiano escolar. A visita a um museu desperta a curiosidade e o fascínio pelo cultuado líder da União Soviética, mas prova, pelos detalhes sinalizados do narrador, a rigidez hierárquica que organizava também as crianças do regime.   Neste trecho o narrador descreve a atmosfera do que as meninas encontraram no museu, e também ironiza ao revelar os “ossos” entre os materiais usados para presentear Stálin: “O mundo estava todo ali, mas ninguém esbarrava nem se amassava, todos se postavam por séries, por escolas, regradam...

Machado ganha diferentes vozes em novas traduções de Memórias Póstumas de Brás Cubas

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Por Charles A. Perrone Diego Rivera. El joven de la estilográfica, 1914.   Não é sempre que duas traduções de uma grande obra da literatura ocidental aparecem simultaneamente; contudo, é exatamente isso o que ocorreu com o catálogo do verão de 2020 e a publicação de novas versões em inglês das Memórias Póstumas de Brás Cubas , de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908). Machado foi o presidente inaugural da Academia Brasileira de Letras, e, mais importante, é amplamente considerado o maior escritor de prosa ficcional na América Latina do século XIX, quiçá de todas as épocas. Brás Cubas foi um ponto de virada em sua carreira, marcando um afastamento da narrativa convencional dos romances românticos iniciais rumo a um realismo “sui generis” que não apenas o fez se destacar no Brasil de sua época, mas também o singularizou em meio à maior parte dos seus contemporâneos em qualquer lugar do mundo. A coincidência temporal e o interesse literário compartilhado convidam à comparação e ...

Boletim Letras 360º #507

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, graças as pequenas, mas variadas formas de colaboração durante todo ano, conseguimos prover a renovação do domínio e hospedagem on-line para o Letras in.verso e re.verso .   2. Aos editores que disponibilizaram seu catálogo para o envio de livros ao clube de apoios ao Letras, aos leitores mais assíduos e aos que esporadicamente nos ajudam, nos divulgam, aos amigos, reiteramos os agradecimentos por isso. Essa força é, antes tudo, reanimadora; são bons ventos para isso que aqui desempenhamos livre e amorosamente. 3. As formas de ajudar permanecem ativas. Vencemos um ano, abre-se outro. Para saber melhor sobre as formas de apoiar nosso trabalho, visite aqui . E lembro que: a aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim garante a você desconto e ajuda ao blog sem pagar nada mais por isso .   4. Bom final de semana com boas leituras! Carson Mccullers, 1947. Foto: Henri Cartier-Bresson   LANÇAMENTOS ...